21.12.20

RSI é “imprescindível” e deve ser “reforçado” para dar resposta à pandemia

Rui Pedro Paiva, in Público on-line

Em Portugal, “metade dos desempregados não têm protecção de subsídio de desemprego” e, por isso, o RSI surge como uma “âncora” de fim de linha, sustentam investigadores. “O RSI, dentro da arquitectura das prestações que temos, vai ser a prestação de último recurso, a rede de amparo.”

O cenário de crise provocado pela covid-19 torna o Rendimento Social de Inserção (RSI) “imprescindível” para dar resposta aos mais pobres entre os pobres. Sobretudo para apoiar crianças e jovens que deverão ser os “mais afectados” pelos “impactos profundos da crise da pandemia”. Mais: não só o RSI é essencial como precisa de ser reforçado. “É imprescindível que a política social do RSI não só continue a responder ao flagelo da pobreza extrema e da privação material severa, como seja reforçada a sua abrangência e eficácia.”

As conclusões são apresentadas no estudo Rendimento Social de Inserção – Contributos para o conhecimento de uma prestação, de autoria de um grupo de investigadores do Colabor, a partir dos dados da plataforma Datalabor, e divulgado em primeira mão pelo PÚBLICO.

“Estas prestações de último recurso são fundamentais em contextos de crise onde se prevê que o mercado de trabalho venha a ter pouco dinamismo no curto e até no médio prazo”, explica Frederico Cantante, um dos investigadores do estudo, frisando que além de já existir “um aumento muito significativo do desemprego”, as empresas também “estão altamente endividadas”.

A tese não é meramente abstracta e tem aplicação directa no caso português. Em Portugal, “metade dos desempregados não têm protecção de subsídio de desemprego” e, por isso, o RSI surge como uma “âncora” de fim de linha, tal como para aqueles que têm “empregos muito incipientes”.

Com a pandemia, surgiram “novas prestações de apoio” – seja para o desemprego, de apoio ao emprego e de compensação da perda de rendimento –, apoios estes que são provisórios: “No curto e no médio prazo, as pessoas vão perder o direito a estas prestações e o RSI, dentro da arquitectura das prestações que temos, vai ser a prestação de último recurso, a rede de amparo.”

Uma das motivações do estudo foi o de “desconstruir algumas ideias feitas”, sobretudo porque existe uma disparidade “entre o peso da prestação na despesa e a sua expressão no debate público e no debate político”, salienta Frederico Cantante, que destaca a “dimensão bastante baixa” da rubrica do RSI na despesa da Segurança Social. Desde 2015 que menos de 3% da população nacional é beneficiária do apoio e, segundo dados de 2017, o RSI representa 1,2% do total da despesa do sistema de Segurança Social (cerca de 344 milhões de euros). “Esta prestação nunca é um montante tão crítico como algumas correntes de pensamento e alguns partidos políticos dão a entender.”

Associado ao debate público sobre o tema surgem “generalizações”, habitualmente divididas em “categorias específicas”, como a “comunidade cigana” ou os “desempregados que não querem trabalhar”, exemplifica o investigador. “Há sempre a lógica do ‘nós contra eles’, de certa forma, uma polarização”, afirma.

Face ao estigma, o investigador ressalva que o RSI é uma prestação que “nem é sequer destinada a combater a pobreza”, acaba por “combater a intensidade da pobreza”: é uma prestação de “mínimos sociais”. Em 2020, o valor máximo de referência para receber o RSI foi de 190,90 euros por mês – se um cidadão, que viva sozinho, tiver rendimentos acima desse valor não tem direito ao rendimento.

Para o reforço da prestação, Frederico Cantante diz ser necessário existir “coragem política”. Além de tornar a prestação “mais generosa”, é preciso “repensá-la”, para estar relacionada a “outras formas de inclusão na sociedade”: “O RSI tem associado um contrato de inserção, mas sabemos muito pouco em relação a isso”, alerta.

11%dos beneficiários de RSI têm outros rendimentos, provenientes do trabalho

Entre as justificações para a reformulação do apoio, o investigador de CIES-IUL do ISCTE refere que ainda existe “um hiato entre os valores de referência do RSI e aquilo que é o limiar de pobreza”, limiar que em Portugal é de 6104 euros anuais. “O RSI, pelo menos de uma avaliação a partir dos grandes números, é de facto uma prestação que cada vez protege menos e que cada vez mais eleva patamares mínimos sociais que eu diria que são inaceitáveis.”

Uma ilha inteira

São Miguel, a maior das ilhas açorianas, é composta por seis municípios: Ponta Delgada, Ribeira Grande, Lagoa, Vila Franca do Campo, Povoação e Nordeste. Todos eles estão entre os dez municípios do país com o número mais elevado de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) por 1000 habitantes em idade activa. Num deles, o da Ribeira Grande, cuja maior freguesia é Rabo de Peixe, o número é sete vezes superior à média nacional (220,3‰ para 30,1‰). No extremo oposto, as regiões que têm menos beneficiários de RSI são as do Cávado (9,8‰), Oeste (12,5‰,), Ave (13,2 ‰) e Alto Minho (13,7‰).

O estudo, que pretende “colocar em evidência a informação relevante” sobre o RSI, assinala que a realidade dos Açores “não encontra paralelo no restante território nacional”, à excepção dos municípios alentejanos de Mourão, Monforte e Moura. Na verdade, nem são os Açores no seu todo: a elevada incidência do RSI encontra-se praticamente apenas na ilha de São Miguel.

Para compreender os números, importa destacar que os Açores têm a maior taxa de risco de pobreza do país (31,8%), indicador em que são acompanhados pela outra região autónoma, a da Madeira, que regista 27,8% — valores superiores à média nacional em 14,6 e 10,6 pontos percentuais, respectivamente. Mas a diferença é grande quanto ao número de beneficiários do RSI por 1000 habitantes: enquanto a Madeira está em “linha com a média nacional”, nos Açores o número é três vezes superior à média do país.

Apesar da quantidade, o valor médio da prestação por pessoa nos Açores é, por larga distância, o mais baixo do país, cerca de 85 euros. No restante território nacional, o valor é relativamente homogéneo, indo dos 115 (em Évora e na Madeira) até aos 132 euros (em Coimbra).

Ainda assim, o arquipélago açoriano é uma das regiões onde a média da prestação por família é mais elevada (278 euros), apenas superado pelos distritos de Bragança, Évora, Portalegre e Beja: “O que indicia que as famílias beneficiárias desta prestação tendem a ser, nessa região, comparativamente numerosas”, concluem os autores.

Um terço são menores

Numa perspectiva nacional, o estudo evidencia que um terço das pessoas que recebem o RSI são menores de idade (31%) e que 45% têm menos de 25 anos. “Muitos dos beneficiários desta prestação são, na verdade, menores de idade, cujas condições materiais de existência, pautadas por formas de destituição material severas, seriam ainda piores caso não tivessem acesso a esta prestação.”

Do total dos beneficiários, cerca de 11% têm outros rendimentos de trabalho, pelo que o “RSI tende a resultar da exclusão do mercado de trabalho e não de uma escolha”. No concelho de Vila Nova de Foz Côa o valor ascende a 29% e é no Alentejo central que existe uma maior proporção de beneficiários com outros rendimentos do trabalho.

Em média, uma pessoa recebe o RSI durante dois anos e meio até três anos. Apesar de não existirem grandes variações no território nacional, a duração da prestação acaba por ser “consistentemente maior” nos municípios da área metropolitana do Porto e menor no Alto Minho, nas Beiras e em alguns municípios do Algarve e Alentejo.

O tempo médio durante o qual uma pessoa é beneficiária do RSI estava a diminuir desde 2014, ano em foi atingido o valor máximo desde 2004: 37 meses. Contudo, depois de ter descido para 33 e 31 meses nos anos seguintes, a duração aumentou em 2019 para 34 meses – isto apesar de em 2019 o desemprego ter diminuído.