Associações aplaudem novo despacho que regulariza temporariamente imigrantes, mas queriam que medida fosse definitiva. Há quem critique que “esconde a incapacidade do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de dar resposta atempada”. Em 2019 imigrantes contribuíram com 750 milhões de euros para a Segurança Social.
Este domingo, tal como aconteceu no final de Março, o Governo emitiu um despacho em Diário da República que define que todos os imigrantes com processos pendentes no SEF que tenham dado entrada entre 18 de Março e 15 de Outubro vão ficar regularizados de forma provisória, permitindo-lhes ter acesso a direitos sociais até 31 de Março de 2021. Isso significa que os imigrantes podem ter acesso ao cartão de utente do Serviço Nacional de Saúde, a abonos ou apoios aos trabalhadores independentes, por exemplo.
A questão sobre o que iria acontecer a todos os que ficaram de fora do primeiro despacho, ou seja, quem tinha feito o seu pedido de residência depois de 18 de Março, era há muito uma preocupação de várias organizações de imigrantes.
Tanto a anterior medida — que segundo o ministro da Administração Interna permitiu que ficassem em situação regular provisória 246 mil imigrantes — como esta — que terá abrangido milhares de pessoas mas ainda não foi revelado esse número — foram valorizadas e elogiadas, mas também criticadas por associações que diariamente lidam com a burocracia dos pedidos de autorizações de residência.
O caso de “António”, nome fictício de um funcionário da Casa do Brasil, é ilustrativo: está há meses a tentar agendar pela Internet uma marcação no SEF onde iria finalmente tratar dos últimos passos para obter o seu cartão de residência. Há dias viu uma vaga para finais de Junho de 2021. Só que em segundos desapareceu e não voltou a aparecer mais nenhuma. Não sabe quando é que uma nova oportunidade irá aparecer. Por enquanto, vale-lhe apenas o papel do pedido de residência que fez no SEF antes de 18 de Março, e que o Governo declarou nesse mês que servia de regularização temporária.
Cyntia de Paula, presidente da associação Casa do Brasil, que apoia a maior comunidade de imigrantes em Portugal, dá este exemplo de “António” para explicar que apesar de congratular as medidas do Governo é importante que “o SEF consiga dar resposta de forma célere e que as pessoas tenham os seus cartões de residência”. Porque há uma diferença entre serem “consideradas regulares” ou estarem, de facto, regulares, afirma. “Mesmo a nível psicológico é muito simbólico ter o cartão de residência - até para procurar emprego e fazer face à luta pelos seus direitos”.
Medida é sintoma de falta de resposta de SEF
Se esta medida “coloca os imigrantes no discurso político, como sujeitos com direitos”, por outro lado é “um adiar da situação do SEF que não consegue dar resposta às marcações de quem está à espera”, acrescenta.
Timóteo Macedo, da Solidariedade Imigrante (Solim), com mais de 30 mil sócios, refere que foi positivo o Governo ouvir as críticas das associações, mas critica o facto de esta ser mais uma medida avulso. “Têm que eliminar as datas [os tectos temporais que a medida abrange] enquanto esta situação excepcional perdurar. E os outros [que ficam de fora do despacho]? E os que estão à espera, com marcações canceladas?” Há muito que a Solim defende a criação de um visto para procura de trabalho que assegure os direitos aos imigrantes durante o período em que ainda não têm contrato de trabalho.
Cyntia de Paula também fala dos imigrantes que não foram abrangidos pelos dois despachos (quem pediu autorização depois de 15 de Outubro ou quem ainda não reuniu sequer as condições para fazer esse pedido): “ou seja, continua a excluir-se uma franja de imigrantes, que não conseguimos medir”. Apesar de não ter números, “sabemos que são muitas pessoas” — estamos a falar de milhares, garante.
André Costa Jorge, presidente do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JSR) e da Plataforma de Apoio aos Refugiados, também comenta que esta medida “esconde a incapacidade do SEF de dar resposta atempada”. O JSR sublinha a “enorme importância” destas medidas para os imigrantes, que embora contribuam para o Sistema Nacional de Saúde e para a Segurança Social através do seu trabalho e dos seus impostos, durante a avaliação do seu processo não têm acesso a esses direitos em “condições de igualdade”. Mas, recordando que em 2019 as contribuições dos cidadãos estrangeiros para a Segurança Social foram de 750 milhões de euros [com saldo positivo de 650 milhões], questionam: “Porque é que só provisoriamente se permite que os cidadãos estrangeiros vivam regularmente, com plenos direitos?”
Segurança Social ganhou mais de 651 milhões de euros com imigrantes
Defendem, assim, que esta medida “deveria ser a regra geral para quem tem um processo pendente no SEF e contribui significativamente para a nossa economia”. Em Março, os membros do JSR já tinham afirmado que a limitação temporal imposta pelo despacho era “uma desigualdade de tratamento injustificada, em particular em relação aos imigrantes cujos processos de regularização carecem da recolha de uma série de documentos que demoram meses a conseguir e são ainda afectados pela morosidade do SEF”.