15.3.16

Crise dos refugiados: relatos a partir do local

Ana Catarina Rocha, in "Jornal Tornado"

O canal Apple News, sediado no Youtube, divulgou um vídeo de trinta segundos, fornecido também à BBC, onde se pode ver um barco de migrantes a ser atingido por paus.

Segundo relatos citados no local, os migrantes estavam a caminho da ilha grega de Lesbos quando agentes da Guarda Costeira da Turquia começaram a atacar o barco onde seguiam.

Os agentes alegam que estavam a tentar impedir o barco de avançar para águas gregas, sem atingir os tripulantes. Este incidente ocorre enquanto a União Europeia e a Turquia discutem novas medidas para tentar travar a vaga de migrantes; trata-se da maior crise de refugiados em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial.

Em 2015, prossegue a BBC, mais de um milhão de pessoas entraram ilegalmente na UE via marítima, sobretudo usando a rota da Turquia para a Grécia.

A atitude da Grécia para com os refugiados que chegam constantemente às suas costas é alvo de um artigo extenso na edição do The Guardian. A reportagem acompanhou um casal de voluntários gregos, que, comovidos com as imagens televisivas, resolveram ir ajudar quem vive num campo de refugiados que se espalha ao longo da fronteira com a Macedónia. Estes cidadãos também enfrentaram a grave crise económica que atingiu em força a Grécia, com a austeridade a afectar a população grega numa das piores crises dos tempos actuais naquele país.

Os actos de altruísmo sucedem-se à medida que cresce a vaga de refugiados: o jornal britânico descreve o auxílio de cidadãos anónimos, que se traduz em abrir as suas casas para acolher refugiados, partilhar bens essenciais, e até cidadãos de outros países europeus se juntam a organizações não-governamentais para auxiliar os que chegam.

“A polícia grega é terrível”, diz um migrante iraquiano, “mas as pessoas gregas são muito bondosas”, salienta.

Este migrante, que trabalhou como tradutor para uma companhia petrolífera britânica, foi atacado por ser considerado um traidor e viu-se obrigado a fugir com a família. O filho do casal nasceu já na ilha de Kos.

Nos próximos meses, as autoridades europeias prevêem que cheguem às costas da Grécia 150 mil migrantes, e o número não terá tendência a descer mesmo depois do primeiro rascunho do acordo alcançado entre a União Europeia e a Turquia. O encerramento do “corredor dos Balcãs” com o fecho das fronteiras por vários países, Macedónia incluída, causou um duplo fenómeno: por um lado, as forças de extrema-direita e anti-imigração têm vindo a fazer pressão com a sua crescente influência política.

Por outro lado, o facto de a Grécia se ter tornado uma base permanente de refugiados na rota de fuga deu uma nova vitalidade à sociedade local, com gestos de solidariedade tanto da parte de organizações vocacionadas para ajudar os mais necessitados, como de pessoas anónimas. Uma funcionária autárquica de Atenas revela que quase cada grego tem na família alguém que emigrou ou que é um refugiado, havendo casos que remontam à Primeira Guerra Mundial.



Onde o Estado grego não consegue chegar, as ONG e os voluntários chegam

Recorde-se que muitos gregos, sobretudo depois do fim da guerra civil de 1949, tiveram de emigrar das áreas rurais para a Austrália, Alemanha e América, sem contar com os exilados políticos.

Para um sociólogo grego, a sensação de perder tudo é algo que está infiltrado no subconsciente colectivo grego: a população sabe o que é passar tempos difíceis, sabe o que é perder todos os seus bens, e isso explica a onda de generosidade a que se assiste hoje, mas que, admite o especialista, não poderá durar para sempre.