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O trabalho dos três galardoados com o Nobel da Economia é muito interessante, mas deixa de fora a análise das causas da pobreza. Artigo de Alejandro Nadal.
Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer venderam o Nobel da Economia este ano. Imagem Nobel Media.
O chamado Prémio Nobel da Economia foi entregue este ano a três investigadores que desenvolveram uma nova linha de trabalho sobre a pobreza no mundo. Trata-se de Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, que desde há duas décadas cultivam uma abordagem experimental sobre a forma de combater a pobreza.
As investigações de Banerjee-Duflo-Kremer (BDK) concentraram-se em reduzir as grandes perguntas sobre a pobreza e transformá-las em interrogações mais simples e maleáveis. O objetivo de Banerjee e Duflo foi analisar a verdadeira natureza da pobreza eliminando as caricaturas e estereótipos. Também procuraram compreender melhor como reagem os pobres aos incentivos.
Em 2003 fundaram o Laboratório Abdul Lateef Jameel de Ação sobre Pobreza (J-PAL) no MIT e desde então levaram a cabo muitas experiências em diversos países de África e Ásia. Uma parte importante do seu trabalho centrou-se em tentar melhorar o aproveitamento escolar das crianças. Em resultado das atividades do J-PAL, hoje mais de cinco milhões de crianças têm recebido cuidado especial em escolas primárias da Índia para otimizar o seu aproveitamento escolar. Estes economistas também fizeram estudos e intervenções em matéria de nutrição infantil.
O trabalho de BDK é muito interessante e, sem dúvida, contribuiu para mudar a vida de muitas pessoas pobres em vários países. No entanto, as suas investigações têm muito pouco a ver com as causas da pobreza e com a forma de remediar o problema de forma duradoura. Para começar, nada na análise de BDK está relacionado com a política económica neoliberal, que dominou o destino dos países onde realizou as suas experiências. Nem a política fiscal, nem a da abertura comercial e financeira ocupam um lugar importante nas análises que levaram estes investigadores a receber o Prémio Nobel da Economia. E para cúmulo, o tema dos salários estagnados e penalizados também não é assunto digno de atenção nas suas experiências. Até parece que o problema da pobreza deixou de ser um problema macroeconómico e converteu-se num mal-estar de tipo administrativo ou de gestão. É como se o capitalismo ou o neoliberalismo não tivessem nada a ver com a verdadeira natureza da pobreza.
Segundo dados do Banco Mundial, existem hoje 760 milhões de pessoas no mundo em condições de pobreza extrema, ou seja, com um rendimento inferior a 1.90 dólares norte-americanos. Mas estes números são enganadores. Esse indicador de 1.90 dólares tem uma história absurda e não é representativo de mais nada a não ser do facto de que qualquer pessoa que tenha um rendimento equivalente está realmente em perigo mortal. Muitos investigadores assinalaram que um nível de 7.40 dólares diários seria mais realista se se quiser medir a pobreza. Outros, como o também investigador de Harvard Lant Pritchett, consideram que uma medida de pobreza mais razoável seria de 10 ou 15 dólares diários.
O que acontece quando se usa a medida de 7.40 dólares diários? Nesse caso, podemos observar que o número de pessoas que vivem na pobreza tem crescido desde 1981 (quando começaram estas medições) e supera hoje a cifra de 4 mil milhões de pessoas. Ou seja, mais de metade da população mundial vive numa condição de pobreza e sofre fortes níveis de insegurança alimentar e de saúde. Isto é mais consistente com os dados sobre as fracas taxas de crescimento económico, salários estagnados e, claro, as análises sobre a desigualdade crescente no mundo.
Infelizmente, só a muito custo o Banco Mundial irá deixar os seus convenientes números sobre pobreza extrema, com os quais pode apregoar que a pobreza diminui no mundo. Tudo isto é o pano de fundo adequado para a obra de Banerjee-Duflo-Kremer que, sem pôr em causa a dinâmica do neoliberalismo, contribui para perpetuar a ideia de que a pobreza é uma armadilha pessoal da que o indivíduo pode escapar se se esforçar a sério. Já só faltava concluir que não existe pobreza involuntária.
Em contraste com o trabalho de BDK, este ano foi publicado um novo livro de Thomas Piketty, Capital e Ideologia. É uma proposta de mudanças profundas na estrutura do capitalismo, procurando chegar a um acordo social mais de acordo com a época cheia de ameaças que vivemos. Entre as recomendações mais importantes está a de atribuir 50% dos lugares nos conselhos de administração das empresas aos funcionários e trabalhadores. Piketty também recomenda uma profunda reforma fiscal que permita taxar a riqueza extrema e que torne possível financiar um programa de rendimento básico universal. Este é o tipo de análises e propostas que permitirão tornar realidade um mundo no qual a pobreza seja realmente um fenómeno marginal e, talvez, até um simples mal-estar administrativo.