14.12.20

Como reagiu a geração Z à covid-19? “É preciso falar dos problemas de ansiedade que a pandemia agravou”

Mariana Durães (texto), Paulo Pimenta e Nelson Garrido (fotografias), in Público on-line 

O receio de contrair o vírus é provocado pelo medo de infectar familiares. E as incertezas são muitas: “Se tiver que ir trabalhar e não conseguir continuar os estudos, terá que ser.” Cinco depoimentos na primeira pessoa, construídos a partir de entrevista.

“Quando o confinamento foi imposto, fiquei um bocado em choque. Não estava à espera que chegasse a um número tão elevado de casos e que tivéssemos de ficar fechados em casa. Fiquei com saudades dos meus colegas, professores e das aulas presenciais. Às vezes sentia-me um bocado sozinho.

Enquanto estava em casa, fazia videochamadas com colegas para falarmos do que estava a acontecer, jogava computador e tinha aulas online — não eram muito longas, mas ajudavam a passar o tempo.

Houve professores que foram muito rigorosos e souberam organizar-se e adaptar-se a essa nova realidade, mas houve alguns que tiveram um pouco mais de dificuldade. Acho que, no geral, conseguimos aprender, mas não tão bem como aprendemos na escola.

Quando pudemos voltar à escola, senti-me feliz por estar novamente com os meus amigos, mas também havia aquela ansiedade de não nos podermos tocar, nem estar muito próximos. Foi um bocado frustrante não poder dar abraços aos meus colegas, de quem tinha saudades.

Tive medo no princípio, quando o vírus apareceu, porque não tínhamos muita informação, não sabíamos muito bem o que era preciso fazer, ainda havia muitas pessoas que não utilizavam máscara nos locais públicos. Agora que já é obrigatório usar máscara, até na rua, sinto-me mais seguro.

Acho que nos portámos bem no início da pandemia. Fomos dos primeiros países a fechar. Mas quando começamos a desconfinar, não soubemos fazer esse processo bem e, por isso, os casos aumentaram muito. Acho que ainda agora estamos a sair muito de casa.”

“O isolamento piorou muito os meus problemas de ansiedade. O facto de não ter saído de casa durante semanas fez com que me tornasse um pouco mais introvertida e que as relações com as pessoas se tornassem um pouco mais difíceis. Se saísse de casa, ficava muito ansiosa por estar rodeada de pessoas. Antes da pandemia também me acontecia isto, mas era muito raro e não era com agrupamentos de pessoas, era devido a certos pensamentos que tinha (até sobre a crise climática).

Tive que tomar uma decisão importante, que era o que queria seguir no secundário, e a decisão esteve muito condicionada devido à pandemia. O apoio psicológico que tivemos foi muito fraco. Eu gosto de bastantes áreas e foi difícil tomar uma decisão — tanto que agora estou arrependida e vou ter que mudar de curso.

A nível de saúde mental, as coisas têm andado um bocado más e acho que afectou muita gente nesse aspecto. Eu percebo por que é que fizeram um confinamento assim e o porquê de termos de ter aulas online, mas teve muitas repercussões. Numa disciplina até aprendi melhor, mas, em geral, para além de serem muitas horas à frente de um computador, era uma sobrecarga maior e exigia mais organização.

Por um lado, foi bom ver que certos países estavam a ter melhorias a nível climático, mas eu sinto, e é um facto, que vai voltar tudo ao mesmo. A recuperação económica que está a ser feita não está virada para medidas que vão mudar o percurso do ecocídio para o qual estamos a caminhar. A nível energético, as grandes indústrias petrolíferas colocaram os preços muito baixos e foi muito difícil as energias renováveis conseguirem competir. Não tiveram tantas ajudas do Estado, nem foram recuperadas por orçamentos enormes do Estado.

Nós estamos numa crise económica e a primeira preocupação não vai ser o clima, mas sim a recuperação de empregos — o que é normal. Só que não é da maneira certa: em vez de retomarem da maneira que estava, deviam apostar numa retoma mais virada para o ambiente, mais sustentável. Tentar não insistir tanto nas indústrias petrolíferas e tentar recuperar ou criar empregos para o clima.

Sinto que as preocupações primárias das pessoas, o não ter dinheiro para pôr comida na mesa, vão tirar o foco da luta climática. Este ano, como não pudemos sair muito à rua, a luta tornou-se muito mais fechada a activistas e a pessoas que já conhecem.

Agora comecei a sair mais de casa por causa da escola. Isso ajudou um bocado, porque o facto de ter que lidar todos os dias com o perigo de poder apanhar a doença foi um pouco mais normalizado. Se saísse todos os dias de casa e ficasse com aquela ansiedade, não ia aguentar. Adaptei-me melhor à situação.”

“Nunca imaginei que a pandemia tomasse a dimensão que tomou. E esperava que o Governo tivesse tomado outras cautelas, visto que o vírus já se estava a alastrar para além da China, mas ainda estava longe de Portugal. O confinamento devia ter começado mais cedo.

Quando começou o confinamento e passámos a ter aulas online, foi uma mudança drástica e ninguém sabia o que fazer. Sou jogador de futebol e também aí foi muito complicado. Os campeonatos terminaram. A retoma também foi muito difícil. Ainda agora surgem casos em várias equipas.

O meu estado de espírito durante o confinamento era de constante espera, de não saber o que ia acontecer. Tive que me entreter com jogos de computador, lendo livros, estando com a família, actualizando-me nas séries da Netflix...

Tive medo do vírus não por mim, mas pelos meus pais, que já têm à volta de 60 anos. Pela minha avó também. O receio agravou-se a partir do momento em que os casos começaram a aumentar e começámos a ter consciência da gravidade da pandemia.

A segunda vaga tem sido mais fácil porque não estamos tão severamente confinados como na primeira. Mas devia ter sido mais bem preparada. Nas escolas, devia ter sido feito o desdobramento de turmas, por exemplo. As restrições nos horários dos cafés, na circulação, deviam ter sido feitas previamente, com mais cuidados e de forma mais rápida e eficaz. O Governo e as autoridades de saúde já deviam ter precavido o aumento de casos.

A vida a seguir à pandemia vai ser complicada, vamos estar numa crise mundial e a nossa geração vai ser muito afectada. Esta situação vai ter muita influência no meu percurso escolar, por exemplo. Para o ano não sei como é que a minha família vai estar financeiramente, não sei se vão ter disponibilidade para eu ir para a faculdade. Se tiver que ir trabalhar e não conseguir continuar os estudos, terá que ser.

Quando a normalidade for retomada, quero, sem dúvida, ir ao estádio de futebol. Também ir à discoteca e voltar a frequentar a vida nocturna que nos foi retirada. E viajar. Gostava de passar um Verão de 2021 muito melhor do que o de 2020. Com os meus amigos e com a minha namorada. Que ainda não tenho.”

“A minha vida estava num ponto bastante bom quando a pandemia começou. Eu era finalista, estava no terceiro ano da licenciatura em Arqueologia. Estava a começar o segundo semestre e a ter cadeiras que ia adorar.

Houve uma altura em que já só se ouvia falar em covid-19, mas nós nunca pensávamos que ia chegar a nós. Até que a secretaria da universidade fechou. Nós pensamos: “Então a secretaria fecha por covid-19 e nós continuamos a ter aulas?” Nesse dia à noite, soubemos pelo telejornal — nem foi pela faculdade — que a Universidade de Coimbra ia fechar. Ficamos um pouco sem saber o que fazer, ou se realmente era verdade.

No primeiro impacto, pensei: “Vou para casa 15 dias, mas depois volto.” Não estava a ter consciência. Ainda pensei se comprava uma máscara para ir no comboio para Arouca. Só quando cheguei a casa, passado um dia ou dois, quando comecei a ter as aulas no Zoom, vi os casos a aumentar, é que senti que isto não ia voltar ao normal e que não ia voltar à universidade.

Foi bastante complicado porque eu estudava fora de casa, tinha lá a biblioteca, gostava de estar naquele ambiente propício ao estudo, calminho, numa biblioteca cheia de livros... E, de repente, ver-me em casa fechada, a ter aulas pelo Zoom, sem poder estar com os meus amigos, ter que criar uma rotina e ter que me obrigar a estudar fechada no quarto… foi bastante complicado. Foi preciso pôr os pés assentes na terra e pensar: “Isto tão cedo não vai ao sítio e tu não podes cair mentalmente...”

Acabou por ser um segundo semestre bastante stressante. Estava a sentir-me estagnada: levantar-me da cama, tomar o pequeno-almoço, ir à aula no Zoom. Sempre sentada, sempre no mesmo espaço.

O meu irmão trabalha, os meus pais trabalham, e saíam constantemente de casa. Eu tinha medo. Não propriamente por mim, mas por eles, porque os meus pais já têm uma certa idade, e também pela minha avó.

Mas talvez tenha mais medo agora. Penso que na primeira vaga foi tudo para casa e acho que, pelo menos durante aqueles três meses, toda a gente teve a noção de que aquilo era preciso. Agora, com o desconfinamento, as pessoas estão a ter menos consciência. O país não pode parar, então é muito complicado voltarmos a um estado de emergência mesmo puro e duro e, então, como não há a obrigatoriedade, não está a haver a mesma consciência.

Vamos ter consequências enormes na nossa economia. Estamos a ver: o sector cultural, da restauração... Vai haver uma ruptura enorme a nível económico em vários sectores. A mim preocupa-me o desemprego. Preocupam-me as questões psicológicas e falo também pela comunidade estudantil: cada vez mais é preciso falar dos problemas de ansiedade e da depressão que, nestes meses de pandemia, se têm agravado.

A pandemia fez-me mudar bastante a forma de pensar. Se calhar, antes achávamos chato ir a casa dos nossos avós. Até nem dávamos um beijinho porque era chato — e agora queremos e não podemos. Quero abraçar a minha avó, que desde Março me cobra beijinhos e não sei quantos abraços. Depois disso, é marcar uma jantarada com os amigos.”

“A primeira impressão, quando se começou a falar do vírus, foi que iria ser uma coisa distante, apesar de vivemos numa aldeia global. Lembro-me que quando começam a surgir casos em Itália e a situação começou a complicar-se nós ainda não tínhamos essas preocupações. A ideia era de que não nos ia afectar.

No período de confinamento voltei para casa dos meus pais e tive algumas aulas online. Para mim, o mais difícil foram as primeiras duas semanas. Não sabia muito bem como é que haveria de reagir, como iria passar o meu tempo e o que poderia fazer. Durante essas semanas não fui nada produtivo. Estive no quarto, via filmes — não consegui ler, trabalhar, ou fazer alguma coisa. Estava apático. Após essas duas semanas, comecei a reagir bem. Até organizei muitas coisas da minha vida e comecei a ser muito mais produtivo. Acho que foi um processo de habituação.

Eu sabia que estava seguro. Estava em casa, não estava com grandes preocupações nesse aspecto. Os meus pais também não estavam a trabalhar, estavam em casa. O pior foi o não saber lidar com o facto de ter tantas tarefas e, de um momento para o outro, deixar de as ter e ter de estar parado em casa.

Acho que no início lidamos muito bem com a pandemia. Basta ver os números e a comparação com o resto dos países. Até fomos bastante elogiados lá fora. Depois acho que — e embora perceba que é uma situação difícil e muito stress acumulado ao fim deste tempo todo — a comunicação não é a melhor. Num período de tanta incerteza e tantas coisas novas a acontecer, a aprender e a saber todos os dias, acho que a comunicação é o principal, e sinto que as pessoas começam a dispersar com ideias diferentes. Não percebem muito bem o que está a acontecer e começam a tirar conclusões muito precipitadas sobre muitos assuntos. O Governo falhou na comunicação. Quanto à prevenção, não gosto de ser muito crítico, porque acho que ninguém estava à espera de uma coisa assim.

Sinto-me um pouco privilegiado e acho que a pandemia não vai afectar tanto a minha vida pessoal, tendo em conta que estou a estudar e que, apesar de tudo, os rendimentos dos meus pais continuam fixos. Sinto que tenho garantias de continuar a estudar e, por isso, sinto-me seguro — sabendo que muita gente não está. A minha preocupação é mais para com quem não vai poder seguir a vida como estava.

O desemprego vai aumentar. Vão surgir muitas crises sociais e económicas e isso, do ponto de vista político, é muito preocupante. Ainda há pouco tempo tivemos uma recessão económica e, se tivermos outra, não sei como é que politicamente, socialmente e economicamente vamos lidar com isso.”