24.8.18

São reformadas que nunca perderam uma edição: eis as oito catedráticas de Vilar de Mouros

in JN

Faltavam dez minutos para a abertura de portas quando Manuela Barrocas e as sete amigas chegaram à entrada do festival Vilar de Mouros, esta quinta-feira à tarde. Manuela não é de Vilar de Mouros mas já lá mora "há 50 e tal anos". Já é mais de lá do que de qualquer outro lado. É ela a condutora de quatro das sete colegas, todas reformadas, quase todas festivaleiras desde a primeira edição.
Quando as portas abriram foram as primeiras a entrar. Não chegaram primeiro ao palco porque o passo já não permite e porque só foram ali de tarde para ver o ambiente. "Viemos com estas pulseiras que são da Junta, a Junta é que nos paga esta oportunidade", diz Custódia Maria Barreiros, de 89 anos, a mais experiente do grupo.

Custódia, como as amigas, sabe onde estava na mítica edição de 1971 que deu o nome de Woodstock português àquele festival do Alto Minho. "Praticamente não vim aqui porque estava com um filho que estava doente mas ouvia de lá de casa a música [de Elton John] e fiquei à janela". Foi o ano em que falhou e lembra-se disso. De resto, não perdeu mais nenhuma edição.
Ao lado, Ilda Vilarinho é das que tem mais histórias curiosas para contar. Primeiro frisa que o festival é bom para fugir à rotina parada da aldeia: "Isto é muito parado durante o ano e é a oportunidade que nós temos de conviver e sentir o reboliço da cidade, porque eu vivi bastantes anos em Lisboa".
A amiga, atrás, recorda que levou o filho ao primeiro festival em 1971 quando ele tinha quatro meses. "Agora tem quase 50", atira, para gáudio das restantes que acenam a cabeça. Ilda interrompe e continua a abrir o leque de histórias curiosas de Vilar de Mouros: "Em 1971 era tanta gente que a população não estava preparada, acabou-se a comida, as lojas fecharam com medo que as roubassem. Os campos ficaram dizimados, sem milho e sem fruta".

Em 1996, continua ainda, um grupo de jovens acampou no meio do milho sem que Ilda e a família reparassem. "O milho estava muito alto, eles avançaram o muro e acamparam lá no meio". A família só reparou quando, no fim do festival, encontrou os vestígios da ocupação festivaleira: "Fomos à quinta estava lá quilo tudo cheio de latas de atum, mas não estragaram nada".
Todas têm histórias para contar. Desde festivaleiros a fazerem barulho até à quatro da manhã, outros a pedirem água ou comida em desespero, até à simpatia com que acolhem quem vem de fora (uma até alugou casa a Diogo Marques, organizador, há dois anos), o grupo de catedráticas é unânime em reconhecer as vantagens do festival. "Prefiro que haja o festival a não se fazer nada", diz Ilda. "Com o festival vemos gente nova, outras coisas e é bom. Quando vim pela primeira vez era uma moça nova", recorda Deolinda Ramos.
Depois de 15 minutos a contarem histórias, o grupo despacha a equipa do JN. Querem deambular pelo festival porque vão embora cedo. Algumas têm um funeral mas asseguram que voltam à noite, depois do cortejo fúnebre e do jantar: "Vimos menino. Vimos de certeza, não estamos a brincar", assegura Manuela Barrocas, autointitulada porta-voz do grupo, enquanto as restantes se afastam de chapéu de palha e lenço cor-de-rosa, oferecidos à entrada.