Victor Ferreira, in Público on-line
Black Friday, Natal e restrições no comércio empurram negócio digital para novo recorde, impõem reforço ímpar nas entregas e obrigam retalho a estender campanhas e a prolongar prazos de entregas.Se o Natal fosse só compras, o próximo seria o mais digital de sempre. É nisso que apostam as principais empresas de entregas de encomendas, os chamados operadores expresso, baseados na projecção do comércio online, que vai atingir níveis recordes com a Black Friday (a 27 de Novembro), o Natal e a “ajuda” das restrições antipandemia nas lojas físicas.
As empresas que dominam o mercado nacional esperam um crescimento de 30% a 50% no número de entregas, porque o número de portugueses que só comprarão online mais do que duplica, passando de 14% para 36%. Será uma pressão enorme, que começa mais cedo do que esperavam os operadores expresso, dada a imposição do recolher obrigatório nos próximos fins-de-semana, e que obrigou a um reforço sem precedentes, para mitigar atrasos que poderão afectar 5% das compras.
“Nalgumas das empresas deve haver muito stress nesta altura”, admite José Correia, responsável nacional da FedEx/TNT e presidente da Associação Portuguesa de Operadores Expresso (APOE). “Esperamos um pico muito superior ao de 2019.”
A dúzia de empresas que integram a APOE são as maiores do mercado nacional, que entregou cerca de 50 milhões de encomendas em 2019. O que lhes vale, comenta José Correia, é que todas elas já viveram uma espécie de “Black Friday prolongada em Abril”.
Isto porque no confinamento houve um “crescimento exponencial” no número de entregas, tal como o atestam os dados da Anacom. E a resposta dada então, preparou o terreno para agora. Foi um balão de ensaio também para retalhistas, como descrevem as responsáveis de marketing da FNAC e da Worten, que alargam campanhas e prazos de devolução para evitar filas e mitigar o impacto na logística.
A razão foi, e volta a ser, sobretudo, o comércio online. Fernando Braz, da empresa Salesforce em Portugal, diz que se espera um crescimento de 30% nas vendas digitais face a 2019, ano em que o crescimento tinha sido “apenas” de 8% face a 2018.
“Estamos a falar de um crescimento brutal e Portugal segue a tendência destes valores globais”, afirma o country leader desta tecnológica norte-americana. O problema, acrescenta, é que “o sector logístico não acompanha” esse crescimento. “Antevemos que o volume de encomendas supere em 5% a capacidade de entrega”. As contas são feitas em termos mundiais: serão 700 milhões de encomendas fora do prazo, no “Natal mais digital da história”.
Num dos grandes deste sector, já se fizeram outras contas. Olivier Establet, líder da DPD, prevê um aumento de “50% nas três primeiras semanas de Dezembro”, com “um pico de mais de 200.000 encomendas num só dia, que deverá ser alcançado a 30 de Novembro (graças à Black Friday) e a 2 de Dezembro (após o feriado)”.
A resposta, dada com meses de antecedência, inclui um reforço de 300 pessoas, além da criação de duas estações temporárias, no Porto e em Lisboa, para aumentar a capacidade de triagem durante a época que, na gíria do sector, tem nome inglês (peak period, ou seja, período de pico).
O presidente da APOE confirma que esta é a expectativa geral: “O peak period vai ser bastante forte e as empresas estão com certeza a reforçar-se para encarar esse aumento de volume.” Dados gerais não há, porque cada empresa responde de forma diferente, conforme tenha mais ou menos clientes empresariais ou consumidores, mais ou menos encomendas internacionais ou domésticas.
Num sector que, entre as maiores empresas, emprega 3000 pessoas, já é habitual reforçar nesta altura, como salienta Nuno Rangel, CEO do grupo Rangel, que entregou o controlo da operação expresso aos espanhóis da Correos. Rangel deixa, por isso, as questões operacionais para o vizinho ibérico, mas sempre salienta que o recolher obrigatório dos próximos dois fins-de-semana significa “uma tendência ainda maior para a compra online”. Acredita, porém, que isso não altera muito os planos das empresas de entregas, até porque o reforço não se esgota dentro de portas e passa ainda pela subcontratação de empresas mais pequenas habituadas a esta pressão. Além disso, muitos retalhistas vão estender o período da Black Friday, para “diluir o impacto”.
Juan Bautista, da Correos Express Portugal, parceira da Rangel, fala numa “situação excepcional” e anuncia reforço do pessoal, sem revelar números. Aponta que 36% dos portugueses farão todas as compras online nesta época, um aumento de 22 pontos percentuais face aos 14% registados em 2019. Ou seja, mais do que duplicará o número de portugueses que só recorrerão a esse canal.
A FNAC é um desses casos, como explica a directora de marketing Inês Condeço. Ao contrário do que fez no passado, em 2020 a FNAC também embarca numa Black Friday que dura semanas. “Dadas as circunstâncias, tivemos de o fazer para segurança de todos, porque é impossível servir o número de encomendas em três dias nas lojas”, anota.
Num dia normal, esta retalhista prepara em média 2000 encomendas online. No confinamento, houve dias com 4000, 6000 e quase 10 mil encomendas, o equivalente às vendas online de uma Black Friday. Foi como “viver um Natal” antecipado, sintetiza Inês Condeço. “Neste momento já não nos apanham desprevenidos. Estamos preparados para todos os cenários extremos”, continua, sublinhando que foi preciso reforçar e, sobretudo, mudar.
Num exemplo de como velhas tecnologias ainda podem trazer inovação a modelos de negócio, a empresa lançou vendas por telefone
Num exemplo de como velhas tecnologias ainda podem trazer inovação a modelos de negócio, a empresa lançou vendas por telefone. Algo que até já podia fazer no passado, mas que não tinha expressão porque não era comunicado. A pandemia mudou tudo e, agora, as vendas por telefone já equivalem “a uma loja”, tanto em vendas como em trabalhadores. E como 60% das compras online ainda são levantadas em loja (contra 70% antes da pandemia), as entregas deixaram de ser feitas no interior.
Na Worten, respostas semelhantes. No confinamento nasceu o drive through, para comprar à distância e levantar e pagar no estacionamento, sem sair do carro. As vendas online, que tiveram dois meses de entregas grátis em casa, “multiplicaram por sete”, diz a directora de marketing, Inês Drummond Borges. “A nossa operação logística teve de ser alterada de forma radical”, testemunha. Há menos paletes e camiões TIR a entrar e mais encomendas pequenas a sair em mãos ou para os carros dos operadores expresso. Que, apesar de terem registado mais queixas no confinamento, sobretudo por atrasos, acreditam que agora estão mais bem preparados.
João Jales, country manager da Nacex, destaca quatro novos centros de distribuição (Oliveira de Azeméis, Ourém, Albufeira e Castelo Branco) e novos armazéns no Seixal e em Lisboa, onde passa a ter dois centros.
Nos CTT Expresso, o tráfego CEP, que inclui as encomendas até 20kg, cresceu 34,5% até Setembro. São “volumes de tráfego de peak season” desde o início da pandemia, diz a empresa, por escrito, ao PÚBLICO, com “crescimento muito relevante” em alimentação, desporto e lazer, educação e cultura e electrónica de consumo. Ou seja precisamente as categorias em alta nesta época.
Por isso, a resposta passou por “aumentar o número de centros”, com recolhas durante a manhã e também ao fim-de-semana. Trabalhar-se-á “sete dias por semana”, com “entregas também feitas ao sábado e em dois momentos de distribuição durante o dia”.
FotoPAULO PIMENTA (ARQUIVO)
Gaspar d'Orey, CEO do Dott, um mercado online, apostou “num trabalho de formiguinha” desde o Verão junto das 1300 lojas activas na plataforma, preparando-os para que nenhum processo falhe quando chegar a grande maré de consumo. Aceleraram as contratações para o apoio a clientes e no sector informático, para garantir que se aguentam os picos de procura.
Os dados da concorrente Kuantokusta, com cerca de 800 lojas activas, mostram o que está em causa. Bastou o anúncio do recolher obrigatório, no passado fim-de-semana para que, nas 24 horas seguintes, as visitas e as compras tivessem disparado 15% e 30% respectivamente. Entre a Black Friday e o Natal de 2019, esta plataforma esteve envolvida em 1,4 milhões de encomendas. Paulo Pimenta, CEO da empresa, espera um aumento de 50% na mesma época de 2020.
Na DHL, entraram 10 mil pessoas este ano, em todo o mundo, para reforçar todas as áreas de negócio, segundo o responsável nacional, José António Reis. Isso mostra a importância de toda a logística, o que pode ser ilustrado com outro facto referido pelo líder da DHL Express Portugal: quando a aviação comercial, que transporta muitas encomendas expresso, parou devido ao confinamento, a DHL tornou-se a companhia com mais aviões nos céus da Europa. Não foi possível cobrir todas as falhas, mas houve muito trabalho extra. E esse cenário é para se manter: Reis espera “um máximo histórico no e-commerce” nesta recta final, com um aumento de 50% em Dezembro face a 2019, “em linha com a tendência internacional”.
Confinamento trouxe mais clientes, mais queixas mas mais soluções
Segundo o Portal da Queixa, o número de reclamações contra empresas de encomendas expresso aumentou 138% com a pandemia. Entre 1 de Março e 9 de Novembro, foram registadas 9435 queixas, contra 3967 no mesmo período de 2019.
Os dados solicitados pelo PÚBLICO mostram que as reclamações naquela plataforma privada cresceram em ritmo elevado, tal como o negócio das empresas de entregas, mas isso não significa que o mercado esteja em convulsão. Isto porque os índices de satisfação dos clientes das empresas mais visadas por queixas oscila entre os 80 (em 100) dos CTT Expresso (que lidera a lista com 3180 reclamações) e os 97,9 da Nacex (visada em 411 reclamações).
Isso mostra, segundo os responsáveis do portal, que este sector, que totaliza 10% de todas as queixas ali feitas, está atento, tendo dado solução com sucesso a 70% das reclamações de que foi alvo. A taxa de resposta global é de 97%, com 40% das queixas relacionadas com atraso e 20% relativas a mau serviço prestado.
Com a enorme pressão que se espera nas próximas semanas, é expectável um aumento de queixas, em linha com o que sucedeu na Black Friday e no Natal de 2019, quando, sem pandemia, houve um aumento de 51% de queixas nesse período. A taxa de solução, nessa altura, foi de 58%, o que significa que o confinamento trouxe mais negócio, mais queixas mas também mais respostas por parte dos operadores expresso. V.F.