28.12.20

O direito à habitação (em oito anos)


Por Augusto Vasco Costa, Arquiteto, opinião, in Sol


Se o saldo final de cada etapa for o dobro do seu investimento inicial, reinvestido na fase seguinte e assim sucessivamente, o seu crescimento será exponencial. Isto é, se começarmos por construir uma casa e formos dobrando o seu resultado, ao fim de 16 etapas, temos 65.532 casas construídas!

«A miséria gera frustração, violência, vandalismo, revolta.

O terrorismo nasce da pobreza». Papa Francisco

Muito embora a nossa Constituição de 1976, diga que todos temos direito a uma habitação condigna e muito embora, ciclicamente, nos prometam mil milhões de euros para a construção de milhares de casas, passados mais de 40 anos, lemos que 3.300 famílias continuam a aguardar, há anos, o seu realojamento e 25.000 famílias vivem sem condições mínimas de habitar, sem contar com os sem abrigo e com a nossa «classe média tem das piores casas da Europa» vidé Expresso de 6-11-2020

A solução que se sugere, para se cumprir a Constituição e, finalmente, se realojar, pelo menos, as referidas 3.000 famílias e dar uma habitação condigna ás outras 25.000 famílias, a meu ver, será apenas necessário um investimento inicial de 150.000 e que o Governo e municípios, cedam para o efeito alguns dos terrenos e prédios que têm devolutos, recebendo no seu final, por esta cedência, 700 € por cada m2 construído.

Esta proposta fundamenta-se no seguinte raciocínio:

Se o saldo final de cada etapa for o dobro do seu investimento inicial, reinvestido na fase seguinte e assim sucessivamente, o seu crescimento será exponencial.

Isto é, se começarmos por construir uma casa e formos dobrando o seu resultado, ao fim de 16 etapas, temos 65.532 casas construídas!

Para se conseguir este objetivo, 60% destas casas, serão vendidas a preço de mercado, sendo os restantes 40%, 35% distribuídos ‘a rendas acessíveis’ pelos estratos sociais mais desfavorecidos e os restantes 5%, distribuídos pelos ‘sem abrigo’, numa primeira fase isentos de renda, para começarem uma nova vida, que lhes permita serem úteis, obterem o seu próprio sustento e assim reintegrarem-se novamente na comunidade a que pertencem: «se o teu vizinho tem fome, não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar» provérbio chinês.

Mas porque as cidades não são só habitação, 30% da área construída, será para comércio e serviços e 5% para equipamentos públicos e sociais.

Claro que haverá sempre os desconfiados: «Como se vê, pelos 60%, o que se pretende é continuar a dar casas aos ‘ricos’ e duvidando ‘que os ‘ricos’ queiram ir viver para junto dos ‘pobres’»...

Primeiro, hà que sublinhar que, vender 60% a preço de mercado permitirá:

1. Criar as mais-valias para construir , não só 35% de casas de renda acessível e 5% para os sem abrigo, mas paralelamente, 30% para comércio e serviços e 5% para equipamentos públicos e sociais;

2. Conseguir-se mais facilmente a inclusão dos ‘pobres’ na sociedade, isto é, serão os ‘pobres a irem viver com os ricos’ e não o contrário.

Se assim não for qual a alternativa?

1. Continuar a esperar, mais 40 anos pelos milhões de euros prometidos e a situação a agravar-se?

Ou resolver em oito anos, este grave problema social, que se reflete no nosso bem estar e no nosso dia a dia?

2. Viver, nos ghettos, sejam para ‘ricos’ ou para ‘pobres’, que vão crescendo, em altura, em Lisboa e arredores, agravando mais as clivagens existentes?

Ou voltarmos a projetar, ruas e praças, à ‘escala humana’ dos nossos bairros históricos, com mais do dobro da sua densidade de construção, que proporcionam o ‘mix-social’ e verdadeiras comunidades, e por isso são lugares ‘cheios de vida’, mais seguros e cada vez mais procurados?

Vidé Martim Moniz, onde com esta forma de pensar, aumentámos em cerca de 30% a área de construção inicialmente prevista para o projeto da ‘EPUL Jovem’, para que, não só os jovens aqui habitassem, mas igualmente, para que outras gerações e estratos sociais partilhassem esta praça que, muito embora com um aumento substancial da sua densidade de construção, voltou a ser um lugar de referência, onde o mito ou preconceito, de que o ‘rico’ não quer viver ao lado do ‘pobre’ não se põe e a procura e o valor das suas habitações são crescentes.

Concluindo, vamos cumprir a Constituição?

Pela minha parte, estou pronto a colaborar ‘pro bono’ neste ‘Direito à Habitação’.

Alguém mais quer colaborar, antes que seja tarde?

Como dizia Antero de Quental: «Revolução não quer dizer guerra, mas sim Paz!

Longe de se apelar à insurreição, pretende-se preveni-la, torná-la impossível».