Texto de Andreia Fonseca, in Público on-line (P3)
Eu nem me atrevo a referir que vivo: sobrevivo, à custa dos sacrifícios dos meus pais, aqueles que em tempos choraram de orgulho quando conquistei o maldito canudo!
Eu faço parte de uma curiosa geração. Com 25 anos, cresci com a lengalenga de que um curso era uma garantia de sucesso. Mas esta geração foi enganada. O canudo não é garantia, quanto muito, é um investimento a longo-prazo que, quem sabe, um dia venha a gerar lucro. Iludida, esta geração partiu aos 18 anos de malas feitas para a universidade, numa heroica busca por um futuro promissor. Mas, no meu caso e em tantos outros (atrevo-me a dizer milhares), o tiro saiu pela culatra.
O curso foi concluído com esforço, investimento (a todos os níveis) e média de 18 valores — com direito a lágrimas de orgulho na defesa da tese de mestrado. E depois do pico de felicidade, veio a realidade… O regresso a casa, com as mesmas malas, que carregadas de sonhos heroicos partiram, mas que voltavam com receios, dúvidas e dificuldades antecipadas.
As malas estavam certas! Os dias passavam, os currículos eram impressos, entregues e, com muita certeza, ignorados a velocidades vertiginosas. “Muda o currículo”, “oculta o teu mestrado”, “tens de aceitar que isto está difícil e terás de te sujeitar a qualquer coisa”, diziam as vozes sábias que me rodeavam, e que a cada palavra “queimavam” os meus sonhos, transformando-os em meras cinzas.
A sugestão de mudar o currículo é compreensível, temos de inovar e atualizar as nossas competências — embora isso exija, grande parte das vezes, um investimento insustentável para quem nada tem. Agora, ocultar a minha formação, como se fosse motivo de vergonha? Algo para o qual dediquei praticamente toda a minha vida? Sim, porque 17 anos de estudo em 25 de idade é algo substancial. E, depois, aquele argumento de que nos temos de “sujeitar” a qualquer coisa é quase referir o termo “escravatura” sem o mencionar.
E esta tem sido a minha vida, o envio de currículos, intercalado com algumas entrevistas, nas quais os entrevistadores pouco estão interessados no que temos para dizer e, claro, (a cereja no topo do bolo de lamentações) as formações do IEFP — aquelas formações para as quais somos “convidados”, com a certeza de que a nossa inscrição é cancelada por 90 dias se as rejeitarmos. A parte boa é que que nestas formações tenho a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas, extremamente competentes, que passam pelo mesmo que eu: são desperdiçadas. Estas formações têm muito que se lhe diga… Colocam 30 pessoas numa sala, nem sempre com as melhores condições, e fazem com que estas desapareçam das estatísticas de desemprego. Sim, porque agora somos formandos — estatuto de luxo, considerando que ganhamos 1.13 euros por hora de formação.
Todo este frenesim, que é a minha vida de desempregada diplomada, termina na mesa de refeição. Aquele momento em que me sento, vejo o ar de cansaço na cara dos meus pais (aquele ar de quem tem de contar os cêntimos para sobreviver) e percebo que continuo a depender deles para comer um simples pão.
E no desenrolar deste “simples” pensamento, percebo que nem sequer me atrevo a pensar em vir a ter a minha própria casa, o meu próprio carro (ou outro veículo com rodas), ou a comprar a minha própria comida. E é esta geração, que agora ainda é apelidada de “jovens adultos” que um dia será o núcleo da nossa população ativa. Uma geração que nem se permite a sonhar, porque os sonhos custam muito… Custam o preço da desilusão, a nossa e a de quem nos ama. E como o “sonho comanda a vida”, eu nem me atrevo a referir que vivo: sobrevivo, à custa dos sacrifícios dos meus pais, aqueles que em tempos choraram de orgulho quando conquistei o maldito canudo!