25.1.21

É possível sobreviver em (como) família ao confinamento?

Alexandra Ferreira-Valente, in Público on-line

Um estudo revelou que pessoas casadas ou em união de facto eram aquelas que, por comparação às solteiras, apresentavam melhor saúde mental, maiores níveis de felicidade e menores níveis de depressão, ansiedade e stress.

A braços com a pandemia de covid-19 desde março de 2020 e com um novo confinamento, muitas famílias estão já a “deitar contas à vida”. Os custos de um novo confinamento são avultados e não se resumem aos custos económicos. Nos últimos meses, somaram-se as publicações que dão conta do importante impacto negativo da pandemia e do(s) confinamento(s) na economia mundial, no aprofundamento das desigualdades, no emprego e nos rendimentos, nos sistemas de saúde e no acesso aos cuidados de saúde, no aumento da mortalidade, na educação, na saúde mental, e na vida familiar. Custos de uma crise sanitária global que afeta, necessariamente, mais severamente os mais vulneráveis.

Desde um ponto de vista da vida familiar, é sabido que famílias e relações familiares estão sob forte pressão. Com o encerramento das escolas e com o recurso ao teletrabalho ou à licença parental por parte de muitos pais (e casais), acrescem às preocupações com eventuais perdas de rendimento e com a instabilidade laboral o aumento das responsabilidades parentais e de supervisão dos mais novos. A estas, somam-se ainda a manutenção ou mesmo o ampliar das responsabilidades de cuidado informal de familiares mais velhos e/ou doentes. As famílias estão, assim, constrangidas e a braços com a difícil conciliação trabalho-família, o que as coloca sob forte pressão.

O projeto ADJUST2Quarentine, um estudo de investigação longitudinal em curso no William James Center for Research (WJCR, ISPA – Instituto Universitário), que reúne investigadores de Portugal, Espanha e Itália, dá conta do risco em que se encontram as famílias durante períodos de confinamento. Os 550 adultos portugueses que participaram na primeira fase do estudo, que decorreu em abril e maio de 2020, reportam que as relações interpessoais com familiares e amigos são o aspeto da sua vida mais severa e negativamente afetado por esta pandemia. Destes participantes, 228 eram casados ou viviam em união de facto, e 477 viviam em família. Destes, 97% reportaram níveis de funcionamento familiar global altamente problemáticos e pouco saudáveis. Mais, 39% daqueles que eram casados ou viviam em união de facto reportaram mal-estar ou distress diádico (i.e., conjugal) severos. Não é, pois, de estranhar que as estatísticas nacionais deem conta de um aumento significativo do número de divórcios, por comparação ao período homólogo, após o fim do confinamento de abril e maio de 2020.

Mas nem tudo são más notícias para as famílias e adultos portugueses casados ou em união de facto. A vida familiar comporta, a par de muitas exigências, ganhos e benefícios coletivos e individuais. Entre esses, os laços de solidariedade (incluindo aqueles intergeracionais) e o suporte instrumental e emocional que os membros da família frequentemente oferecem uns aos outros. Aqui cabem, entre outros, a partilha de recursos, de tarefas, de responsabilidades e de afetos. O estudo em curso no WJCR revelou que pessoas casadas ou em união de facto eram aquelas que, por comparação às solteiras, apresentavam melhor saúde mental, maiores níveis de felicidade e menores níveis de depressão, ansiedade e stress.

A este resultado não deverá ser alheio o facto dos participantes com melhor saúde mental serem os do sexo feminino, em teletrabalho, e com maiores níveis de suporte social e resiliência. É que, curiosamente, são também os participantes casados ou em união de facto aqueles que, por comparação aos solteiros, reportaram maiores níveis de suporte social e resiliência. Ou seja, apesar da vida em casal e em família ser difícil – especialmente em período de confinamento – continua a ter as suas vantagens.

Como garantir, então, que conseguimos sobreviver em (e como) família a um novo confinamento? Embora não exista uma receita infalível, deixam-se aqui algumas dicas de algibeira que podem ajudar na gestão das próximas semanas:

- Organize o seu dia e crie rotinas flexíveis, mas consistentes;

- Partilhe tarefas e responsabilidades de forma a que todos cooperem e tenham tempo de lazer;

- Faça exercício físico;

- Tenha uma alimentação e higiene do sono saudáveis;

- Cuide de si: reserve tempo para estar só e fazer algo que lhe dê prazer;

- Reserve tempo para atividades de lazer e prazerosas em conjunto;

- Pratique o distanciamento físico, mas não o social: fale com aqueles de quem gosta por videochamada/telefone;

- Cuide a comunicação: atente à forma, à frequência e ao momento;

- Respire… e coloque-se “nos sapatos” do outro, antes de reagir;

- Encoraje os seus filhos a falarem sobre o que os preocupa e elogie-os sempre que se portarem bem;

- Seja flexível e desvalorize os problemas mais pequenos e menos importantes;

- Tente manter-se otimista;

- Se se sente em baixo e/ou lhe é muito difícil relacionar-se com o outro, peça ajuda.

PhD, Investigadora do William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário