Pedro Sousa Tavares, in Diário de Notícias
UNICEF lamenta a "ausência quase total de progressos" na última década. Países pobres e zonas de conflito, nomeadamente no Iraque e na Síria, têm os piores indicadores
No espaço de uma década a percentagem de crianças em idade escolar que não frequentam o ensino baixou apenas 1,3 pontos percentuais, estando atualmente nos 11,5%. Os dados são da UNICEF e traduzem-se num total de 135 milhões de crianças e jovens aos quais ainda não está a ser dada a oportunidade de aprenderem. Por "idade escolar" a UNICEF entende o período dos seis aos 15 anos, apesar de vários países -Portugal incluído - já terem alargado a escolaridade obrigatória até aos 18 anos.
"Níveis de pobreza generalizados, conflitos prolongados e emergências humanitárias complexas estão na origem da estagnação desta taxa", aponta a organização que defende os direitos e o bem-estar das crianças no mundo, para a qual é necessário continuar a reforçar o investimento, nomeadamente "para combater as razões que deixam as crianças vulneráveis fora da escola", considerando que não basta aplicar verbas em infraestruturas e recursos humanos.
"Os investimentos destinados a aumentar o número de escolas e professores para acompanhar o crescimento populacional não são suficientes. A abordagem habitual não levará as crianças mais vulneráveis à escola - nem as ajudará a desenvolver todo o seu potencial - se continuarem presas nas malhas da pobreza, da privação e da insegurança ", avisou a chefe dos Programas de Educação da UNICEF, Jo Bourne, citada num comunicado divulgado ontem. "Em primeiro lugar, os governos e a comunidade global devem direcionar os seus investimentos para eliminar os fatores que impedem estas crianças de frequentarem a escola, nomeadamente tornando-as mais seguras e melhorando o ensino e a aprendizagem".
O outro preço da guerra
Segundo a UNICEF, as crianças que vivem nos países mais pobres do mundo e em zonas de conflito são, de longe, as mais afetadas. "Dos 123 milhões de crianças que não frequentam a escola, 40% vivem nos países menos desenvolvidos e 20% em zonas de conflito", revela. De resto, o facto de as condições terem piorado radicalmente nestas zonas é uma das explicações para que, em termos médios, as melhorias a nível mundial não tenham sido significativas.
"A guerra continua a ameaçar - e a reverter - os ganhos alcançados em matéria de educação", afirma. "Os conflitos no Iraque e na Síria provocaram um aumento do número de crianças fora da escola na ordem dos 3,4 milhões, o que representa um retrocesso no Médio Oriente e Norte de África comparável aos níveis de 2007, com aproximadamente 16 milhões de crianças não escolarizadas".
Mas a pobreza continua a ser, de forma destacada, o principal obstáculo ao acesso à educação. "Na África subsariana e no Sul da Ásia - com os seus elevados níveis de pobreza, rápido crescimento populacional e emergências recorrentes - o número de crianças em idade escolar primária e do primeiro ciclo do secundário não escolarizadas representam 75% das crianças que, ao nível global, não têm acesso à educação".
Apesar deste quadro pouco animador, a UNICEF faz questão de sublinhar que também há "alguns progressos" dignos de registo. "Na década passada, a Etiópia e o Níger, que estão entre os países mais pobres do mundo, foram os que mais progrediram no que diz respeito às taxas de matrícula de crianças em idade escolar primária, com um aumento de mais de 15% e cerca de 19%, respetivamente".
Apesar do reconhecido papel da educação como ferramenta de melhoria das condições de vida e promoção da paz, esta raramente é reconhecida como uma emergência. "Em média, menos de 2,7% dos apelos humanitários globais são dedicados à educação".