20.6.18

Portugal é dos países que mais recusam asilo

Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

Foram rejeitados 64% dos pedidos de asilo em 2017 Concedidos 500 estatutos de proteção internacional Alexandra Figueira afigueiraejn.pt REFUGIADOS Em 2017, Portugal recusou a maioria dos pedidos de asilo, ao abrigo do qual é dado o estatuto de refugiado a quem foge da guerra ou de violações dos direitos humanos. O relatório sobre Portugal entregue à Asylum Information Database, do Conselho Europeu para os Refiigiados e Exilados, mostra que 64% dos pedidos foram negados. À frente de Portugal, só a Polónia, França, Hungria, Croácia, Reino Unido e Bulgária.

O estudo é feito pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR), com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Estão em causa, disse Teresa Tito de Morais, presidente do CPR, recusas de pedidos espontâneos, por norma apresentados à entrada em Portugal, já que as pessoas vindas ao abrigo de acordos internacionais têm lugar garantido.

Teresa Tito de Morais não se surpreende com a taxa de 64%, que justifica com o facto de muitos requerentes não reunirem as condições previstas na Convenção de Genebra: podem ser migrantes económicos, mas não perseguidos no país de origem, condição necessária para o estatuto de refugiado. André Costa Jorge, diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados, soma outra razão: as restrições impostas pela lei e a interpretação "restritiva" feita pelo SEF.

O JN perguntou ao SEF como compatibiliza a taxa de rejeição com a disponibilidade mostrada por Portugal para acolher refugiados, por acordo com organizações internacionais. Em resposta, fonte oficial disse apenas que "o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo de 2017, que reúne os dados consolidados sobre estas matérias, será apresentado no final deste mês".

4o5 À ESPERA DE RECURSO Quando o SEF não aceita receber um pedido de asilo ou, depois de o aceitar e de o analisar, o recusa, o candidato pode recorrer da decisão. É nessa altura que deixa os centros de acolhimento do CPR e passa a ser acompanhado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Hoje, disse fonte oficial da Santa Casa, apoia 405 pessoas que esperam resposta ao recurso interposto ou que, tendo-lhe já sido dada razão, ainda não se tornaram autónomas. Nos últimos cinco anos (até maio), apoiou 818 pessoas. À Segurança Social compete acompanhar as pessoas cujo pedido de asilo foi aceite mas ainda não são autónomas.

A Santa Casa e a Segurança Social devem receber estas pessoas após os três meses passados a cargo do CPR, mas nem sempre o fazem, lamenta Teresa Tito de Morais. E o número de chegadas não pára de subir. Em resultado, os centros de acolhimento estão sobrelotados. "A resposta não está a ser dada com a celeridade necessária, estamos numa situação muito difícil", diz.

CONCEDIDOS soo Entre o dia em que um pedido de asilo é feito e a decisão fmal, passam largos meses e há processos a transitar de ano (em 2017 havia 476 pendentes). Assim, indicou o SEF, em 2017 foram concedidos 500 estatutos de proteção internacional, mais do que os 371 de 2016.

Quanto aos pedidos feitos, somam-se 1749, dos quais 1008 são espontâneos e 741 integram-se no mecanismo de recolocação, acordado com a União Europeia.* DETALHES Hoje é o Dia Mundial do Refugiado. A propósito, a UNICEF diz que 3o milhões de crianças estão deslocadas do seu país.

A taxa de concessão de proteção subsidiária (dada por três anos) foi de 19%, em 2017. Quanto ao estatuto de refugiado (concedido por cinco anos), a taxa de aceitação foi de 17%.
Mais imo refugiados Este ano e em 2019, Portugal vai receber mais 1010 refugiados, vindos do Egito e da Turquia Medida de Integração Até 2 de julho, estão abertas candidaturas ao Fundo para o Asilo, Migração e Integração. Há 300 mil euros para financiar entidades que promovam a integração de refugiados.

Livro infantil "Os meus irmãos refugiados", de Thereza Ameal e com introdução de António Guterres e prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa, será apresentado em Lisboa pela editora Paulus. Parte das vendas e os direitos de autor revertem para o Serviço Jesuíta aos Refugiados.

Foi preso várias vezes. Trabalhava numa organização não-governamental da República Democrática do Congo e procurava levar para a rua manifestantes contra o regime ditatorial de Joseph Kabila. "Sou um revolucionário", assume Daddy Ayas. Um dia, as forças de segurança bateram-lhe à porta. Não o encontraram, tinha-se escondido em casa de familiares da mulher. Mas era uma solução provisória. Acabou por fugir do país e pedir asilo politico na Europa. "Se não tivesse fugido, hoje estava morto." Entrou na Europa em 2015 e, na Bélgica, perdeu a conta ao número de vezes que lá tentou pedir asilo político, tornar-se refugiado.
Até ao dia em que percebeu que teria de o fazer em Portugal, país que lhe emitira o visto de entrada na Europa.

Assim fez, em Lisboa, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em fevereiro do ano seguinte. O processo, garante, foi rápido. Numa semana, teve autorização provisória de residência, que lhe permitiu, de forma legal, começar a viver e a trabalhar em Portugal, ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde, bem como receber um apoio social, em dinheiro. "Se estou vivo é porque Portugal me protegeu", repete.
Era com esse apoio que se governava até arranjar trabalho num supermercado, na Grande Lisboa onde vive.

Quando começou a trabalhar, a ganhar um salário, deixou de receber o apoio social. Foi uma má surpresa, conta, já que o salário (limpos são 516 euros) mal chega para viver, quando mais sobrar o suficiente para juntar e trazer de Angola para Portugal a mulher e o filho caçula - "o melhor da classe", diz orgulhoso. E depois, se puder, a mãe e os irmãos, que ficaram no Congo.

Para isso, precisa de ter autorização de residência definitiva, que aguarda com expectativa. Até porque não O ativismo político pôs a sua vida em risco e Daddy Ayas, hoje com 42 anos, fugiu da Repi REPORTAGEM "Se estou vivo é °c Por-ugal me -orotE Daddy Ayas quer trazer a familia que está em Ai e na República Democrática do Congo

Uca Democrática do Congo ( 110 OU" Uganda Número de expulsos no Mundo atingiu 68,5 milhões e o de refugiados somou 25,4 milhões População de refugiados 44500 pessoas por hora forçadas a deixar a casa la tem dúvidas de que quer continuar a viver no país.

"Quero estudar, retribuir a Portugal" a segurança dada.
Daddy Ayas reconhece dificuldades na vida em Portugal, mas é lapidar quando questionado sobre se corresponde ao que tinha imaginado: "A vida que tenho aqui é a que queria ter no meu país", responde.
Regressar ao país de origem não está nos planos.

"São bandidos, estão todos a roubar." Um dia, admite, talvez volte, mas só com uma mudança de regime, melhoria das condições de vida. "Saí do Congo a chorar, não consegui ganhar a luta". s A.I.
INFOGRAFIA JN RELATÓRIO Em cada hora de 2017, 44 500 pessoas em todo o Mundo tiveram de deixar as suas casas por causa de guerras, violência ou perseguição, à razão de um ser humano por cada dois segundos, fazendo atingir o máximo histórico de deslocados forçados no final do ano: 68,5 milhões.

Desses, 40 milhões são deslocados internos, 25,4 milhões são refugiados e 3,1 milhões pediram asilo, segundo o relatório estatístico anual "Tendências Globais", do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), publicado ontem.

Trata-se de um aumento de 2,9 milhões face a 2016 e de 50% em dez anos. Um problema que atinge especialmente as crianças - 53% da população deslocada à força. Só o número de deslocados dentro dos seus próprios países atinge 40 milhões - dois terços do total.

A Colômbia respondia pelo maior número de deslocados (7,9 milhões), seguida da República Democrática do Congo (5,1 milhões) e do Afeganistão (4,8 milhões). O relatório destaca a saída de 1,5 milhões de venezuelanos do país e mais de 111 mil pedidos de asilo.

Durante 2017, registaram-se mais 2,7 milhões de novos refugiados. O ACNUR salienta que, do total de 25,4 milhões recenseados no final do ano, mais de um quinto (5,4 milhões) são palestinianos.
A Síria responde por quase um terço da origem de refugiados (mais de 6,3 milhões), seguindo-se o Afeganistão (2,6 milhões), o Sudão do Sul (2,4 milhões), Nyanmar (1,2 milhões) e a Somália (986 mil).
A Turquia mantém-se como o país que mais refugiados acolhe, com 3,5 milhões no final de 2017, mais 21% do que em 2016. Traduzindo o efeito de vizinhança, 3,4 milhões são sírios.
Seguem-se o Paquistão e o Uganda, com 1,4 milhões cada, o Líbano (979 mil) e a Alemanha (970.400).

MENOS PEDIDOS DE ASILO A Alemanha observou um aumento de 45% da população refugiada, em consequência de novas chegadas, mas também devido a decisões favoráveis em relação aos pedidos de asilo, embora estes tenham diminuído em 72,5% em relação ao ano anterior (de 722 400 para 198 300).

O número de pedidos de asilo foi de 1,9 milhões, mantendo a quebra face a 2,2 milhões em 2016 e aos 2,5 milhões em 2015. Pela primeira vez desde 2012, os Estados Unidos foram o país que recebeu mais pedidos (331 700). Itália recebeu 126 500, seguida da Turquia (126 100). *ALFREDO MAIA