Inês Schreck, in "Jornal de Notícias"
Entre abril de 2014 e dezembro de 2015 foram registados no Serviço Nacional de Saúde (SNS) 99 casos de mutilação genital feminina. Todas estas práticas foram realizadas fora de Portugal quando as vítimas tinham em média seis anos.
A maior parte das vítimas destas práticas que atentam contra os direitos fundamentais das mulheres e põem em risco a sua saúde são da Guiné-Bissau e Guiné Conacri e todas residem na região de Lisboa e Vale do Tejo.
De acordo com um relatório da Direção- Geral da Saúde, os 99 registos foram introduzidos na Plataforma de Dados de Saúde (PDS) por profissionais que trabalham nas unidades da região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e observaram estas mulheres em contexto de consultas, internamento, gravidez ou puerpério.
Atualmente estas mulheres têm em média 30 anos. Contudo, a maioria sofreu a mutilação genital ainda em criança. "Em 83 casos (84% do total da amostra) a idade média em que foi realizada foi de 5,9 anos, variando entre 1 e 28 anos", refere o documento. Em cinco casos foi registada como "desconhecida" a idade da realização da prática e em 11 foi registada a idade zero.
De acordo com os registos efetuados "todas estas práticas foram realizadas fora do país e nenhuma durante a estadia da família em Portugal", acrescentam os relatores.
Mais de 50% das mulheres foram submetidas a esta prática na Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Senegal, países onde está descrita uma elevada prevalência da mutilação genital feminina (96% na Guiné Conacri, 50% na Guiné-Bissau e 26% no Senegal).
Números que, segundo o relatório, condizem com a distribuição das comunidades imigrantes residentes em Portugal e a prevalência estimada da mutilação genital feminina nesses países.
Em relação ao tipo de mutilação encontrada, de acordo com uma classificação da Organização Mundial de Saúde, 34% eram do tipo I (remoção parcial ou total do clítoris), 62% do tipo II (remoção parcial ou total do clítoris e dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios) e 4% do tipo III (estreitamento do orifício vaginal através da criação de uma membrana selante, pelo corte e aposição dos pequenos lábios e/ou dos grandes lábios, com ou sem excisão do clítoris). Foram registadas complicações em 41 mulheres, sendo as psicológicas as que têm maior frequência de registos, seguidas das de resposta sexual e obstétricas.
Para a Organização Mundial da Saúde, a mutilação genital feminina constitui uma grave violação dos direitos fundamentais da mulher, comprometendo a sua saúde, em particular a saúde sexual e reprodutiva, o bem-estar físico e psicológico.