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Milhares de pessoas arriscam a vida na travessia do Mediterrâneo para chegar à Europa e Sium Yimeaghen foi uma delas, preferindo trocar o seu país, a Eritreia, pela incerteza de quem não tem nada a perder.
Foi aos 29 anos que decidiu tentar a sua sorte e sair da Eritreia. O professor, natural de Adi Keih (região sul), fartou-se da “repressão do governo” e conseguiu escapar da prisão, onde esteve cerca de um ano, iniciando uma viagem que o levou até Malta, onde se encontra ainda, cinco anos depois.
“Vim à procura de protecção e segurança. Não saí do meu país para ter melhores oportunidades económicas, saí porque fui obrigado a sair, devido ao tratamento a que os cidadãos são sujeitos, a quem é negada liberdade de movimento, de expressão ou de religião. Estas coisas estão ausentes na Eritreia. As pessoas sentem-se reprimidas”, contou à agência Lusa.
A Eritreia, governada com mão de ferro pelo Presidente Isaias Afwerki, declarou a independência da vizinha Etiópia em 1993 e é descrita pela Amnistia Internacional como um dos regimes mais repressivos do continente africano.
Sium Yimeaghen, que foi preso “por suspeitas” de que estaria a tentar deixar ilegalmente a Eritreia quando foi encontrado pelos militares na fronteira com a Etiópia, conseguiu fugir para o Sudão, em 2013.
Daí prosseguiu viagem para a Líbia, onde chegou um mês depois. Saiu da capital líbia, Tripoli, em 01 de julho de 2013, numa embarcação precária, com mais 299 pessoas.
Durante o percurso, o controlo sobre a sua vida foi entregue aos contrabandistas.
“Sendo imigrantes ilegais estamos nas mãos dos contrabandistas. Não escolhemos o quabdi trazer, o que comprar, o que podemos levar. Tudo é preparado por eles. Tínhamos muito pouca água para beber e muito pouco que comer, não o suficiente para sobreviver nesta viagem tão perigosa”, onde seguiam quatro crianças, descreve o antigo professor.
Sium Yimeaghen admite que a rede de contrabandistas que o ajudou a passar do Sudão para a Líbia possa estar ligado à guarda costeira líbia porque nessa altura “era muito difícil chegar até à praia” e passar pela segurança apertada dos postos de controlo.
Os perigos da viagem afastam-se do pensamento de quem aposta tudo numa vida melhor.
“Sabíamos as circunstâncias, sabíamos que as coisas são más nas mãos dos contrabandistas, [os riscos da] viagem e sobretudo o mar, mas não tínhamos outra opção senão tentar a nossa sorte. Quando fugimos de um país e decidimos fazer isto [atravessar o Mediterrâneo] pensamos que só temos uma vida, mas acreditamos que não temos outra opção a não ser chegar a um sítio melhor em vez de ficar a sofrer o que estávamos a sofrer”, resume, em tom pausado.
A partir daqui a história foi igual a tantas outras.
Navegaram três dias até que o barco ficou à deriva porque o motor deixou de funcionar, mas não foram informados sobre o que estava a acontecer “para evitar o pânico”.
Acabaram por ser socorridos por patrulhas italiana e maltesa, depois de contactarem activistas através do telefone satélite que alguém levava a bordo.
Mas as dificuldades não acabaram ao chegar a Malta. Passou por dois centros de detenção e esteve oito meses num centro aberto até ter documentos e licença para trabalhar. Entretanto iniciou um lento processo de pedido de asilo, ao abrigo do qual lhe foi atribuída protecção subsidiária (estatuto que concede protecção a cidadãos que não possam ser considerados refugiados, mas em relação aos quais existem motivos significativos para acreditar que, caso voltem para o seu país de origem, correm risco de sofrer ofensa grave).
“Estou muito grato ao governo de Malta por nos resgatarem e darem uma segunda oportunidade na vida, mas se pudesse escolher queria um país que me desse oportunidades melhores do que estou a ter aqui”, diz, explicando que lhe falta o sentimento de pertença.
“Sinto que não pertenço aqui. Esta protecção mantém-me num limbo (...) mesmo se trabalhar e pagar impostos não vou beneficiar de pensão se entrar na reforma vivendo em Malta. Este estatuto é estático e infrutífero, não sentimos que somos parte do país anfitrião onde vivemos, não importa quantos anos vivemos aqui. Não posso planear o meu futuro porque tenho limitações básicas”, lamenta.
Já passou por vários empregos e desde finais de 2016 trabalha como profissional de saúde num hospital.
Considera que a Europa devia ter “uma abordagem mais compreensiva” do fenómeno das migrações e lembra que os refugiados “pagam muito dinheiro” por uma viagem que não lhes dá quaisquer garantias e que os obriga a deixar para trás a família.
“Se pudéssemos encontrar uma forma de as pessoas que precisam de protecção viajarem legalmente para a Europa isso seria muito melhor. Os migrantes estavam mais seguros e não iam gastar dinheiro com os contrabandistas, não precisavam de embarcar numa viagem perigosa e alimentar o negócio do tráfico” de pessoas, sugere
Sium Yimeaghen gastou 3.600 dólares: pagou 1.200 dólares para viajar desde o Sudão num camião com 180 pessoas. Em Benghazi, na Líbia, foram-lhe cobrados mais 200 dólares e daí para Tripoli mais 600. Pela viagem de barco pediram mais 1.600 dólares.
Um negócio muito lucrativo para os contrabandistas que não vai ter fim se as regras não mudarem, pois “o problema da imigração nunca vai acabar”, antecipa.
O ex-professor da Eritreia garante que, se pudesse, voltaria ao seu país.
“A emigração não foi uma escolha, nunca seria nem nos meus sonhos mais loucos. Deixei o meu país porque fui obrigado e enquanto o actual governo se mantiver no poder não posso voltar”, diz, entristecido.