Filipa Roseta, in Sol
A larga maioria dos edifícios não cumpre os critérios mínimos de conforto térmico
Começou o frio. Com a nova estação chegam os sazonais alertas para um grave problema que passa com demasiado silêncio. Há quem morra de frio dentro de sua casa. É uma realidade que expõe, por um lado, o trágico significado de pobreza energética e, por outro lado, a falta da qualidade da construção em Portugal.
Estimativas indicam que a larga maioria dos edifícios existentes não cumprem os critérios mínimos de conforto térmico aplicáveis aos novos edifícios. As maiores situações de vulnerabilidade à pobreza energética localizam-se no interior do país, a Norte. Os autarcas destas freguesias são a estrutura local de proximidade que pode, e deve, ter um papel determinante na identificação de situações de risco e agir, de modo a que ninguém fique esquecido no frio.
Em Lisboa, a fraca qualidade da construção vem acompanhada por outro problema, a elevada taxa de esforço do orçamento familiar para pagar ou arrendar a habitação que chega a mais de metade dos seus rendimentos quando não deveriam exceder um terço. Acresce que, quando não são construções novas, este esforço está por vezes ao serviço de habitações que não cumprem critérios mínimos de conforto, ou até de habitabilidade. As pessoas endividam-se para viver em edifícios sem isolamento térmico, sem caixilharias adequadas, sem isolamento acústico que os afaste dos ruídos da vida quotidiana dos vizinhos, e sem a garantia que os materiais utilizados na construção são salubres e duráveis. Em síntese, em Lisboa, há quem pague muito por pouco.
Seria útil esclarecer o comprador sobre aquilo que está a comprar. Para tal, deve existir mais informação sobre o imóvel nas certificações obrigatórias no momento da venda, à semelhança da energética. O certificado energético indica a capacidade que o edifício tem para manter a temperatura interior em limites razoáveis sem um gasto de energia excessivo. Podemos acrescentar a este certificado uma certificação sobre a eficiência do uso da água e sobre qualidade dos materiais, incluindo a salubridade, a durabilidade ou as suas propriedades acústicas.
Hoje existem certificações voluntárias de sustentabilidade, como o LEED, o BREEAM ou o português LiderA que, além de avaliar a sustentabilidade no uso da energia, água e materiais, asseguram o cumprimento de todos estes critérios mínimos de conforto e salubridade. Não sendo obrigatórias, são requisitadas por um reduzido número de promotores e construtores que querem comprovar o seu empenho e investimento na qualidade da construção.
Os edifícios públicos deveriam estar na vanguarda deste movimento, pedindo voluntariamente estas certificações para fazer subir o nível de qualidade construtiva no país. No entanto, estamos longe deste paradigma. A abertura deste ano lectivo foi marcada pelos protestos e greves em escolas onde alunos, docentes e auxiliares convivem com amianto em resultado de uma promessa, falhada, de remover todo o amianto das escolas até 2018.
Vivemos com frio num país que tem um clima moderado e deixamos as crianças em escolas com materiais que podem afectar a saúde pública. Dizem que o povo é resiliente, mas isto não é resiliência. É o hábito da pobreza que tem de ser combatido.