22.12.20

Pobreza genderizada? – o que não se vê não existe

Opinião de Marcela Dias, in o Minho

Coordenadora do Grupo de Trabalho para as Minorias e Comunidades Desfavorecidas das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos da Concelhia de Braga.

Podemos definir pobreza como a privação de bens necessários para termos acesso a uma vida digna, ou, de uma forma mais elaborada pobreza é uma “condição humana caraterizada por privação sustentada ou crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o gozo de um adequado padrão de vida e outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais” (Comissão sobre Direitos Sociais, Económicos e Culturais, das Nações Unidas) (2001).

Consequentemente, a análise do conceito de pobreza limita-se, na sua maioria, a fatores económicos/ monetários, incidindo no conceito de exclusão social, levando a questionar a acessibilidade aos direitos e aos serviços essenciais. Será o fator económico “sentença” de exclusão social? Indubitavelmente, temos que considerar dimensões políticas, sociais, culturais e educativas, na análise do fenómeno de pobreza, mas importa aqui refletir na perspetiva de género.

Os dados estatísticos já todos conhecemos. Já sabemos que as mulheres representam a maior fatia da população, que são mais de 50% do total de doutoramentos, passam os 80% no que diz respeito á monoparentalidade, mas também se destacam nos índices de população em risco de pobreza, dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção, bem como as mulheres desempregadas em idade mais avançada, as mulheres idosas e isoladas, as mulheres idosas com carreiras contributivas irregulares, ou simplesmente as mulheres que auferem rendimentos mais baixos que os seus companheiros. Por tudo isso o género tem que ser interrogado, tanto ao nível do percurso da pobreza, como da sua possível transformação.

O facto das mulheres estarem expostas à pobreza de modo diferenciado em relação aos homens, constitui-se num eixo fundamental para pensar que, assim, tal como vamos construindo a nossa identidade de género, também as posições que desempenhamos na sociedade e nas instituições, constroem-se tendo por base um determinado género.

Sobressai deste modo, um conceito socialmente generalizado quando se fala de precariedade no feminino, que decorre da estigmatização e desproteção da mulher no âmbito da prática do direito, reflexo “dos discursos dominantes inerentes à estrutura patriarcal vigente na maioria das sociedades atuais”.

Embora se tenha assistido a um enorme progresso nos direitos das mulheres e na prossecução pela igualdade de oportunidades, continuamos perante uma brutal disparidade de poder entre géneros no seio das economias, sistemas políticos e empresas.

Refletindo sobre as vulnerabilidades da situação económica da sociedade portuguesa, deparamo-nos com mulheres com histórias de vida precárias, ausentes de proteção social, onde as fragilidades sociais se tornam cada vez mais públicas.

Assistimos a uma disparidade salarial crescente, que toca as mulheres nas mais diversas áreas profissionais. E como se não fosse suficiente, ainda é pedido, que sejam profissionais durante 24 horas, sempre felizes, disciplinadas (sim, porque mulher não pode ficar cansada) e capazes de desempenhar inúmeras tarefas na perfeição: mães, profissionais, esposas, filhas, mulheres!

Quantos de nós não conhecem mulheres que têm o seu trabalho, cuidam dos filhos, são muitas vezes cuidadoras informais dos seus familiares e na realidade, vivem atrás de muros silenciadores?

O momento em que vivemos tem abalado as nossas vidas de uma forma avassaladora, levando famílias a viver situações difíceis, com impacto em diversas áreas, tais como a mobilidade, as relações interpessoais, o trabalho e os rendimentos. Reincidimos em vidas vulneráveis, afetando principalmente mulheres (vejamos em caso de isolamento profilático, quem, na sua maioria, permanece em casa com os filhos), não conseguindo fazer face à perda brusca de rendimentos, provenientes do trabalho, que as tem levado a uma situação emergente de pobreza.

Nestas conjunturas desafiantes, a capacidade de adaptação e de procura de novas soluções impõe-se nas diversas esferas de organização da sociedade, mas o urgente é planear e implementar medidas sociais e económicas, transversais e integradas, que garantam uma resposta adequada, atempada e articulada, protegendo e capacitando as mulheres em situação de pobreza.

É urgente agir e dar visibilidade às múltiplas dimensões da pobreza, desenvolvendo estratégias de integração, apoio e empoderamento, para assim conseguirmos viver uma vida digna de ser vivida.