Rita Marques Costa, Cátia Mendonça (infografia), Dinis Correia (desenvolvimento) e Filipe Ribeiro (design) , in Público on-line
Os objectivos foram estabelecidos em 2010, mas, com o prazo-limite a aproximar-se, ainda ficamos aquém na maioria dos indicadores. Em algumas áreas, os especialistas dizem que os objectivos não são ambiciosos.
Das oito metas definidas em 2010 no âmbito da Estratégia Europa 2020, apenas três foram alcançadas por Portugal. Cumprimos os objectivos relacionados com a redução da pobreza e a diminuição das emissões de gases com efeito de estufa, por exemplo. No entanto, nos indicadores relacionados com educação, investigação e emprego, há ainda caminho a fazer para atingir os valores traçados para o final da década. Na edição de 2018 do Retrato de Portugal na Europa, apresentado nesta terça-feira em Bruxelas, a Pordata — projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos — mostra a que distância Portugal está de cumprir essas metas e como se posiciona numa série de outros indicadores em relação aos seus pares europeus.Estas metas foram estabelecidas em termos gerais ao nível da União Europeia (UE) e adaptadas à realidade de cada país (ou seja, para cada Estado foram definidas metas concretas). A ideia, no início da década, era, em dez anos, melhorar a performance dos países da UE nestas áreas e promover um crescimento “inteligente, sustentável e inclusivo”, explica a Comissão Europeia. Com o prazo-limite a aproximar-se, em que ponto estamos?Explore os indicadores para perceber quão próximo Portugal está de atingir estas metas.
Reduzir para 10% a taxa de abandono escolar precoce
Para ter um bom emprego é preciso ter uma boa educação. As duas áreas andam de mãos dadas, defende Maria João Valente Rosa, directora da Pordata. “Há quem diga que estudar não compensa, mas se olharmos para as taxas de desemprego em função do nível de escolaridade, vemos que estudar compensa”, diz a demógrafa. Mesmo assim, não somos “um país de doutores e engenheiros e estamos com um défice terrível em termos de qualificações escolares”.
O primeiro indicador que integra as metas para 2020 na área da educação é a redução da taxa de abandono escolar precoce — população entre os 18 e os 24 anos que deixa a escola sem concluir o ensino secundário obrigatório e não está em qualquer acção de formação — para os 10%. Em 2017 estavam nesta situação 12,6% dos jovens.Apesar da redução significativa deste número, que em 1992 correspondia a metade dos jovens e em 2008 a 35%, Maria João Valente Rosa é categórica: “Ainda não é o suficiente para ficarmos descansados.” Tendo em conta o historial de avanços na área, “é certamente possível” alcançar esta meta, diz Maria Álvares, investigadora do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa que tem trabalhado o tema do abandono escolar. Contudo, é preciso ter em atenção um aspecto: “À medida que criamos metas mais ambiciosas, estamos a obrigar alunos que não têm sucesso a ficar na escola.” E adianta que “é preciso procurar perceber o que está por trás do abandono”. A flexibilidade curricular e uma maior autonomia das escolas podem ajudar nesse sentido.
No ano passado, o Monitor da Educação e Formação 2017 já dizia que, em Portugal, “a conclusão do ensino superior está a melhorar, mas cumprir o ambicioso objectivo nacional da Europa 2020 [40%] será difícil”. Em 2016, a percentagem de pessoas entre os 30 e os 34 anos com o ensino superior era de 34,6%, enquanto na UE estava já nos 39,1%. Pior: em 2017, esse valor diminuiu, em Portugal, para 33,5%.
Sobre este indicador, o ex-ministro da Educação David Justino diz que, “a este ritmo, não conseguiremos atingir” o que estava previsto para 2020. Para que se resolva, “é preciso alterar as condições de acesso e de insucesso [no ensino superior]”.
Em 2020, pelo menos 75% da população entre os 20 e os 64 anos deve estar empregada. É este o objectivo traçado pela UE para Portugal. Em 2017, eram só 73,4%, segundo os dados agregados pela Pordata. Desde o início da década, o pior momento foi mesmo em 2013, quando este indicador desceu para os 65%. Agora, “estamos muito próximos da meta”, diz Maria João Valente Rosa.Mas se é importante ter gente a trabalhar, também o é que tenhamos jovens a estudar. Manuel Carvalho da Silva, investigador do Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, defende: “Precisamos que muitos jovens estejam na universidade e não a trabalhar.”O antigo dirigente da CGTP nota ainda que, para aumentar a percentagem da população empregada, é preciso resolver outros problemas que “não têm solução fácil”, como o da emigração da população activa.
E se neste indicador estamos perto de atingir a meta, há outras métricas relacionadas com o emprego onde Portugal não está tão bem posicionado. É o caso da formação de empregadores e empregados. Em cada 100 empregadores portugueses, 55 não têm o ensino secundário ou superior — em 1992 eram 79 em cada 100. Este número coloca Portugal no topo da lista de países onde os patrões têm menos formação. Logo a seguir surgem Malta, Espanha, Itália e Grécia. Na União Europeia, a média é de 16,6%. Os números também fazem parte do Retrato de Portugal na Europa.Os trabalhadores também não estão numa situação particularmente favorável. Os números mostram que 43,3% dos que trabalham por conta de outrem também não têm mais do que o 9.º ano. À semelhança do que acontece com os dados relativos aos empregadores, os primeiros lugares são ocupados por Malta, Espanha e Itália. A média europeia ronda os 16%, indicam os dados publicados pelo Eurostat a partir dos Inquéritos ao Emprego nos Estados-membros.“O problema da formação profissional dos empregadores portugueses está nas micro e nas pequenas empresas”, aponta António Casimiro Ferreira, do CES e membro do Núcleo de Estudos sobre Democracia. “Coloca-se o ónus da produtividade nos trabalhadores. Fala-se da formação profissional dos trabalhadores, mas nunca se considera como elemento de produtividade e competitividade a formação dos empregadores”, aponta o investigador.O problema é “crónico”, diz Manuel Carvalho da Silva. E até avança a possibilidade de se ter intensificado com a crise. “O desemprego levou à iniciativa própria de muita gente, o que levou muitos a aparecerem como empresários sem o serem realmente. Isso é um aspecto que se deve considerar. ”Maria João Valente Rosa nota que “temos feito avanços, mas ainda estamos muito aquém daquilo que seria confortável e desejável” nesta área. O facto de “a maioria dos empregadores ter, no máximo, o 9.º ano de escolaridade coloca-nos numa posição de enorme desvantagem”. São estes dados que ajudam depois a explicar outros indicadores como a produtividade laboral por hora de trabalho: Portugal fica 33,6 pontos percentuais abaixo do valor de referência para a UE, 100%. O que nos coloca no 10.º lugar na lista dos menos produtivos, que é dominada pela Bulgária. Por outro lado, estamos entre os que trabalham mais horas.“É claro que o caminho está a ser percorrido", nota. "Mas temos de andar muito mais rápido do que os outros. A nossa posição de partida também nos colocava em enorme desvantagem. Temos de fazer um esforço enorme para chegar a níveis relativamente confortáveis, sabendo nós que o conhecimento é o que pode fazer a diferença no que diz respeito à dinâmica económica das várias sociedades”, sublinha a demógrafa.
A par da meta relacionada com o ensino superior, esta é uma área crítica para Portugal. A meta estabelecida em 2010 definia um investimento em investigação e desenvolvimento que representasse 2,7% do PIB nacional. Ora, em 2016, era 1,27% — inferior ao registado no início da década (1,6%).
É uma diferença “altamente preocupante”, uma vez que tem que ver com a produção de conhecimento. Algo essencial para a “dinâmica de crescimento das sociedades”.Globalmente, o cenário europeu também não é mais favorável. A ideia era que o investimento fosse de 3% do PIB, mas isso está longe de acontecer. “Depois de um período de crescimento lento, as despesas com ciência em percentagem do PIB estagnaram nos 2,03% entre 2014 e 2016”, afirma o Eurostat num relatório de 2018 que faz um ponto de situação sobre o tema.
Portugal já atingiu os valores com que se tinha comprometido perante a UE no que diz respeito à redução da pobreza. O objectivo era reduzir em 200 mil o número de pessoas em risco de pobreza face a 2008. Em 2017, o país tinha conseguido uma redução bem maior: menos 359 mil. Na UE, a meta era ter menos 20 milhões de pessoas em risco de pobreza.
Sérgio Aires, sociólogo, foi, até há pouco tempo, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza. Ao nível europeu, não tem dúvidas: a UE “fracassou” no combate a este fenómeno nestes últimos anos. O investigador critica o facto de “não se saber como a meta foi calculada” para cada país e entende que é “pouco ambiciosa”. Além disso, “não há nenhuma obrigatoriedade” em estabelecê-la ou em cumpri-la (há sete Estados-membros que não definiram objectivos para a redução do número de pessoas em situação de pobreza).O sociólogo avisa ainda que “não é porque o desemprego baixou que isso se traduz em boas condições laborais” — “O paradigma de crescimento da UE tem de mudar.”
As metas ambientais fazem parte daquelas em que Maria João Valente Rosa considera que Portugal “está no bom caminho” — principalmente nas que dizem respeito à emissão de gases com efeito de estufa e ao consumo de combustíveis fósseis.Para Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, o caso não é simples. É verdade, diz, que no que toca ao objectivo de não emitir mais do que 49,1 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa para a atmosfera Portugal já cumpre. Esta meta só diz respeito a 60% das emissões nacionais (as não-CELE, ou seja, não abrangidas pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão) relacionadas com actividades como os transportes, agricultura, resíduos, entre outros. Mas este não é um “objectivo ambicioso”, classifica o ambientalista.
Há uma outra meta definida internamente no âmbito do Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030 que “é mais ambiciosa” e que define como limite máximo a emissão de 38 milhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera em 2020 e uma redução para entre 31 e 36 milhões de toneladas até 2030.Os dados mais recentes, de 2016, indicam que Portugal emitiu, nesse ano, 40,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera. São as emissões relacionadas com o sector dos transportes que mais pesam — representam 25% do total. Abaixo na lista segue-se a agricultura, o único sector de actividade em que as emissões aumentaram entre 2008 e 2016, com 10% do total de emissões. E depois os resíduos, habitação e serviços.Ao nível europeu, o objectivo é que, até 2020, as emissões de dióxidos de carbono de todos os Estados-membros não ultrapassem os 2618 milhões de toneladas.Quanto à emissão de dióxido de carbono por habitante, Portugal está abaixo da média da União Europeia. Mesmo assim, os dados disponíveis no Retrato de Portugal na Europa mostram que é dos poucos países (a par de Chipre) onde esse valor aumentou entre 1990 e 2016. O Luxemburgo é o país com mais emissões de CO2 por habitante.
O consumo de energia final vinda de fontes renováveis é o elo mais fraco do grupo de indicadores relacionados com o ambiente. O objectivo para 2020 é que 31% da energia consumida seja proveniente de fontes como a biomassa, a energia hídrica e a eólica. Em 2016, só 28,5% era renovável. “O Governo diz que vai cumprir esta meta, a UE diz que há dificuldade”, resume Francisco Ferreira, da Zero. Resta esperar para ver.
Também nos indicadores “consumo de energia primária e final em milhões de toneladas equivalentes de petróleo”, Portugal é bem-sucedido. Em 2016, consumiram-se 22,1 milhões de toneladas equivalentes de petróleo, quando o limite definido se propunha a não ultrapassar os 22,5 milhões de toneladas. Francisco Ferreira diz que esta meta pode ser “problemática”, especialmente o consumo de energia primária, porque “estamos muito perto do limite”.
Na energia final, a margem é ligeiramente mais confortável. Os dados mais recentes dão conta de que se tinham consumido 16,1 milhões de toneladas equivalentes de petróleo em 2016, quando o limite imposto são 17,4. Para o representante da Zero, o grande problema é que “não estamos a ter os ganhos esperados em termos de aumento de eficiência energética” e, por isso, gastamos mais do que seria necessário.