25.1.21

“Os empresários começam a ter dificuldade em compreender algumas medidas”

Luís Villalobos, Victor Ferreira (texto) e Daniel Rocha (fotografias), in Público on-line

Para a secretária-geral da Ahresp, Ana Jacinto, é preciso um equilíbrio as medidas sanitárias e os impactos na economia e, nesse ponto, “o Governo tem tido algumas dificuldades, porque as medidas aparecem de forma tardia, complexa”. E os sectores que representa “estão a sofrer há um ano”.

Ana Jacinto, secretária-geral da Ahresp - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, afirma que os sectores ligados à restauração e ao alojamento estão a ficar numa situação cada vez mais difícil, e que os apoios, além de demorarem a chegar ao terreno, “quando são regulamentados e colocados à disposição das empresas, verifica-se que nem todas são elegíveis”. Recentemente, diz, o Governo tem feito melhorias, mas é preciso maior agilidade e “o dinheiro tem de entrar nas empresas”, porque senão haverá mais despedimentos. Sobre as moratórias, defende que se está apenas a “empurrar com a barriga” um problema e que as condições de acessibilidade aos apoios alicerçados na manutenção dos postos de trabalho “começam a estrangular as empresas”.

Como encara as novas restrições anunciadas pelo Governo?
Não temos comentado as restrições sanitárias, porque não estamos habilitados. Não temos informação técnica suficiente e portanto acreditamos que o Governo tenha informação que nós desconhecemos e que o leve a tomar estas decisões difíceis, mas cruciais. O sector já estava numa situação muito débil e está a ficar cada vez pior.

O Governo deveria sustentar as decisões com dados?
É verdade, até porque os nossos empresários começam a ter dificuldade em compreender algumas destas medidas. Há actividades encerradas desde Março de 2020, temos restrições desde sempre, seja nos horários, seja na capacidade e nem assim os números da pandemia têm baixado. Há muitos empresários a questionarem-nos sobre este tema. A ser assim, é preciso fazer o tal equilíbrio difícil entre estas medidas sanitárias e a economia. E é nesse ponto que o Governo tem tido algumas dificuldades, porque as medidas aparecem de forma tardia, complexa e estes sectores estão a sofrer há um ano. Se no início de Março, no primeiro confinamento, estas empresas ainda tinham algumas reservas, porque vínhamos de um ano positivo e foi possível aguentar o confinamento, agora estamos há um ano com estas restrições, com estas quebras de facturação, o que torna tudo muito mais complicado. À data de hoje, era preciso que o Governo tivesse capacidade de injectar apoios, dinheiro a fundo perdido nas empresas, e está a ser muito difícil. Como sabem, é verdade que o Governo anunciou medidas importantes a 10 de Dezembro, digo importantes porque estão em linha com as propostas da Ahresp, só que demoraram mais de um mês para que pudessem ser regulamentadas e muitas delas ainda não estão disponíveis...

Por que demora tanto tempo entre o anúncio e a concretização?
Não sabemos. O que sabemos é que não se pode demorar este tempo todo. Elas demoram a ser anunciadas, demoram a ser regulamentadas e agora mesmo ainda há algumas que não estão ao dispor das empresas. As nossas primeiras propostas são de Março. E à medida que o tempo vai passando, fica cada vez mais difícil.

Mas quando perguntam ao Governo por que se demora esse tempo, qual é a resposta que vos dão? Ou nunca questionaram o Governo?
Nunca nos deram uma explicação, são opções. A explicação é aquela que todos conhecemos: a falta de recursos, de ferramentas que o país não tem. Os recursos não são infindáveis, mas têm de ser tomadas opções, desde o início sabemos que há uma preocupação de apoiar a economia no seu todo, e desde o início que dizemos que há sectores que têm de ser apoiados de forma diferente, porque sentem o impacto negativo da pandemia de forma diferente.

Sentem que não têm sido prioridade?
Agora sim, mas de forma muito tardia. Estamos nesta pandemia há quase um ano, estes últimos apoios são relevantes, porque apontam para o reforço da tesouraria das empresas, para as rendas e para a manutenção dos postos de trabalho. A verdade é que demoraram muito tempo. E depois não é só a demora. É que quando são regulamentados e colocados à disposição das empresas, verifica-se que nem todas são elegíveis. E que nem todas conseguem aceder...

Uma coisa são anúncios e boas vontades. Outra coisa é saber se o empresário consegue ou não ir lá buscar dinheiroAna Jacinto, secretária-geral da AHRESP

Quantos estabelecimentos fecham com estas novas medidas e em que sectores se sentirá mais o impacto?
No último inquérito, referente a Dezembro, que ainda não contempla as medidas agora anunciadas e o embate do encerramento em Janeiro, 39% das empresas de restauração e bebidas dizem que não vão abrir. Sendo que muitas delas são as que estão a ser afectadas há mais tempo, designadamente os tais bares e discotecas que estão fechados há quase um ano. Estas são as que estão em maior dificuldade, mas 39% são muitas empresas. Empregávamos 400 mil pessoas directas e estamos a falar de muitos trabalhadores e empresas. No caso do alojamento turístico, o número é menos elevado, com 16% das empresas a dizerem que não vão abrir, sendo que muitas delas estão completamente encerradas já há muito tempo, não por decreto, mas porque não há turistas internacionais e, por força destas restrições, também não terão turistas nacionais.

Que evolução espera desses números face às medidas agora anunciadas?
Tudo depende da capacidade de apoiar estas microempresas. Uma coisa são anúncios e boas vontades. Outra coisa é saber se o empresário consegue ou não ir lá buscar dinheiro. Se o Governo for incapaz de colocar esses apoios rapidamente na generalidade das empresas, obviamente que estes 39% que não abririam porta em Dezembro vão crescer, porque não aguentarão os seus negócios apenas com o delivering e o take-away, que são modalidades residuais.

Quais têm sido as razões que impedem as empresas de acederem aos apoios?
O sector é composto por microempresas e logo daí vem uma dificuldade que é a capacitação dos empresários para preencherem formulários e perceberem as vírgulas dos diplomas. Aparentemente é sempre tudo muito simples, mas depois quando chegamos aos empresários que estão nesta situação dramática há tanto tempo, muito desorientados, obviamente não sabem a quem se dirigir, como fazer, o que preencher. Temos apoios que são complexos, designadamente o caso do Apoio à Retoma, que é muito complexo e exigia da parte das empresas informação mensal e isso revelou-se praticamente ineficaz no nosso sector de actividade. Poucas foram as empresas que recorreram ao Apoio à Retoma. Precisamos que os apoios à manutenção do emprego sejam mais ágeis e simples. Depois, há outro detalhe que é a exclusão de muitas empresas. Na primeira versão do programa Apoiar não se incluía os empresários em nome individual sem contabilidade organizada. Ora, no nosso sector, estes são 70%! São muitas empresas que não têm contabilidade organizada porque não têm de ter, não são obrigadas e só por isso eram excluídas de um apoio, o que não fazia sentido algum.

Por que acha que foram excluídos?
A resposta que tivemos é que se devia a regras comunitárias. Pelos vistos, o Governo resolveu o problema e agora incluiu este número enorme de empresários em nome individual que ficavam de fora. Esteve bem, mas demorámos tempo a incluir estes empresários e a cada dia que passa há quem venha à Ahresp dizer que não aguenta mais e vai fechar. Portanto, há medidas que são importantes, mas quando vamos ver as vírgulas, percebe-se que os apoios serão para uma minoria. Sejamos justos: o Governo tem feito melhorias importantes. Mas temos de ser mais ágeis e rápidos e o dinheiro tem de entrar nas empresas.

Por que pedem o layoff simplificado para as empresas que vos fornecem serviços, que não estão legalmente obrigadas a encerrar, quando têm acesso ao Apoio à Retoma se tiverem quebras de facturação de pelo menos 25%? Esse vosso pedido não é complicar tudo e tornar tudo igual, quando não é?
O Apoio à Retoma é um processo mais complexo, que exige mais burocracia. Por outro lado, o desconto na TSU não é de 100% como no layoff. Portanto, aquele apoio pode não ser tão benéfico, sendo que estas empresas ficam na mesma circunstância que as outras que encerram, porque se a empresa está fechada, por culpa do teletrabalho ou porque a lei assim o dita, não se justifica que essas empresas não possam ter o mesmo mecanismo de apoio.

Mas são muitas empresas?
São algumas. Pense no alojamento turístico, que não tem o apoio do layoff simplificado, porque não foi obrigado a encerrar. Mas a verdade é que todas estas medidas têm impacto nessa actividade. Há muitas unidades que já estavam fechadas e agora, por culpa destas restrições à circulação, também não se justifica manterem-se abertas. É um facto que podem ir ao Apoio à Retoma, mas não faz sentido estarem nas mesmas circunstâncias porque, no fundo, a única diferença é que não existe um diploma a dizer “encerre-se”. Porém, quando dizemos às pessoas “fiquem em casa”, então os hotéis ficam sem clientes. Portanto, por que estamos a burocratizar com o Apoio à Retoma, se temos o layoff simplificado e as condições destas empresas são, afinal, similares?

Já propuseram isso ao Governo?
Para as empresas prestadoras de serviços ainda não, mas sobre o alojamento já temos falado.

E qual foi a resposta?
Dizem que estão a analisar.

O Governo avançou logo em Março com apoio a planos de formação. Qual foi a adesão nos vossos sectores, estão satisfeitos com essa adesão e o que têm dito as empresas?
Voltamos ao mesmo problema. Este sector é dominado por microempresas. Criámos uma academia na Ahresp para neste período podermos reforçar a capacitação dos trabalhadores e empresários. Intensificámos as formações, mas os números que temos não são de muita adesão, como poderiam ser, por causa das dificuldades que têm em perceber como é que o mecanismo funciona. Não tenho dados concretos sobre quantas empresas recorreram a esses planos de formação, mas não é a adesão que poderia ser.

O apoio pode ser melhorado?
Temos de estar mais próximos dos empresários. Não chega anunciar. Um dos problemas que temos sinalizado é a falta de informação clara e precisa. Todos assistimos a diplomas que saem em cima da hora, que entram em vigor de um dia para o outro e que são complexos, medidas que hoje saem e amanhã são alteradas... As empresas da restauração e do alojamento precisam de planeamento. Veja-se o que aconteceu no fim do ano. Uns dias antes, estávamos a dizer aos empresários: “Faça compras, adquira serviços e prepare-se, porque pode fazer a ceia de fim de ano”. Passados uns dias, estávamos a dizer-lhes: “Contratou? Olhe, paciência. Comprou matéria-prima? Vai ter de deitar fora porque, afinal, vão ter de fechar as portas”. Isto é inconcebível. É preciso planear, é muito difícil esta alteração constante das regras.

Por causa dessa necessidade de ajuda na informação, a Ahresp ganhou associados? Ou registam uma quebra, devido à crise?
Temos tido muitos novos associados, porque precisam, mas também temos muitos que já não conseguem pagar quotas e a Ahresp vive da quotização, exclusivamente. O microempresário sempre recorreu muito ao técnico de contas, mas também estes têm dificuldades, até porque muitas empresas não conseguem garantir os pagamentos.

Alguns dos encargos estarão a ser diferidos com as moratórias. O que vai acontecer quando estas caducarem?
Nós sempre pedimos ao Governo isenções em vez de moratórias, enquanto estivéssemos neste estado de gravidade. Não foram essas as opções e agora já estamos a pedir extensões de moratórias. Por exemplo, estamos a pedir ao Governo que prolongue os apoios do Turismo de Portugal para as microempresas, que já têm o período de carência a caducar. As empresas não têm capacidade de pagar. As moratórias não foram uma boa opção, porque não sabemos quando é vai haver retoma e sabemos que não vamos ter logo filas e filas de clientes à porta e que vai ser tudo um mar de rosas. Vai ser difícil recuperar a confiança. A moratória é um alívio, mas estamos só a empurrar com a barriga. Tal como nas linhas de crédito. Sempre dissemos que era preferível o apoio a fundo perdido, mas só fomos ouvidos agora, numa fase já muito tardia.

As linhas não servem?
Mais uma vez, não chegam a todos. Tivemos inúmeras empresas que não conseguiram apoio na banca.

Porquê?
Apesar de a banca estar impedida de pedir garantias bancárias, estar obrigada a respeitar prazos de resposta, nada disto aconteceu para muitas microempresas. Estas foram muitas vezes confrontadas com exigências de garantias pessoais e patrimoniais, com prazos intermináveis, com respostas imediatas sem análise de processo a dizerem que a empresa não era elegível... A maioria não conseguiu apoio e aquelas que conseguiram criaram dívida que terá de ser paga mais tarde, sem sabermos como nem quando, porque desconhecemos o futuro.

Esses pedidos da banca incidiam sobre a percentagem não garantida pelo Estado?
Sim. Muitas instituições bancárias, e nós confrontámos cada uma delas e demos nota disto ao Governo e até ao Presidente da República, estavam, indevidamente, a exigir às microempresas garantias pessoais e patrimoniais para terem o crédito aprovado. Algo que o Governo impediu. Mas na prática não era o que acontecia.

Mas qual é o retrato geral?
Muitos empresários meteram na empresa as suas poupanças, tudo o que tinham e agora estão numa situação muito difícil. E outros recorreram à banca.

Foi uma minoria?
Não diria uma minoria. As empresas mais estruturadas estão apoiadas em crédito bancário. Mas as empresas mais pequenas não conseguiram, e outras evitaram esses mecanismos, até porque provavelmente não conseguiriam se se tivessem candidatado.

São essas as que correspondem aos tais 31% de empresas da restauração que não pagaram o salário por inteiro em Dezembro, segundo os dados do vosso barómetro?
Há muitos que recorreram ao crédito à banca, que foi ao layoff simplificado, que passou pelo Apoio à Retoma e mesmo assim está a chegar a um ponto de ruptura. Estes apoios ajudam mas não pagam os encargos todos. Não se esqueçam que 60% das empresas inquiridas reporta quebras de facturação acima de 60%. No caso do alojamento, temos 60% a reportar quebras acima de 80%. Isto tudo em Dezembro! Neste cenário, chega-se a um ponto em que se esgota tudo e já nem os apoios adiantam nem ajudam a assegurar todos os encargos.

Os despedimentos vão continuar a crescer?
Se não tivermos a capacidade de agilizarmos todos aqueles apoios que estão a ser regulamentados, acho que sim. Na restauração e bebidas, quase metade das empresas já estão a fazer despedimentos. O que levanta outro problema, porque estes apoios estão alicerçados na manutenção dos postos de trabalho e muitas empresas já não conseguem fazer isso. As condições de acessibilidade aos apoios começam a estrangular as empresas.

Quando vier a retoma, a tendência geral será contratar com salário abaixo daquele que praticavam quando despediram?
É uma pergunta difícil de responder. Há bem pouco tempo, a Ahresp dizia que temos um problema de falta de mão-de-obra qualificada, que encaixaríamos 40 mil pessoas se as tivéssemos porque o sector é líder de empregabilidade. Dizíamos isto há ano e meio e precisamos de manter os postos de trabalho em que as empresas investiram ao longo destes anos.

Mas muitos já foram destruídos...
Segundo o INE, sem os meses do último trimestre, que foram dramáticos, perdemos já quase 50 mil postos de trabalho e muitos ainda se vão perder. Precisávamos de os manter, não vamos ter essa capacidade. Quando vamos voltar a contratar, como e de que forma, não sabemos. O foco é manter o que temos. Porque se destruímos este tecido, vão ser anos para retomarmos o nível que atingimos. Ainda havia caminho a fazer, dignificar as carreiras e melhorar o salário, e nós iríamos lá chegar e estávamos a fazer um caminho que agora ficou estagnado.

Se os apoios, que agora estão a ser regulamentados, chegarem efectivamente à maioria das empresas, para não dizer à totalidade, é evidente que o clima acalmaAna Jacinto, secretária-geral da AHRESP

Em Abril do ano passado, numa entrevista ao PÚBLICO já em contexto de pandemia, e questionada sobre se as pessoas poderiam ter algum receio de voltar a frequentar restaurantes e hotéis, respondeu de forma afirmativa, admitindo ainda que o perfil dos clientes poderia estar em mudança. O que é que sente agora?
Bom, agora não temos clientes. Temos os restaurantes e os hotéis basicamente fechados. Agora, estou convencida que quando pudermos ter liberdade de circulação e retomarmos a possibilidade de viajar, o perfil do nosso consumidor, do nosso turista, certamente será outro. Será muito mais preocupado com as questões de saúde pública, questões sanitárias, irá procurar locais menos massificados. Temos de estar preparados para os muitos desafios que vão chegar. No curto prazo, temos três grandes desafios. O da sobrevivência, porque senão nem vale a pena estar a falar do perfil do novo turista ou da retoma se não tivermos empresas. E a sobrevivência só vai ser alcançada se, de facto, o Governo ajudar estas empresas agora. Depois, o segundo desafio passa por ter capacidade para uma maior flexibilização. As empresas têm feito trinta por uma linha para se reinventarem, para se adaptarem, mas no pós-pandemia vamos ter de intensificar essa flexibilização, porque vamos ter a necessidade de novos negócios, novas modalidades. O delivering [entrega] e o take-away, que para muitas empresas ainda é meramente residual, se calhar são modelos que o consumidor vai intensificar no futuro. E, depois, há a confiança, que tem de ser retomada por parte dos empresários e gerada junto dos seus quadros. Os clientes também têm de ter confiança, de que os espaços são seguros.

Mas não haverá um excesso de oferta, durante um determinado período?
Eu não diria que vamos ter um excesso de oferta porque muitas empresas certamente não vão abrir. A minha preocupação é ao contrário: vamos ter oferta para a procura? Eu não tenho dúvidas nenhumas de que vamos voltar a ser um destino preferencial.

A estimativa é a de que o tráfego aéreo volta aos níveis de 2019 em 2024 ou 2025. E até lá?
Por isso é que digo que corremos o risco de não termos oferta para a procura quando ela aparecer. Seja em 2022, como alguns dizem, em 2024 ou quando for. Arriscamo-nos a não ter oferta e é essa a nossa preocupação. A procura vai surgir, não sabemos bem é quando. E isto implica também resolver problemas internos, como a nossa capacidade aeroportuária, a necessidade de diversificar os mercados emissores, temos de dar mais território aos turistas - devido ao problema dos fluxos turísticos estarem muito concentrados nos mesmos locais -, de ter um turismo muito mais sustentável ao nível ambiental, social e económico...tudo isto são desafios que temos de tratar já, para estarmos posicionados na primeira linha do pelotão quando tudo puder ser reaberto. O que nós queremos agora é manter empresas e ter oferta para essa procura.

Olhando então para o futuro, o plano de recuperação e resiliência que foi apresentado em Bruxelas não tem uma referência à hotelaria, restauração e turismo. Parece afastar o país de um modelo de desenvolvimento que vinha a ser seguido até agora.
O que do nosso ponto de vista é um erro. O turismo tem sido o motor da nossa economia. É evidente que precisa de evoluir, e esse trabalho estava a ser feito e tem de ser retomado, como referi, mas precisamos de um turismo cada vez mais robusto. E isso para alavancar todas as outras actividades, que gravitam à volta do turismo, como a área alimentar e as bebidas. Esperemos que o turismo não seja esquecido e que percebam que vamos precisar que o turismo sirva de novo de alavanca como aconteceu na última crise, financeira.
O surgimento de novos actores, de movimentos de contestação nos últimos meses, é um sintoma de que o clima de crispação está a tornar-se algo incontrolável nos vossos sectores?
A Ahresp tem vindo, desde a primeira hora, a dialogar com o Governo. Fizemos variadíssimas reuniões e chamámos vários empresários, dos diversos sectores que representamos. Enquanto foram dadas respostas, de uma forma mais ou menos célere, como foi o caso do layoff simplificado, estes grupos mais inorgânicos não tinham necessidade de gritar, ou de dizer o que quer que seja. A partir do momento que começaram a ser mais demoradas, e os tais apoios que a Ahresp foi solicitando não tinham tanta resposta, é natural que as pessoas se sintam desorientadas, mais descontroladas, mais desapoiadas, e tivessem necessidade de manifestar essa desorientação, e surgiram então esses movimentos inorgânicos. Alguns - e a Imprensa - perguntavam porque é que a Ahresp não estava presente, e o que fomos dizendo é que respeitamos, que compreendemos até, mas essa não é a nossa forma de estar. A Ahresp é uma instituição secular e a sua postura foi sempre a de criar pontes, de reivindicar e propor soluções junto de quem tem o poder para decidir. E quem tem poder para decidir nunca fechou a porta para conversar connosco, pelo que não fazia sentido a Ahresp ir para a rua dizer que queria ser ouvida.

Neste momento não há razões para esses movimentos continuarem a sua actividade, ou até para agravarem um clima de confronto?
O que posso dizer é que nós compreendemos. Porque de facto há muita desorientação e muito desespero. São muitas famílias sem saber o que fazer, e onde recorrer. Agora, não vão ver a Ahresp nesses movimentos, porque o que temos a dizer, dizemo-lo directamente ao Governo.

A pergunta é mais sobre o clima actual...
Se os apoios, que agora estão a ser regulamentados, chegarem efectivamente à maioria das empresas, para não dizer à totalidade, é evidente que o clima acalma. Agora, se as empresas percebem que as condições de elegibilidade continuam a excluir um conjunto delas, que a dificuldade que está em cima da mesa não vai permitir que empresas possa ser apoiadas – o apoio às rendas: aparece ou não aparece? Está previsto para 4 de Fevereiro, o que é tarde. Tudo isto precisa de ser ágil. Sendo certo que estes apoios foram apresentados numa conjuntura em que não estávamos em confinamento. Alguns foram reforçados, mas não sabemos - e tememos - se este confinamento se vai ou não prolongar. Se ele se vier a prolongar, nem estes apoios que foram anunciados já são suficientes para suster as nossas actividades. E esse ambiente mais descontrolado, digamos assim, vai surgir, porque as empresas não se vão aguentar e vão-se manifestar, provavelmente com razão. Temos de ter capacidade de criar e reforçar apoios à medida que o confinamento se vai estendendo ou não.