Patrícia Reis, in Sapo.pt
Ser lixada por uma mulher que quer apenas ser just one of the boys [um dos rapazes] é uma coisa que me perturba e, ao fim de 31 anos de vida profissional, não há maneira de aceitar que assim seja.
Paridade salarial? Promoção de carreiras? Divisão de trabalho em casa? Com os filhos? Sim, e ainda liberdade de acção e de discurso. Tudo isto é uma causa, tudo isto significa que, por ser necessário manter a causa, ainda há muito que fazer. Na semana passada, surgiram uma série de artigos no jornal Público sobre a disparidade salarial entre homens e mulheres.
Nos últimos 54 dias do ano, as mulheres em Portugal trabalham à borla. Porque a disparidade está a reduzir, mas ainda não é suficiente. Portanto, para que não haja dúvidas, sou feminista, como tantas outras mulheres e homens, porque não entendo que o género defina qualquer superioridade. Ao longo da minha vida profissional – e pessoal, já agora acrescento por ser rigorosamente verdade – tenho visto e vivido situações infelizes com homens. E com mulheres.
Há umas semanas livrei-me de uma destas mulheres a que chamo “machistas” e que são tudo aquilo que me repugna: incapazes de serem mulheres por inteiro comportam-se como homens sempre que podem e, numa posição de liderança ou de poder, diminuem qualquer acção de uma outra mulher. É muito enervante. E, pior ainda, os homens à sua volta pareciam viver pacificamente com estas atitudes. O que importa se ela trata mal as outras mulheres? Deve ter sido com este desdém que alguns homens à volta da mesa onde nos reunimos há semanas pensaram no assunto, se é que pensaram no assunto. O cenário profissional é intrincado e complexo e são muitos os sapos que temos de engolir, para usar essa expressão que me parece bastante leve, mas tudo bem, diremos que são sapais inteiros que somos obrigadas a engolir porque a vida real é mesmo assim, não é para princesas. Com esta realidade, eu vivo de forma confortável, estou habituada.
Ser lixada por uma mulher que quer apenas ser just one of the boys [um dos rapazes] é uma coisa que me perturba e, ao fim de 31 anos de vida profissional, não há maneira de aceitar que assim seja. Portanto, há umas semanas livrei-me de uma mulher com estas características, uma mulher que na verdade, repito, não sabe nada sobre ser mulher e que despreza as outras mulheres, que as considera menores, e que é capaz de manter uma cena de sedução permanente com os homens à sua volta, sobretudo aqueles que ela entende que têm um poder maior ou significativo para o futuro que ela projectou para si própria. Desejei-lhe sorte e fui à minha vida. Foi um alívio imenso e pensei que a vida continua e que, preferencialmente, não teria encontros destes tão cedo. Ontem, numa reunião de trabalho, lá estava outra mulher-machista a olhar-me como se eu fosse... não vou terminar a frase, não vale a pena, vocês percebem. Desta vez consegui livrar-me da criatura em 15 minutos. Fiquei com pena da assistente que, pareceu-me evidente, é agredida várias vezes ao dia por uma mulher que deveria ser, hierarquicamente superior, mas solidária, justa e decente. Por uma vez, suspirei de alívio e pensei na minha imensa sorte, posso sempre dizer que não quero trabalhar com pessoas assim. Infelizmente é dizer que não quero trabalhar com algumas mulheres? Pois é. Faz de mim menos feminista? Nem por sombras.