Rita Siza Bruxelas, in Público on-line
Envelope financeiro nacional pode atingir 48,5 mil milhões de euros, somando as subvenções do próximo orçamento comunitário e do instrumento de recuperação “Próxima Geração UE”. É a maior dotação de sempre: em sete anos, país pode receber o equivalente a metade do total que já foi transferido de Bruxelas desde a adesão.
Se o pacote global para a recuperação e relançamento da economia europeia desenhado pela Comissão Europeia for aprovado tal qual foi apresentado, Portugal terá direito a um “rendimento mínimo garantido” de 19 milhões de euros por dia vindos de Bruxelas, a partir de Janeiro de 2021 e até ao final de 2027.
O país poderá beneficiar de um envelope financeiro global de 48,5 mil milhões de euros em subvenções, quando somados os valores das transferências ao abrigo do próximo quadro financeiro plurianual (QFP) e do futuro instrumento “Próxima Geração UE”, o ambicioso programa de recuperação que o executivo pretende criar, no valor de 750 mil milhões de euros, para suportar os investimentos e reformas necessárias para ultrapassar a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.
E este não é ainda um valor fechado, uma vez que tanto no âmbito dos programas competitivos de gestão centralizada do orçamento comunitário, como na estrutura do novo instrumento de recuperação e resiliência da UE, o país ainda pode ir buscar mais recursos através de empréstimos em condições favoráveis — só no novo mecanismo que financia a aceleração da retoma económica, estão disponíveis à partida mais 10 mil milhões de euros.
A confirmarem-se os números previstos tanto na proposta revista pela Comissão para o próximo orçamento plurianual, onde o envelope nacional se mantém nos 33 mil milhões de euros, como na tabela de pré-alocação das verbas do novo instrumento de recuperação, onde são atribuídos cerca de 26 mil milhões a Portugal, será a maior dotação de sempre. Desde a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, em 1986, o país recebeu em números redondos 100 mil milhões de euros a fundo perdido (transferências directas) de Bruxelas. Assim, poderá agora receber em sete anos cerca de metade do total dos últimos 34 anos.
Dificilmente a proposta da Comissão Europeia será aprovada sem alterações. Já se sabe que as negociações no Conselho Europeu vão ser difíceis, dadas as diferenças políticas profundas entre os países do Norte e do Sul, tanto em relação ao valor e à abrangência do quadro financeiro plurianual, como ao rácio previsto para a distribuição dos 750 mil milhões de euros do “Próxima Geração UE” (500 mil milhões em subvenções e 250 mil milhões em empréstimos) e os critérios de distribuição das verbas pelos programas comunitários.
No que diz respeito à solução encontrada para o financiamento deste novo Plano Marshall europeu, com a emissão de dívida conjunta pela Comissão contra garantias do orçamento comunitário, através de um aumento temporário do tecto dos recursos próprios, as resistências iniciais dos líderes do chamado grupo dos frugais foram ultrapassadas.
A última tentativa, levada a cabo em Fevereiro, para encontrar uma base mínima de consenso para um acordo para a aprovação do próximo orçamento comunitário falhou rotundamente, com os 27 líderes agarrados às suas posições de princípios e inflexíveis na negociação — quer dos cortes em políticas tradicionais como a coesão e a agricultura, quer do aumento do valor das contribuições nacionais para os cofres de Bruxelas.
As circunstâncias extraordinárias determinadas pela pandemia de coronavírus vieram, naturalmente, alterar as contas e os cálculos políticos. A revisão da proposta de orçamento comum avançado pela Comissão na quarta-feira (o seu documento original data de Maio de 2018, e nessa altura o problema bicudo a resolver era como tapar o buraco nas receitas deixado pela saída do Reino Unido da UE) não se distingue muito do exercício apresentado há três meses pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que foi rejeitado pelos líderes por ser ou muito prudente ou demasiado ambicioso.
Novos programas compensam cortes
Em termos de montante global, a Comissão oferece agora um valor apenas ligeiramente inferior ao que projectou em 2018 e ligeiramente superior ao que foi avançado por Charles Michel em Fevereiro: 1,1 biliões de euros para pagamentos. O executivo promoveu uma redistribuição das verbas pelos vários capítulos por onde se distribuem as despesas, acabando por exemplo por aumentar a dotação da Política Agrícola Comum (uma das reivindicações portuguesas) e por reduzir o envelope orçamental dedicado à política de coesão.
Mas esse corte, que no caso de Portugal levaria a uma perda de cerca de 1600 milhões no envelope da coesão face ao actual quadro, e que antes da pandemia o primeiro-ministro, António Costa designava como “totalmente inaceitável”, é mais do que compensado pelo financiamento extraordinário do programa de recuperação “Nova Geração”, complementar às verbas do QFP.
Utilizando só nos valores previstos para o capítulo Coesão e Valores — onde se encontra o Fundo Social Europeu e os fundos de coesão e desenvolvimento regional que sustentam 80% do investimento público em Portugal— o complemento do “Próxima Geração UE” quase triplica o orçamento disponível, dos 374,460 milhões de euros para os 984,460 milhões de euros.
O que quer dizer que num horizonte temporal mais limitado — o financiamento do “Próxima Geração UE”, no que diz respeito a subvenções, está concentrado nos anos de 2020, 21 e 22 (o instrumento termina a 31 de Dezembro de 2024) — vão poder ser acelerados um número de projectos e investimentos que provavelmente nunca seriam contemplados sem os montantes adicionais que o fundo de recuperação vai injectar nos diversos programas comunitários.
Voltando a olhar para o capítulo da Coesão e Valores, encontramos aí o novo instrumento para a recuperação e resiliência (ou RRF, na sigla em inglês) de 560 mil milhões de euros, no lugar antes ocupado pelo Instrumento Financeiro para a Convergência e Competitividade (ou BICC, na sigla em inglês), que teve um parto difícil no Eurogrupo e cujo desenho final mereceu as maiores críticas ao primeiro-ministro, António Costa, colocando-o em rota de colisão com Mário Centeno. Na sua proposta revista, a Comissão dá o golpe de misericórdia no BICC (que era para todos os efeitos, o embrião do muito reclamado orçamento da zona euro), mas como este só valia 19 mil milhões de euros, nenhum líder chorará sua perda.
Outra novidade é o instrumento de assistência para a coesão territorial ReactEU, de 50 mil milhões de euros, mas que a Comissão quer activar ainda no actual quadro financeiro, com um chamado “top up”, ou montante adicional, de cinco mil milhões de euros do envelope da política de coesão. Não existem, por enquanto, estimativas sobre os envelopes nacionais do ReactEU, uma vez que a Comissão pretende esperar pelos dados do primeiro semestre de 2020 (que serão conhecidos em Outubro) para construir uma chave de distribuição que reflicta os efeitos da crise.
Mais dinheiro para a transição justa
Quanto ao RRF, que é a peça central do “Próxima Geração UE”, já foi avançada a tabela da pré-alocação de verbas pelos 27 países, tanto para o financiamento a fundo perdido, como para o acesso à linha de crédito aberta pela Comissão. Para Portugal, o que está previsto é um envelope de 12,905 mil milhões de euros de subvenções e 9,164 mil milhões de euros de empréstimos.
Segundo explicou esta quinta-feira o vice-presidente executivo da Comissão, Valdis Dombrovskis, o recurso a este financiamento exigirá a apresentação de um plano nacional de recuperação e resiliência, com a identificação de calendários e metas e a explicação dos investimentos e reformas a implementar, e será numa base totalmente voluntária. O que quer dizer que, no limite, poderá haver Estados membros que se candidatem a subvenções mas não a empréstimos, ou a nada — se porventura entenderem que não necessitam de fazer reformas ou não estiverem interessados na supervisão de Bruxelas. Depois da aprovação dos planos, as transferências são realizadas por tranches, mediante o progresso na execução das medidas.
Como prevê o regulamento, esses planos terão de ser conformes com os objectivos dos programas nacionais de reformas e as recomendações específicas do Semestre Europeu (aliás, a sua apresentação está prevista para as datas dos ciclos de Primavera ou Outono), e ainda estar articulados com os respectivos planos territoriais de transição justa e os acordos de parceria e programas operacionais do quadro financeiro plurianual, isto é, a política de coesão e desenvolvimento rural.
Portugal também vai dispor de um envelope substancialmente superior no quadro do Fundo de Transição Justa, criado para apoiar a descarbonização da economia e a reconversão das regiões mais dependentes da exploração de recursos fósseis. A dotação original deste fundo era de 7,5 mil milhões de euros, mas a Comissão pretende reforçar o seu orçamento para os 40 mil milhões de euros, com recurso a parte do dinheiro do “Próxima Geração UE”.
Assim, em vez dos cerca de 80 milhões de euros que lhe estavam destinados, Portugal beneficiará de um total de 465 milhões, para sustentar os custos do encerramento das centrais termoeléctricas do Pego e de Sines, e ainda para acções de requalificação ambiental em torno das duas unidades petroquímicas de Sines e Matosinhos.
29.5.20
Madrid aprova rendimento mínimo vital para cerca de 2,3 milhões de pessoas
in Dinheiro Vivo
Este rendimento mínimo vai começar a ser pago pela Segurança Social espanhola já em junho a cerca de 100 mil agregados familiares.
O Governo espanhol aprovou esta sexta-feira a atribuição de um rendimento mínimo vital, entre 461 e 1 100 euros por mês, que deverá beneficiar 850 mil famílias, um total de cerca de 2,3 milhões de pessoas, que sofrem de pobreza extrema.
Este rendimento mínimo vai começar a ser pago pela Segurança Social espanhola já em junho a cerca de 100 mil agregados familiares e terá um custo anual de cerca de três mil milhões de euros. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, congratulou-se esta manhã, através da rede social Twitter, pela aprovação desta “medida histórica” que, segundo ele, é “um novo pilar” do “Estado Previdência, que fará de Espanha um país mais justo e solidário”.
O chefe do Governo já tinha explicado no passado fim de semana que esta ajuda é semelhante às que já existem noutros países europeus e que irá beneficiar quatro em cada cinco pessoas (80%) em Espanha que sofrem de pobreza extrema. O Ministro da Inclusão, Segurança Social e Migrações, José Luis Escrivá, avançou que poderão beneficiar deste rendimento mínimo, no total, cerca de 850 mil agregados familiares, que incluem 2,3 milhões de pessoas, metade das quais com filhos, e cujo rendimento por unidade de consumo é inferior a 230 euros por mês. A ajuda mensal será concedida tendo em conta o rendimento familiar, calculado com base no seu património líquido, menos a dívida e excluindo a residência habitual, embora tome em conta o valor da habitação.
A aprovação desta medida, estava incluída no programa de Governo minoritário entre o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o Unidas Podemos (extrema-esquerda). Várias comunidades autónomas espanholas já têm medidas de apoio deste tipo em vigor que agora são alargadas a nível nacional e multiplicam por três o número de beneficiários.
Este rendimento mínimo vai começar a ser pago pela Segurança Social espanhola já em junho a cerca de 100 mil agregados familiares.
O Governo espanhol aprovou esta sexta-feira a atribuição de um rendimento mínimo vital, entre 461 e 1 100 euros por mês, que deverá beneficiar 850 mil famílias, um total de cerca de 2,3 milhões de pessoas, que sofrem de pobreza extrema.
Este rendimento mínimo vai começar a ser pago pela Segurança Social espanhola já em junho a cerca de 100 mil agregados familiares e terá um custo anual de cerca de três mil milhões de euros. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, congratulou-se esta manhã, através da rede social Twitter, pela aprovação desta “medida histórica” que, segundo ele, é “um novo pilar” do “Estado Previdência, que fará de Espanha um país mais justo e solidário”.
O chefe do Governo já tinha explicado no passado fim de semana que esta ajuda é semelhante às que já existem noutros países europeus e que irá beneficiar quatro em cada cinco pessoas (80%) em Espanha que sofrem de pobreza extrema. O Ministro da Inclusão, Segurança Social e Migrações, José Luis Escrivá, avançou que poderão beneficiar deste rendimento mínimo, no total, cerca de 850 mil agregados familiares, que incluem 2,3 milhões de pessoas, metade das quais com filhos, e cujo rendimento por unidade de consumo é inferior a 230 euros por mês. A ajuda mensal será concedida tendo em conta o rendimento familiar, calculado com base no seu património líquido, menos a dívida e excluindo a residência habitual, embora tome em conta o valor da habitação.
A aprovação desta medida, estava incluída no programa de Governo minoritário entre o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o Unidas Podemos (extrema-esquerda). Várias comunidades autónomas espanholas já têm medidas de apoio deste tipo em vigor que agora são alargadas a nível nacional e multiplicam por três o número de beneficiários.
PSD quer reativar cantinas sociais e dar subsídios às famílias
Paula Sá, in DN
O líder do PSD apresentou esta quinta-feira um programa de emergência social, para responder à crise provocada pela pandemia de covid-19. Entre outras medidas, prevê-se a redução dos prazos para acesso ao subsídio de desemprego e subsídios eventuais às famílias para suprir perda de rendimentos.
Rui Rio avança com um programa de emergência social covid-19, com um conjunto de medidas que espera que o governo considere no seu plano de recuperação económica e social do país. O pagamento das dívidas ao setor social e solidário pela prestação de cuidados de saúde foi das primeiras defendidas neste "pacote". "É vital que o governo pague o que deve, senão a resposta será pior", disse o líder do PSD, realçando o papel das IPSS no apoio aos mais carenciados.
Ainda neste setor defendeu que o Estado deve promover a atualização extraordinária da comparticipação financeira da Segurança social relativa ao funcionamento dos equipamentos e serviços sociais para garantir a remuneração mínima mensal dos funcionários.
Rio defende também a reativação da rede solidária das cantinas sociais para "acudir à fome das famílias mais carenciadas" e com cobertura em todo o território nacional. O objetivo seria o de garantir o acesso a refeições diárias gratuitas em regime de take away para quem as conseguir cozinhar em casa e em espaços físicos para quem não tem essa possibilidade.
"É vital que o governo pague o que deve, senão a resposta será pior"
O programa prevê igualmente que possa vir a ser comparticipados os custos relacionados com a organização e desenvolvimento de projetos promovidos por grupos informais de cidadãos em regime de voluntariado, ao mesmo tempo que sejam incentivados o desenvolvimento desses projetos que sejam inovadores. A par da celebração de contratos locais de desenvolvimento social, instrumento considerado essencial para o combate à pobreza, em especial a infantil, e o envelhecimento.
Rui Rio quis também integrar neste programa uma preocupação especial com os sem abrigo e lembrou que essa é partilhada pelo Presidente da República. " À velocidade que a sociedade tem mudado impunha-se que este problema estivesse mais resolvido", defendeu. Pelo defende, entre outras coisas, "políticas articuladas de habitação" a esta população. Defendeu ainda o reforço do fundo de socorro social, que poderá prestar auxílio, entre outros, a famílias que se encontrem em situação de emergência social.
Apoio às famílias
No campo dos apoios às famílias, o PSD defende assim a redução dos prazos de garantia para aceder aos subsídios de desemprego e por cessação de atividade, tanto para trabalhadores a termo certo como incerto; o prolongamento do regime de lay-off até ao final do ano de 2020 "para as entidades empregadoras cujos setores de atividade tenham de permanecer encerrados por determinação legislativa ou administrativa, e ainda, para as entidades empregadoras que estejam com a sua atividade altamente reduzida em consequência da pandemia covid-19".
Está previsto um subsídio de caráter eventual às famílias, consubstanciado em prestações pecuniárias de natureza excional e transitória, destinados a colmatar situações de carência económica ou perda de rendimentos, nos seguintes domínios: Despesas com rendas; aquisição de bens e serviços de primeira necessidade nas áreas de alimentação, vestuário, habitação, saúde e transportes; aquisição de instrumentos de trabalho; aquisição de ajudas técnicas/produtos de apoio;
aquisição de computador ou tablet, para fins educativos; aquisição de outros bens e serviços ou realização de despesas consideradas necessárias após avaliação pelos serviços competentes da Segurança Social.
O PSD quer alargar igualmente a tarifa social de fornecimento de energia elétrica, em particular a famílias monoparentais, cujos rendimentos sejam iguais ou inferiores à remuneração mínima mensal garantida, ou seja, ao salário mínimo nacional. Defende também maior celeridade no pagamento dos subsídios sociais e familiares e das pensões. "Milhares de cidadãos esperam e desesperam pelo processamento e pagamento de subsídios e pensões. O Estado atrasa, adia, e não resolve!
É imperioso dar resposta rápida e eficaz, garantindo o pagamento pontual dos subsídios sociais e familiares, bem como, das pensões. Diminuir os tempos médios de processamento e pagamento deve ser prioridade da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões", refere o programa.
Reforçar o setor social
O PSD apostou ainda num conjunto de medidas estruturais de reforço da modernização do setor social e solidário, entre as quais a capacidade de no apoio ao domicílio serem integrados cuidados de saúde e de enfermagem; um aprofundamento da rede de cuidados continuados; a promoção dos projetos-piloto dos cuidadores informais; a alteração à Lei do Voluntariado, com valorização do tempo de apoio para efeitos de benefícios laborais e sociais.
O programa de emergência defende também uma revisão dos escalões do abono de família, alargando a base dos beneficiários; a ampliação da rede de creches e jardins de infância e a defesa do teletrabalho, com eventuais alterações ao Código do Trabalho.
O líder do PSD apresentou esta quinta-feira um programa de emergência social, para responder à crise provocada pela pandemia de covid-19. Entre outras medidas, prevê-se a redução dos prazos para acesso ao subsídio de desemprego e subsídios eventuais às famílias para suprir perda de rendimentos.
Rui Rio avança com um programa de emergência social covid-19, com um conjunto de medidas que espera que o governo considere no seu plano de recuperação económica e social do país. O pagamento das dívidas ao setor social e solidário pela prestação de cuidados de saúde foi das primeiras defendidas neste "pacote". "É vital que o governo pague o que deve, senão a resposta será pior", disse o líder do PSD, realçando o papel das IPSS no apoio aos mais carenciados.
Ainda neste setor defendeu que o Estado deve promover a atualização extraordinária da comparticipação financeira da Segurança social relativa ao funcionamento dos equipamentos e serviços sociais para garantir a remuneração mínima mensal dos funcionários.
Rio defende também a reativação da rede solidária das cantinas sociais para "acudir à fome das famílias mais carenciadas" e com cobertura em todo o território nacional. O objetivo seria o de garantir o acesso a refeições diárias gratuitas em regime de take away para quem as conseguir cozinhar em casa e em espaços físicos para quem não tem essa possibilidade.
"É vital que o governo pague o que deve, senão a resposta será pior"
O programa prevê igualmente que possa vir a ser comparticipados os custos relacionados com a organização e desenvolvimento de projetos promovidos por grupos informais de cidadãos em regime de voluntariado, ao mesmo tempo que sejam incentivados o desenvolvimento desses projetos que sejam inovadores. A par da celebração de contratos locais de desenvolvimento social, instrumento considerado essencial para o combate à pobreza, em especial a infantil, e o envelhecimento.
Rui Rio quis também integrar neste programa uma preocupação especial com os sem abrigo e lembrou que essa é partilhada pelo Presidente da República. " À velocidade que a sociedade tem mudado impunha-se que este problema estivesse mais resolvido", defendeu. Pelo defende, entre outras coisas, "políticas articuladas de habitação" a esta população. Defendeu ainda o reforço do fundo de socorro social, que poderá prestar auxílio, entre outros, a famílias que se encontrem em situação de emergência social.
Apoio às famílias
No campo dos apoios às famílias, o PSD defende assim a redução dos prazos de garantia para aceder aos subsídios de desemprego e por cessação de atividade, tanto para trabalhadores a termo certo como incerto; o prolongamento do regime de lay-off até ao final do ano de 2020 "para as entidades empregadoras cujos setores de atividade tenham de permanecer encerrados por determinação legislativa ou administrativa, e ainda, para as entidades empregadoras que estejam com a sua atividade altamente reduzida em consequência da pandemia covid-19".
Está previsto um subsídio de caráter eventual às famílias, consubstanciado em prestações pecuniárias de natureza excional e transitória, destinados a colmatar situações de carência económica ou perda de rendimentos, nos seguintes domínios: Despesas com rendas; aquisição de bens e serviços de primeira necessidade nas áreas de alimentação, vestuário, habitação, saúde e transportes; aquisição de instrumentos de trabalho; aquisição de ajudas técnicas/produtos de apoio;
aquisição de computador ou tablet, para fins educativos; aquisição de outros bens e serviços ou realização de despesas consideradas necessárias após avaliação pelos serviços competentes da Segurança Social.
O PSD quer alargar igualmente a tarifa social de fornecimento de energia elétrica, em particular a famílias monoparentais, cujos rendimentos sejam iguais ou inferiores à remuneração mínima mensal garantida, ou seja, ao salário mínimo nacional. Defende também maior celeridade no pagamento dos subsídios sociais e familiares e das pensões. "Milhares de cidadãos esperam e desesperam pelo processamento e pagamento de subsídios e pensões. O Estado atrasa, adia, e não resolve!
É imperioso dar resposta rápida e eficaz, garantindo o pagamento pontual dos subsídios sociais e familiares, bem como, das pensões. Diminuir os tempos médios de processamento e pagamento deve ser prioridade da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões", refere o programa.
Reforçar o setor social
O PSD apostou ainda num conjunto de medidas estruturais de reforço da modernização do setor social e solidário, entre as quais a capacidade de no apoio ao domicílio serem integrados cuidados de saúde e de enfermagem; um aprofundamento da rede de cuidados continuados; a promoção dos projetos-piloto dos cuidadores informais; a alteração à Lei do Voluntariado, com valorização do tempo de apoio para efeitos de benefícios laborais e sociais.
O programa de emergência defende também uma revisão dos escalões do abono de família, alargando a base dos beneficiários; a ampliação da rede de creches e jardins de infância e a defesa do teletrabalho, com eventuais alterações ao Código do Trabalho.
“Se a União Europeia não tiver uma resposta à altura, não serve aos povos europeus”
in Esquerda.net
Na sessão online "Europa, ontem e hoje", Marisa Matias e José Gusmão fizeram um balanço do trabalho realizado no primeiro ano deste mandato no Parlamento Europeu e refletiram sobre as respostas europeias à crise da covid-19.
No dia exato em que se completou um ano desde as eleições para o Parlamento Europeu, Sérgio Aires conduziu uma conversa onde as respostas da União Europeia à crise atual e o trabalho concreto dos eurodeputados bloquistas foram os motes. O sociólogo introduziu o problema de uma Europa que “continua a titubear” e quis saber também que “oportunidades para a mudança” de um projeto que “estava claramente na estrada errada”.
Em resposta, Marisa Matias começou por refletir sobre a dimensão de uma crise que, “independentemente de termos vivido crises muito graves”, tem “contornos sem precedentes”. Apesar de já conseguirmos perceber que houve um “crescimento enorme das desigualdade”, ainda “não conseguimos perceber qual o impacto" total que causará.
Apesar dessa incógnita, há algumas certezas, prosseguiu Marisa “As respostas que tivemos para as anteriores crises foram insuficientes” e “este é o momento da verdade” para a UE: “se a União Europeia não tiver uma resposta à altura, não serve aos povos europeus”.
Crise expôs a “enorme contradição no discurso europeu”
"A solidariedade da União Europeia vem com juros no presente e cortes no futuro”
Para José Gusmão, o momento tratou de agudizar problemas e trazer à tona uma “enorme contradição no discurso europeu”. O eurodeputado apresentou dois exemplos: o da Comissão Europeia, “que andou durante muitos anos e com particular intensidade durante o programa de ajustamento da troika, mas até mais recentemente” a exigir cortes no investimento público e particularmente no Serviço Nacional de Saúde, falar agora nas carências dos cuidados de saúde. Outro exemplo de “posições um bocadinho inusitadas” é o do ex-ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que veio dizer que “assentar uma resposta económica com base em instrumentos de dívida” seria “apoiar os países com pedras em vez de pão”.
José Gusmão concorda que os debates que agora estão a ser feitos são “debates de sobrevivência” para a União Europeia, mas introduz-lhes também uma outra dimensão política para além da económica: “se não tivermos uma resposta solidária, as consequências vão muito para lá da economia” porque está “em causa a democracia”, podendo resultar num “governo fascista em Itália” ou num “governo com a extrema-direita em Espanha”.
A Alemanha é mais igual do que nós
Para não entrar neste caminho, há que ter “perspetivas de futuro” continua Marisa Matias. Isso passa por sublinhar “que há alternativas” e repetir que “a política serve para fazer escolhas” e que as pessoas não estão condenadas a inevitabilidades. Isto apesar de, na sua génese, a União Europeia “não ter capacidade de resposta”, como o prova o facto de “uma das primeiras coisas que se fez” para combater esta crise foi suspender tratados europeus.
Investimento foi público, mas não se sabe "qual vai ser a propriedade” da futura vacina
A eurodeputada aproveitou para falar em dossiers que tem em mãos como os direitos humanos, a propósito dos quais mencionou a notícia de que uma embarcação portuguesa salvou cem pessoas para depois as devolver a um país não seguro como a Líbia. Algo “que não devia ser feito” mas que o “quadro legal europeu incentiva”, com a eliminação da possibilidade de resgate e a criminalização das organizações humanitárias que o fazem no Mediterrâneo.
Covid-19: "Não podemos depender nem do financiamento privado nem da investigação privada”
Sem esquecer a resposta às alterações climáticas e um Green New Deal e do reforço e defesa dos serviços públicos, nomeadamente da centralidade do Serviço Nacional de Saúde, a dirigente bloquista destacou que a crise também mostrou que a crise também mostrou “a centralidade da investigação científica”, a necessidade de “mais financiamento e reforçar as condições de trabalho de quem faz ciência”. Nesta altura “houve reforço das verbas” e flexibilidade no financiamento de projetos mas em que “apesar do dinheiro ter sido público” não sabemos “qual vai ser a propriedade” de uma futura vacina e tratamentos para a covid-19 ou se o acesso “vai ser universal”.
Aproveitando o tema da saúde, foi então a vez de José Gusmão continuar a falar sobre a perspetiva económica. Esta crise trouxe, “ao contrário da anterior crise, um reconhecimento da importância de todas as políticas económicas públicas”. Há agora um “consenso” de que “os serviços públicos de saúde são da maior importância”, sublinhou o eurodeputado.
Por outro lado, vivemos um momento em que “países defensores da austeridade”, como a Alemanha, estão hoje a implementar respostas que são o contrário do que defenderam para outras economias ao aplicar um enorme pacote anti-cíclico.
Sistema financeiro quer aproveitar crise "para diluir o já muito fraco quadro regulatorio”
Marisa quer ver António Costa ao lado da "proposta ambiciosa" de Madrid
Mas esse “consenso”, prosseguiu Gusmão, não chegou à questão do fundo de cooperação, onde se partiu de uma “proposta muito boa do governo espanhol” e que tinha “potencial de dar resposta económica que era necessária” mas que foi sendo “gradualmente reduzida”.
Para além destas questões que estão na ordem do dia, o eurodeputado alerta para as “medidas que estão a ser discretamente propostas”, nomeadamente as “relacionadas com o sistema financeiro” que vê a crise “como oportunidade para diluir o já muito fraco quadro regulatorio” com o argumento do dinheiro supostamente ir acabar por “chegar à economia real”.
Também longe das atenções do momento, mas “particularmente relevante no momento da crise”, é o problema da fiscalidade. De acordo com o dirigente bloquista, uma região que não tenha mecanismos para combater o dumping fiscal” vai fazer os impostos recair cada vez mais sobre “quem vive do seu trabalho”.
Sem resposta comum, solução “tem de passar pela recuperação de áreas de soberania”
Outro problema económico que não está, para já, na agenda do dia mas que é fundamental é a forma como a crise vai afetar os direitos do trabalho. Isto porque a crise anterior redundou num “ataque sem precedentes aos direitos do trabalho”. Teme-se a possibilidade de que os mecanismos de apoio europeus venham acompanhados de “condições ruinosas”, ou seja, venham com a condicionalidade da redução deste tipo de direitos.
Para José Gusmão, os “países da coesão” têm pela frente o desafio da articulação entre si para tomar “posições de força” face aos países que querem apenas beneficiar das regras europeias como por exemplo “ter moeda mais fraca do que a que teriam” e com isso lucrar. Se não houver uma resposta comum europeia, a solução “tem de passar pela recuperação de áreas de soberania”. A pior das alternativas é “a cedência em toda a linha” destes países face às posições austeritárias.
Os desprotegidos têm de estar no centro do debate
Em seguida, Marisa Matias quis lembrar como “a crise afeta de forma mais vincada não só as pessoas mais desprotegidas mas também os setores mais desprotegidos” e que estes têm de estar “no centro do debate”. Exemplo claro desta desproteção é a precariedade, mas no campo laboral também se colocam neste momento questões sobre o teletrabalho e como este reduz salários que já são “muito baixos”. Além disso, “sem creches públicas” o teletrabalho “acaba por ser um inferno”.
Apoio à Cultura: Marisa Matias e José Gusmão subscrevem carta à Comissão Europeia
A eurodeputada trouxe a debate outros setores desprotegidos como o setor cultural e criativo e áreas e questões com menor visibilidade. Um exemplo é a forma como os problemas de habitação impossibilitam o distanciamento físico que foi preconizado para combater a pandemia.
Para além disso, há que pensar o combate às alterações climáticas e consequentemente “setores produtivos inteiros” e “uma resposta agrícola mais decente” que aposte, por exemplo, “nos circuitos curtos de produção” e na soberania alimentar. Se não forem dadas respostas “mais peso pode recair no lado dos populismos”.
Sérgio Aires fez questão de notar que a crise da covid-19 foi acompanhada de uma “invisibilidade sobre que se passa no resto do mundo”. E, “de um dia para o outro, deixou-se de falar de refugiados” e ataques a direitos humanos, “ficámos monotemáticos” porque houve dias sem informação televisiva que não fosse sobre a pandemia.
Marisa Matias acompanhou esta preocupação somando, como exemplos de invisibilidade nesta altura, as pessoas portadoras de deficiências, os cuidadores informais.
Era importante que a crise quebrasse os grandes tabus da política económica europeia
Para terminar, José Gusmão voltou à “questão central da resposta económica que tem “colocado em cima da mesa uma série de tabus”, como a mutualização da dívida, e disfunções da União Europeia como “a proibição do financiamento direto do Banco Central Europeu a Estados-membros sem intervenção do sistema financeiro” e o “financiamento monetário”. Para ele, era “importante que a crise abrisse algumas janelas” do ponto de vista destes tabus “para os quebrar”.
José Gusmão é relator para Iniciativa Legislativa Europeia sobre o Direito a Desligar
E insistiu, mais uma vez, na questão desregulação dos direitos do trabalho promovida pela Comissão Europeia, trazendo à baila um dos dossiers em que começou a trabalhar ainda antes da crise, o direito a desligar, que “de repente ganhou um relevo” relacionado com o que aconteceu com o teletrabalho e com a sua “fábula da conciliação do trabalho com a vida familiar” que é na verdade desregulação de direitos, a começar pelo horário de trabalho.
O dirigente bloquista também quis ponderar “o fator de distração” envolvido na crise da covid-19 que deixa os mais desprotegidos mais vulneráveis. A um nível interno mas também internacional: “muitos dos autoritários aproveitam para fazer o que já queriam como Israel na Palestina e Bolsonaro na Amazónia”. Por isso, um dos desafios da esquerda será “como responder a esta crise sem ser vítima deste potencial de distração” e como ultrapassá-la não com base na ideia de um “regresso ao passado” mas de uma “economia e sociedades diferentes”.
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Na sessão online "Europa, ontem e hoje", Marisa Matias e José Gusmão fizeram um balanço do trabalho realizado no primeiro ano deste mandato no Parlamento Europeu e refletiram sobre as respostas europeias à crise da covid-19.
No dia exato em que se completou um ano desde as eleições para o Parlamento Europeu, Sérgio Aires conduziu uma conversa onde as respostas da União Europeia à crise atual e o trabalho concreto dos eurodeputados bloquistas foram os motes. O sociólogo introduziu o problema de uma Europa que “continua a titubear” e quis saber também que “oportunidades para a mudança” de um projeto que “estava claramente na estrada errada”.
Em resposta, Marisa Matias começou por refletir sobre a dimensão de uma crise que, “independentemente de termos vivido crises muito graves”, tem “contornos sem precedentes”. Apesar de já conseguirmos perceber que houve um “crescimento enorme das desigualdade”, ainda “não conseguimos perceber qual o impacto" total que causará.
Apesar dessa incógnita, há algumas certezas, prosseguiu Marisa “As respostas que tivemos para as anteriores crises foram insuficientes” e “este é o momento da verdade” para a UE: “se a União Europeia não tiver uma resposta à altura, não serve aos povos europeus”.
Crise expôs a “enorme contradição no discurso europeu”
"A solidariedade da União Europeia vem com juros no presente e cortes no futuro”
Para José Gusmão, o momento tratou de agudizar problemas e trazer à tona uma “enorme contradição no discurso europeu”. O eurodeputado apresentou dois exemplos: o da Comissão Europeia, “que andou durante muitos anos e com particular intensidade durante o programa de ajustamento da troika, mas até mais recentemente” a exigir cortes no investimento público e particularmente no Serviço Nacional de Saúde, falar agora nas carências dos cuidados de saúde. Outro exemplo de “posições um bocadinho inusitadas” é o do ex-ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que veio dizer que “assentar uma resposta económica com base em instrumentos de dívida” seria “apoiar os países com pedras em vez de pão”.
José Gusmão concorda que os debates que agora estão a ser feitos são “debates de sobrevivência” para a União Europeia, mas introduz-lhes também uma outra dimensão política para além da económica: “se não tivermos uma resposta solidária, as consequências vão muito para lá da economia” porque está “em causa a democracia”, podendo resultar num “governo fascista em Itália” ou num “governo com a extrema-direita em Espanha”.
A Alemanha é mais igual do que nós
Para não entrar neste caminho, há que ter “perspetivas de futuro” continua Marisa Matias. Isso passa por sublinhar “que há alternativas” e repetir que “a política serve para fazer escolhas” e que as pessoas não estão condenadas a inevitabilidades. Isto apesar de, na sua génese, a União Europeia “não ter capacidade de resposta”, como o prova o facto de “uma das primeiras coisas que se fez” para combater esta crise foi suspender tratados europeus.
Investimento foi público, mas não se sabe "qual vai ser a propriedade” da futura vacina
A eurodeputada aproveitou para falar em dossiers que tem em mãos como os direitos humanos, a propósito dos quais mencionou a notícia de que uma embarcação portuguesa salvou cem pessoas para depois as devolver a um país não seguro como a Líbia. Algo “que não devia ser feito” mas que o “quadro legal europeu incentiva”, com a eliminação da possibilidade de resgate e a criminalização das organizações humanitárias que o fazem no Mediterrâneo.
Covid-19: "Não podemos depender nem do financiamento privado nem da investigação privada”
Sem esquecer a resposta às alterações climáticas e um Green New Deal e do reforço e defesa dos serviços públicos, nomeadamente da centralidade do Serviço Nacional de Saúde, a dirigente bloquista destacou que a crise também mostrou que a crise também mostrou “a centralidade da investigação científica”, a necessidade de “mais financiamento e reforçar as condições de trabalho de quem faz ciência”. Nesta altura “houve reforço das verbas” e flexibilidade no financiamento de projetos mas em que “apesar do dinheiro ter sido público” não sabemos “qual vai ser a propriedade” de uma futura vacina e tratamentos para a covid-19 ou se o acesso “vai ser universal”.
Aproveitando o tema da saúde, foi então a vez de José Gusmão continuar a falar sobre a perspetiva económica. Esta crise trouxe, “ao contrário da anterior crise, um reconhecimento da importância de todas as políticas económicas públicas”. Há agora um “consenso” de que “os serviços públicos de saúde são da maior importância”, sublinhou o eurodeputado.
Por outro lado, vivemos um momento em que “países defensores da austeridade”, como a Alemanha, estão hoje a implementar respostas que são o contrário do que defenderam para outras economias ao aplicar um enorme pacote anti-cíclico.
Sistema financeiro quer aproveitar crise "para diluir o já muito fraco quadro regulatorio”
Marisa quer ver António Costa ao lado da "proposta ambiciosa" de Madrid
Mas esse “consenso”, prosseguiu Gusmão, não chegou à questão do fundo de cooperação, onde se partiu de uma “proposta muito boa do governo espanhol” e que tinha “potencial de dar resposta económica que era necessária” mas que foi sendo “gradualmente reduzida”.
Para além destas questões que estão na ordem do dia, o eurodeputado alerta para as “medidas que estão a ser discretamente propostas”, nomeadamente as “relacionadas com o sistema financeiro” que vê a crise “como oportunidade para diluir o já muito fraco quadro regulatorio” com o argumento do dinheiro supostamente ir acabar por “chegar à economia real”.
Também longe das atenções do momento, mas “particularmente relevante no momento da crise”, é o problema da fiscalidade. De acordo com o dirigente bloquista, uma região que não tenha mecanismos para combater o dumping fiscal” vai fazer os impostos recair cada vez mais sobre “quem vive do seu trabalho”.
Sem resposta comum, solução “tem de passar pela recuperação de áreas de soberania”
Outro problema económico que não está, para já, na agenda do dia mas que é fundamental é a forma como a crise vai afetar os direitos do trabalho. Isto porque a crise anterior redundou num “ataque sem precedentes aos direitos do trabalho”. Teme-se a possibilidade de que os mecanismos de apoio europeus venham acompanhados de “condições ruinosas”, ou seja, venham com a condicionalidade da redução deste tipo de direitos.
Para José Gusmão, os “países da coesão” têm pela frente o desafio da articulação entre si para tomar “posições de força” face aos países que querem apenas beneficiar das regras europeias como por exemplo “ter moeda mais fraca do que a que teriam” e com isso lucrar. Se não houver uma resposta comum europeia, a solução “tem de passar pela recuperação de áreas de soberania”. A pior das alternativas é “a cedência em toda a linha” destes países face às posições austeritárias.
Os desprotegidos têm de estar no centro do debate
Em seguida, Marisa Matias quis lembrar como “a crise afeta de forma mais vincada não só as pessoas mais desprotegidas mas também os setores mais desprotegidos” e que estes têm de estar “no centro do debate”. Exemplo claro desta desproteção é a precariedade, mas no campo laboral também se colocam neste momento questões sobre o teletrabalho e como este reduz salários que já são “muito baixos”. Além disso, “sem creches públicas” o teletrabalho “acaba por ser um inferno”.
Apoio à Cultura: Marisa Matias e José Gusmão subscrevem carta à Comissão Europeia
A eurodeputada trouxe a debate outros setores desprotegidos como o setor cultural e criativo e áreas e questões com menor visibilidade. Um exemplo é a forma como os problemas de habitação impossibilitam o distanciamento físico que foi preconizado para combater a pandemia.
Para além disso, há que pensar o combate às alterações climáticas e consequentemente “setores produtivos inteiros” e “uma resposta agrícola mais decente” que aposte, por exemplo, “nos circuitos curtos de produção” e na soberania alimentar. Se não forem dadas respostas “mais peso pode recair no lado dos populismos”.
Sérgio Aires fez questão de notar que a crise da covid-19 foi acompanhada de uma “invisibilidade sobre que se passa no resto do mundo”. E, “de um dia para o outro, deixou-se de falar de refugiados” e ataques a direitos humanos, “ficámos monotemáticos” porque houve dias sem informação televisiva que não fosse sobre a pandemia.
Marisa Matias acompanhou esta preocupação somando, como exemplos de invisibilidade nesta altura, as pessoas portadoras de deficiências, os cuidadores informais.
Era importante que a crise quebrasse os grandes tabus da política económica europeia
Para terminar, José Gusmão voltou à “questão central da resposta económica que tem “colocado em cima da mesa uma série de tabus”, como a mutualização da dívida, e disfunções da União Europeia como “a proibição do financiamento direto do Banco Central Europeu a Estados-membros sem intervenção do sistema financeiro” e o “financiamento monetário”. Para ele, era “importante que a crise abrisse algumas janelas” do ponto de vista destes tabus “para os quebrar”.
José Gusmão é relator para Iniciativa Legislativa Europeia sobre o Direito a Desligar
E insistiu, mais uma vez, na questão desregulação dos direitos do trabalho promovida pela Comissão Europeia, trazendo à baila um dos dossiers em que começou a trabalhar ainda antes da crise, o direito a desligar, que “de repente ganhou um relevo” relacionado com o que aconteceu com o teletrabalho e com a sua “fábula da conciliação do trabalho com a vida familiar” que é na verdade desregulação de direitos, a começar pelo horário de trabalho.
O dirigente bloquista também quis ponderar “o fator de distração” envolvido na crise da covid-19 que deixa os mais desprotegidos mais vulneráveis. A um nível interno mas também internacional: “muitos dos autoritários aproveitam para fazer o que já queriam como Israel na Palestina e Bolsonaro na Amazónia”. Por isso, um dos desafios da esquerda será “como responder a esta crise sem ser vítima deste potencial de distração” e como ultrapassá-la não com base na ideia de um “regresso ao passado” mas de uma “economia e sociedades diferentes”.
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CGTP e UGT defendem totalidade do salário em lay-off para travar pobreza
Por Notícias ao Minuto
A CGTP reafirmou hoje junto do Governo a necessidade de defender todos os empregos e as remunerações dos trabalhadores para evitar que estes continuem a empobrecer face à crise económica causada pela pandemia. No mesmo sentido, a UGT defendeu que os trabalhadores devem receber pelo menos quatro quintos do salário.
"Aproveitámos a reunião com o primeiro-ministro para fazer uma avaliação das medidas de apoio às empresas e aos trabalhadores que estão em vigor e reafirmámos a necessidade de salvaguardar todos os empregos, independentemente do vínculo, e a totalidade das remunerações, para acabar com a pobreza dos trabalhadores", disse à agência Lusa a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, no final de um encontro com António Costa.
Para a sindicalista é inaceitável que milhares trabalhadores tenham de recorrer ao apoio do Banco Alimentar ou outras instituições de solidariedade porque estão em 'lay-off' e perderam um terço da sua remuneração.
"Quaisquer medidas que venham a ser tomadas não podem manter os cortes nas remunerações, até porque se os trabalhadores mantiverem o seu poder de compra contribuem para o aumento do consumo interno, tão necessário nesta fase", afirmou.
A CGTP defendeu ainda junto do primeiro-ministro a necessidade de ser garantido às pequenas empresas os apoios necessários à sua sobrevivência e dos seus postos de trabalho.
"São necessárias medidas mais adequadas, para evitar a repetição da atual situação, em que um terço das verbas gastas com o 'lay-off' está a ser canalizada para grandes empresas, que se estão a aproveitar dos apoios do Estado" (Isabel Camarinha)
O primeiro-ministro ouviu hoje os parceiros sociais para recolher contributos para o Programa de Estabilização Económica e Social.
UGT quer aumento da remuneração de trabalhadores em 'lay-off'
Antes, a UGT, pela voz de Carlos Silva, defendeu também que os trabalhadores devem receber pelo menos quatro quintos do salário, pago a meias pelas empresas e pela Segurança Social, num cenário de prolongamento do 'lay-off', e que todos os desempregados devem receber um apoio.
"Viemos dizer ao primeiro-ministro que nenhum trabalhador pode ficar para trás e que os trabalhadores devem ter uma situação equitativa relativamente às empresas", disse o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, aos jornalistas, no final de uma reunião com António Costa.
A UGT defendeu junto do primeiro-ministro que, caso haja uma segunda vaga de 'lay-off' simplificado (suspensão temporária dos contratos de trabalho), os trabalhadores não podem continuar a perder rendimento - no regime em vigor recebem dois terços da remuneração.
"Não nos passa pela cabeça que, caso esta medida seja prolongada até setembro ou até ao final do ano, os trabalhadores continuem com uma redução de um terço na sua remuneração. O ideal seria que recebessem os 100%, mas, tendo em conta as condicionantes económicas, que recebam pelo menos quatro quintos do salário" (Carlos Silva)
Ao mesmo tempo as empresas devem contribuir mais, passando a pagar metade da retribuição dos trabalhadores em 'lay-off', segundo a UGT, para evitar a descapitalização da Segurança Social, que atualmente assegura 70% dessa remuneração.
Segundo Carlos Silva, a UGT defendeu ainda junto do primeiro-ministro que todos os trabalhadores que perderam o emprego devem ser apoiados, ou com medidas ativas de emprego, nomeadamente formação profissional, ou com um rendimento mínimo.
"Todos os trabalhadores que ficaram no desemprego e que não reúnem os requisitos necessários para aceder ao respetivo subsídio devem receber pelo menos o valor do Indexante de Apoios Sociais, cerca de 438 euros", disse Carlos Silva, acrescentando que o Governo não fechou a porta a esta sugestão.
A UGT levou ao Governo um documento com contributos para o Programa de Estabilização Económica e Social, onde defende a valorização dos rendimentos das famílias, maior proteção social para as vítimas da crise causada pela pandemia, maior equidade nos apoios relativamente aos que são atribuídos às empresas, nomeadamente o alívio das obrigações fiscais.
No documento, a central sindical reivindica a revisão do regime de 'lay-off' simplificado, se o governo optar pela sua prorrogação, com "critérios e exigências diferentes, sustentado em princípios de concentração e de seletividade, ausentes nesta primeira fase".
"Lay-off tem de evoluir" para modelo diferente
À saída dos encontros, o primeiro-ministro destapou o véu do programa de estabilização que o Governo quer aprovar na próxima semana, adiantando, nomeadamente, que o lay-off - medida que já permitiu até ao momento preservar mais de 800 mil trabalho -, "tem de evoluir a partir do final de junho de forma a que não seja um incentivo negativo (...) e para não ser um instrumento penalizador do rendimento dos trabalhadores, disse.
Embora se trate de um instrumento eficaz, este tem, progressivamente, "deixar de ser um factor de perda do rendimento dos trabalhadores", reforçou. Questionado sobre se a continuidade do lay-off não poderá colocar a sustentabilidade da Segurança Social em causa, o primeiro-ministro disse que não, justificando que esta é uma medida suportada pelo Orçamento do Estado.
De todos recebi propostas interessantes, que merecem a melhor atenção da parte do Governo, e que servirão de inspiração e contributo para o programa que iremos elaborar
O primeiro-ministro enalteceu ainda a audição com os partidos, parceiros sociais e confederações do setor social. "De todos recebi propostas interessantes, que merecem a melhor atenção da parte do Governo, e que servirão de inspiração e contributo para o programa que iremos elaborar". Um programa que "tem uma dimensão de medidas de natureza política, de natureza legislativas e tem também consequências financeiras", sendo por isso um programa que "enquadrará aquilo que será o orçamento suplementar" que o Governo irá apresentar na AR na primeira quinzena de junho, concluiu.
A CGTP reafirmou hoje junto do Governo a necessidade de defender todos os empregos e as remunerações dos trabalhadores para evitar que estes continuem a empobrecer face à crise económica causada pela pandemia. No mesmo sentido, a UGT defendeu que os trabalhadores devem receber pelo menos quatro quintos do salário.
"Aproveitámos a reunião com o primeiro-ministro para fazer uma avaliação das medidas de apoio às empresas e aos trabalhadores que estão em vigor e reafirmámos a necessidade de salvaguardar todos os empregos, independentemente do vínculo, e a totalidade das remunerações, para acabar com a pobreza dos trabalhadores", disse à agência Lusa a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, no final de um encontro com António Costa.
Para a sindicalista é inaceitável que milhares trabalhadores tenham de recorrer ao apoio do Banco Alimentar ou outras instituições de solidariedade porque estão em 'lay-off' e perderam um terço da sua remuneração.
"Quaisquer medidas que venham a ser tomadas não podem manter os cortes nas remunerações, até porque se os trabalhadores mantiverem o seu poder de compra contribuem para o aumento do consumo interno, tão necessário nesta fase", afirmou.
A CGTP defendeu ainda junto do primeiro-ministro a necessidade de ser garantido às pequenas empresas os apoios necessários à sua sobrevivência e dos seus postos de trabalho.
"São necessárias medidas mais adequadas, para evitar a repetição da atual situação, em que um terço das verbas gastas com o 'lay-off' está a ser canalizada para grandes empresas, que se estão a aproveitar dos apoios do Estado" (Isabel Camarinha)
O primeiro-ministro ouviu hoje os parceiros sociais para recolher contributos para o Programa de Estabilização Económica e Social.
UGT quer aumento da remuneração de trabalhadores em 'lay-off'
Antes, a UGT, pela voz de Carlos Silva, defendeu também que os trabalhadores devem receber pelo menos quatro quintos do salário, pago a meias pelas empresas e pela Segurança Social, num cenário de prolongamento do 'lay-off', e que todos os desempregados devem receber um apoio.
"Viemos dizer ao primeiro-ministro que nenhum trabalhador pode ficar para trás e que os trabalhadores devem ter uma situação equitativa relativamente às empresas", disse o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, aos jornalistas, no final de uma reunião com António Costa.
A UGT defendeu junto do primeiro-ministro que, caso haja uma segunda vaga de 'lay-off' simplificado (suspensão temporária dos contratos de trabalho), os trabalhadores não podem continuar a perder rendimento - no regime em vigor recebem dois terços da remuneração.
"Não nos passa pela cabeça que, caso esta medida seja prolongada até setembro ou até ao final do ano, os trabalhadores continuem com uma redução de um terço na sua remuneração. O ideal seria que recebessem os 100%, mas, tendo em conta as condicionantes económicas, que recebam pelo menos quatro quintos do salário" (Carlos Silva)
Ao mesmo tempo as empresas devem contribuir mais, passando a pagar metade da retribuição dos trabalhadores em 'lay-off', segundo a UGT, para evitar a descapitalização da Segurança Social, que atualmente assegura 70% dessa remuneração.
Segundo Carlos Silva, a UGT defendeu ainda junto do primeiro-ministro que todos os trabalhadores que perderam o emprego devem ser apoiados, ou com medidas ativas de emprego, nomeadamente formação profissional, ou com um rendimento mínimo.
"Todos os trabalhadores que ficaram no desemprego e que não reúnem os requisitos necessários para aceder ao respetivo subsídio devem receber pelo menos o valor do Indexante de Apoios Sociais, cerca de 438 euros", disse Carlos Silva, acrescentando que o Governo não fechou a porta a esta sugestão.
A UGT levou ao Governo um documento com contributos para o Programa de Estabilização Económica e Social, onde defende a valorização dos rendimentos das famílias, maior proteção social para as vítimas da crise causada pela pandemia, maior equidade nos apoios relativamente aos que são atribuídos às empresas, nomeadamente o alívio das obrigações fiscais.
No documento, a central sindical reivindica a revisão do regime de 'lay-off' simplificado, se o governo optar pela sua prorrogação, com "critérios e exigências diferentes, sustentado em princípios de concentração e de seletividade, ausentes nesta primeira fase".
"Lay-off tem de evoluir" para modelo diferente
À saída dos encontros, o primeiro-ministro destapou o véu do programa de estabilização que o Governo quer aprovar na próxima semana, adiantando, nomeadamente, que o lay-off - medida que já permitiu até ao momento preservar mais de 800 mil trabalho -, "tem de evoluir a partir do final de junho de forma a que não seja um incentivo negativo (...) e para não ser um instrumento penalizador do rendimento dos trabalhadores, disse.
Embora se trate de um instrumento eficaz, este tem, progressivamente, "deixar de ser um factor de perda do rendimento dos trabalhadores", reforçou. Questionado sobre se a continuidade do lay-off não poderá colocar a sustentabilidade da Segurança Social em causa, o primeiro-ministro disse que não, justificando que esta é uma medida suportada pelo Orçamento do Estado.
De todos recebi propostas interessantes, que merecem a melhor atenção da parte do Governo, e que servirão de inspiração e contributo para o programa que iremos elaborar
O primeiro-ministro enalteceu ainda a audição com os partidos, parceiros sociais e confederações do setor social. "De todos recebi propostas interessantes, que merecem a melhor atenção da parte do Governo, e que servirão de inspiração e contributo para o programa que iremos elaborar". Um programa que "tem uma dimensão de medidas de natureza política, de natureza legislativas e tem também consequências financeiras", sendo por isso um programa que "enquadrará aquilo que será o orçamento suplementar" que o Governo irá apresentar na AR na primeira quinzena de junho, concluiu.
Renault prepara o despedimento de 15 mil trabalhadores
in TSF
A medida faz parte de um plano de redução de custos. São 8% dos trabalhadores da multinacional. Situação em Portugal ainda sem resposta.
A Renault anunciou esta sexta-feira a supressão de 15 mil postos de trabalho em todo o mundo, 4.600 dos quais em França, uma medida que faz parte de um plano para reduzir custos em dois mil milhões de euros.
Em comunicado, o fabricante automóvel francês precisou que a redução de efetivos afeta 8% do total dos trabalhadores e deverá ser implementada nos próximos três anos, em colaboração com os sindicatos e autoridades de cada país.
O construtor automóvel garantiu que vai recorrer preferencialmente a "medidas de reconversão, mobilidade interna e saídas voluntárias", para evitar despedimentos.
O plano prevê a supressão de "perto de 4.600" postos de trabalho em França e mais de "10 mil" no resto do mundo, sem precisar os países afetados.
A Lusa questionou a Renault sobre se o plano abrange a fábrica da empresa em Cacia (Aveiro), em Portugal, mas não obteve resposta até ao momento.
A Renault anunciou também a "suspensão dos projetos de aumento de capacidade [de produção] previstos em Marrocos e na Roménia", indicando ainda que irá estudar "a adaptação das capacidades de produção na Rússia e a racionalizaçao do fabrico de caixa de velocidades no resto do mundo".
A empresa pretende ainda reduzir a produção de veículos, de quatro milhões em 2019 para 3,3 milhões em 2024.
No início do ano, o fabricante automóvel francês anunciou as primeiras perdas na última década, ainda antes de a crise provocada pela pandemia da covid-19 ter agravado a situação no setor.
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A medida faz parte de um plano de redução de custos. São 8% dos trabalhadores da multinacional. Situação em Portugal ainda sem resposta.
A Renault anunciou esta sexta-feira a supressão de 15 mil postos de trabalho em todo o mundo, 4.600 dos quais em França, uma medida que faz parte de um plano para reduzir custos em dois mil milhões de euros.
Em comunicado, o fabricante automóvel francês precisou que a redução de efetivos afeta 8% do total dos trabalhadores e deverá ser implementada nos próximos três anos, em colaboração com os sindicatos e autoridades de cada país.
O construtor automóvel garantiu que vai recorrer preferencialmente a "medidas de reconversão, mobilidade interna e saídas voluntárias", para evitar despedimentos.
O plano prevê a supressão de "perto de 4.600" postos de trabalho em França e mais de "10 mil" no resto do mundo, sem precisar os países afetados.
A Lusa questionou a Renault sobre se o plano abrange a fábrica da empresa em Cacia (Aveiro), em Portugal, mas não obteve resposta até ao momento.
A Renault anunciou também a "suspensão dos projetos de aumento de capacidade [de produção] previstos em Marrocos e na Roménia", indicando ainda que irá estudar "a adaptação das capacidades de produção na Rússia e a racionalizaçao do fabrico de caixa de velocidades no resto do mundo".
A empresa pretende ainda reduzir a produção de veículos, de quatro milhões em 2019 para 3,3 milhões em 2024.
No início do ano, o fabricante automóvel francês anunciou as primeiras perdas na última década, ainda antes de a crise provocada pela pandemia da covid-19 ter agravado a situação no setor.
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A pobreza, a doença e o distrito de Setúbal
Diogo Parte, in O Observador
Desde o 25 abril de 1974 que todas as Câmaras no distrito de Setúbal são governadas por socialistas ou comunistas e tudo o que conseguiram foi espalhar pobreza e agora a doença.
O distrito de Setúbal é das regiões da Europa com mais pessoas a viver em barracas. Deixem-me dar-vos três exemplos: as Terras da Costa, na Costa de Caparica; o Bairro do 2ª Torrão, também no concelho de Almada; e o bairro da Jamaica, no concelho do Seixal. Estes são bairros onde as pessoas vivem sem a mínima dignidade e salubridade, sem água canalizada, sem electricidade ou com “puxadas” ilegais, e com esgotos a céu aberto. São apenas três casos entre tantos outros que existem e que os sucessivos responsáveis políticos ignoraram ao longo dos anos. Demasiados anos.
A recente pandemia vem lembrar-nos o que nunca devíamos esquecer: foi o saneamento básico generalizado que permitiu reduzir substancialmente a taxa de mortalidade de muitas doenças, nomeadamente a tuberculose. A infecção por Covid-19 traz-nos agora outros desafios: alguém imagina o que é fazer quarentena a viver numa barraca com mais 10 pessoas?
Chegou a hora de dizer o óbvio, pois desde o 25 abril de 1974 que todas as Câmaras no distrito de Setúbal são governadas por socialistas ou comunistas e tudo o que conseguiram foi espalhar pobreza e agora a doença, sendo o distrito um dos que mais cresce em número de casos de infecção por Covid-19 no país. Não podemos continuar a olhar para o lado e a ignorar a realidade, é imperioso retirar aquelas pessoas daqueles bairros e já o devíamos ter feito há décadas. Não o devemos fazer, apenas, por aqueles que lá vivem, mas por todos. Antes de mais, porque a Constituição que tantos gostam de citar prevê uma habitação digna para todos. Mas também porque, como agora percebemos, trata-se de um problema de saúde pública.
No passado, a criação de bairros sociais criou guetos onde, hoje, a polícia tem dificuldade em entrar e dificultou a integração social dessas comunidades. A resolução deste problema deve passar pela responsabilização das pessoas a realojar, nomeadamente através da obrigatoriedade do pagamento de uma renda, da manutenção do espaço cuidado e limpo, de as crianças do agregado familiar frequentarem a escola. Estas devem ser regras básicas a cumprir por todos que sejam realojados.
Se o socialismo falhou em todo o lado onde foi implementado, caso de Cuba, Venezuela ou Coreia do Norte, porque haveria de resultar no distrito de Setúbal? Não resultou. Somos hoje um dos distritos do país que menos concretiza as inúmeras potencialidades que tem, sobretudo nas áreas do turismo, agricultura e indústria. Somos um distrito pobre, envelhecido e doente. O fecho da urgência pediátrica do Hospital Garcia de Orta depois das 20 horas e ao fim de semana é só um dos exemplos de como os habitantes deste distrito estão condicionados no seu acesso à saúde, sendo este também um direito inscrito na Constituição.
O mesmo governo que gastou 15 milhões de euros a comprar publicidade institucional nos meios de comunicação social (e que o Observador não aceitou), é aquele que também diz que é difícil contratar pediatras para o Hospital Garcia de Orta e que o melhor caminho é obrigar os recém-especialistas a ficarem no SNS para pagarem a sua suposta “dívida”.
Deixem-me ser claro: está na altura de, como país, pararmos para reflectir se é este o caminho que queremos seguir. É este o modelo de sociedade que queremos? Não nos podemos resignar à pobreza. No distrito de Setúbal a Iniciativa Liberal tudo fará para apresentar um projecto político capaz de concretizar o desejo de mudança que as pessoas esperam de nós, batendo-nos por uma redução generalizada de impostos, por um seguro público de saúde para todos e por mais investimento no SNS.
É possível outro caminho.
Desde o 25 abril de 1974 que todas as Câmaras no distrito de Setúbal são governadas por socialistas ou comunistas e tudo o que conseguiram foi espalhar pobreza e agora a doença.
O distrito de Setúbal é das regiões da Europa com mais pessoas a viver em barracas. Deixem-me dar-vos três exemplos: as Terras da Costa, na Costa de Caparica; o Bairro do 2ª Torrão, também no concelho de Almada; e o bairro da Jamaica, no concelho do Seixal. Estes são bairros onde as pessoas vivem sem a mínima dignidade e salubridade, sem água canalizada, sem electricidade ou com “puxadas” ilegais, e com esgotos a céu aberto. São apenas três casos entre tantos outros que existem e que os sucessivos responsáveis políticos ignoraram ao longo dos anos. Demasiados anos.
A recente pandemia vem lembrar-nos o que nunca devíamos esquecer: foi o saneamento básico generalizado que permitiu reduzir substancialmente a taxa de mortalidade de muitas doenças, nomeadamente a tuberculose. A infecção por Covid-19 traz-nos agora outros desafios: alguém imagina o que é fazer quarentena a viver numa barraca com mais 10 pessoas?
Chegou a hora de dizer o óbvio, pois desde o 25 abril de 1974 que todas as Câmaras no distrito de Setúbal são governadas por socialistas ou comunistas e tudo o que conseguiram foi espalhar pobreza e agora a doença, sendo o distrito um dos que mais cresce em número de casos de infecção por Covid-19 no país. Não podemos continuar a olhar para o lado e a ignorar a realidade, é imperioso retirar aquelas pessoas daqueles bairros e já o devíamos ter feito há décadas. Não o devemos fazer, apenas, por aqueles que lá vivem, mas por todos. Antes de mais, porque a Constituição que tantos gostam de citar prevê uma habitação digna para todos. Mas também porque, como agora percebemos, trata-se de um problema de saúde pública.
No passado, a criação de bairros sociais criou guetos onde, hoje, a polícia tem dificuldade em entrar e dificultou a integração social dessas comunidades. A resolução deste problema deve passar pela responsabilização das pessoas a realojar, nomeadamente através da obrigatoriedade do pagamento de uma renda, da manutenção do espaço cuidado e limpo, de as crianças do agregado familiar frequentarem a escola. Estas devem ser regras básicas a cumprir por todos que sejam realojados.
Se o socialismo falhou em todo o lado onde foi implementado, caso de Cuba, Venezuela ou Coreia do Norte, porque haveria de resultar no distrito de Setúbal? Não resultou. Somos hoje um dos distritos do país que menos concretiza as inúmeras potencialidades que tem, sobretudo nas áreas do turismo, agricultura e indústria. Somos um distrito pobre, envelhecido e doente. O fecho da urgência pediátrica do Hospital Garcia de Orta depois das 20 horas e ao fim de semana é só um dos exemplos de como os habitantes deste distrito estão condicionados no seu acesso à saúde, sendo este também um direito inscrito na Constituição.
O mesmo governo que gastou 15 milhões de euros a comprar publicidade institucional nos meios de comunicação social (e que o Observador não aceitou), é aquele que também diz que é difícil contratar pediatras para o Hospital Garcia de Orta e que o melhor caminho é obrigar os recém-especialistas a ficarem no SNS para pagarem a sua suposta “dívida”.
Deixem-me ser claro: está na altura de, como país, pararmos para reflectir se é este o caminho que queremos seguir. É este o modelo de sociedade que queremos? Não nos podemos resignar à pobreza. No distrito de Setúbal a Iniciativa Liberal tudo fará para apresentar um projecto político capaz de concretizar o desejo de mudança que as pessoas esperam de nós, batendo-nos por uma redução generalizada de impostos, por um seguro público de saúde para todos e por mais investimento no SNS.
É possível outro caminho.
Alojamento Local torna-se “activo tóxico”: novos registos recuam para níveis de 2014
Luísa Pinto, in Público on-line
Em Abril foram registadas apenas 189 unidades. Em Março, o número tinha sido de 1021 novos registos
É preciso recuar seis anos, até Setembro de 2014, para encontrar uma dinâmica tão baixa nos números relativos aos novos registos de Alojamento Local (AL). Ao longo do mês de Abril, foram abertas apenas 189 novas unidades, o pior resultado dos últimos 64 meses. Estas novas unidades correspondem à colocação no mercado de 656 novas camas.
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Manuel Braga, CEO da Imovendo, a consultora imobiliária que esteve a compilar e a analisar estes dados disponibilizados pelo Turismo de Portugal tem uma explicação para o sucedido: “Hoje em dia o Alojamento Local assume um carácter quase tóxico quando até ao passado mês de Março era encarado como um produto de elevada rentabilidade”.
A explicação dos pássaros de Álvaro Domingues, um geógrafo em confinamento
Uma consulta aos dados divulgados pelo Turismo de Portugal permite perceber que no mês de Março, quando foi declarado em Portugal o estado de emergência, ainda foram registados 1021 novos alojamentos locais, e 3621 novas camas. E nos meses de Abril dos anos anteriores, esses números foram sempre bastante mais elevados: 1214 em 2017, 2310 em 2018 e 1750 em 2019.
“Esta é apenas uma evidência da falta de confiança que os investidores actualmente sentem e que revela também que as expectativas futuras para o Turismo, em geral, e para o AL em particular, são longe de animadoras, mesmo com os programas que algumas câmaras municipais já anunciaram, como é o caso de Porto e Lisboa”, afirma Manuel Braga, CEO da Imovendo, a consultora imobiliária que acaba de divulgar o seu relatório estatístico mensal relativo ao mês de Maio.
Manuel Braga refere-se aos programas Renda Segura e Porto com Sentido, lançados respectivamente pelas Câmaras de Lisboa e do Porto, e que pretendem arrendar fracções que estavam no mercado no regime de Alojamento Local, e usá-las para desenvolver as políticas de habitação municipais, subarrendando-as.
No caso da Câmara do Porto, também foram levantadas as medidas de contenção que agravavam o IMI a pagar pelos projectos que surgissem em áreas delimitadas, como as que estavam definidas para o centro histórico da cidade.
“Quem apostou no AL procura agora alternativas, como a venda de activos ou a sua colocação no mercado de arrendamento de longa duração. Quem dele dependia para escoar produto reabilitado, vê-se com activos desvalorizados e com menor procura. Quem nele pensava apostar, retrai-se agora, fruto da elevada incerteza e risco que enquadra o sector”, argumenta Manuel Braga.
Resta agora saber até quando se vai manter esta tendência. No mesmo relatório, em que analisa os indicadores referentes ao mês de Abril, já é possível encontrar a melhoria de alguns indicadores que haviam afundado em Março, nomeadamente em termos de procura imobiliária e mais negócios a serem realizados.
Selo “clean and safe” alargado a alojamento local e restaurantes
“A grande questão que apenas os próximos meses permitirão responder é a de se saber até que ponto a recuperação que aparentemente hoje se vive no mercado imobiliário não resulta apenas de um efeito de ‘válvula de descompressão’ após mais de dois meses de confinamento, sem sustentabilidade ao longo dos próximos meses”, afirmou.
Em Abril foram registadas apenas 189 unidades. Em Março, o número tinha sido de 1021 novos registos
É preciso recuar seis anos, até Setembro de 2014, para encontrar uma dinâmica tão baixa nos números relativos aos novos registos de Alojamento Local (AL). Ao longo do mês de Abril, foram abertas apenas 189 novas unidades, o pior resultado dos últimos 64 meses. Estas novas unidades correspondem à colocação no mercado de 656 novas camas.
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Manuel Braga, CEO da Imovendo, a consultora imobiliária que esteve a compilar e a analisar estes dados disponibilizados pelo Turismo de Portugal tem uma explicação para o sucedido: “Hoje em dia o Alojamento Local assume um carácter quase tóxico quando até ao passado mês de Março era encarado como um produto de elevada rentabilidade”.
A explicação dos pássaros de Álvaro Domingues, um geógrafo em confinamento
Uma consulta aos dados divulgados pelo Turismo de Portugal permite perceber que no mês de Março, quando foi declarado em Portugal o estado de emergência, ainda foram registados 1021 novos alojamentos locais, e 3621 novas camas. E nos meses de Abril dos anos anteriores, esses números foram sempre bastante mais elevados: 1214 em 2017, 2310 em 2018 e 1750 em 2019.
“Esta é apenas uma evidência da falta de confiança que os investidores actualmente sentem e que revela também que as expectativas futuras para o Turismo, em geral, e para o AL em particular, são longe de animadoras, mesmo com os programas que algumas câmaras municipais já anunciaram, como é o caso de Porto e Lisboa”, afirma Manuel Braga, CEO da Imovendo, a consultora imobiliária que acaba de divulgar o seu relatório estatístico mensal relativo ao mês de Maio.
Manuel Braga refere-se aos programas Renda Segura e Porto com Sentido, lançados respectivamente pelas Câmaras de Lisboa e do Porto, e que pretendem arrendar fracções que estavam no mercado no regime de Alojamento Local, e usá-las para desenvolver as políticas de habitação municipais, subarrendando-as.
No caso da Câmara do Porto, também foram levantadas as medidas de contenção que agravavam o IMI a pagar pelos projectos que surgissem em áreas delimitadas, como as que estavam definidas para o centro histórico da cidade.
“Quem apostou no AL procura agora alternativas, como a venda de activos ou a sua colocação no mercado de arrendamento de longa duração. Quem dele dependia para escoar produto reabilitado, vê-se com activos desvalorizados e com menor procura. Quem nele pensava apostar, retrai-se agora, fruto da elevada incerteza e risco que enquadra o sector”, argumenta Manuel Braga.
Resta agora saber até quando se vai manter esta tendência. No mesmo relatório, em que analisa os indicadores referentes ao mês de Abril, já é possível encontrar a melhoria de alguns indicadores que haviam afundado em Março, nomeadamente em termos de procura imobiliária e mais negócios a serem realizados.
Selo “clean and safe” alargado a alojamento local e restaurantes
“A grande questão que apenas os próximos meses permitirão responder é a de se saber até que ponto a recuperação que aparentemente hoje se vive no mercado imobiliário não resulta apenas de um efeito de ‘válvula de descompressão’ após mais de dois meses de confinamento, sem sustentabilidade ao longo dos próximos meses”, afirmou.
Olhai, senhores, esta Lisboa que parece do “antigamente, antes de o turismo ter chegado à cidade”
Mara Gonçalves (Texto) e Daniel Rocha (Fotografia), in Público on-line
Aos poucos, começam a reabrir esplanadas, restaurantes, monumentos. Há quem aproveite para redescobrir algumas das zonas mais turísticas de Lisboa, agora vazias, mas entre os comerciantes domina a tristeza e a preocupação com o futuro. “Agora é esperar.”
Delfim Fernandes é o único passageiro no eléctrico 28 à saída do Martim Moniz. Pouco falta para as 11h. Até à Graça, entram mais quatro ou cinco pessoas, todas residentes na zona. “Agora anda-se bem”, conta Delfim. “Às vezes, vai-se sozinho. Mas já estão a encher.”
Estes pais, filhos e irmãos são “a cara chapada” uns dos outros
Aos 85 anos, Delfim “já andava no 28” quando o eléctrico ia do Rossio ao Cemitério dos Prazeres. Viu o trajecto alargar-se, substituindo outras carreiras. Assistiu às enchentes de turistas, às filas intermináveis para entrar no eléctrico mais famoso de Lisboa. Nunca deixou de o utilizar para subir até casa, na zona das Escolas Gerais. Mas agora, com tão poucos passageiros, é “da maneira que os carteiristas não aparecem”, atira. Aproveita a conversa para se queixar do serviço: “É uma carreira mal servida de transportes. Não há com frequência...”
Eduarda Baptista confessa que “nunca usava” o 28. “Estava sempre à pinha e com muitos turistas à espera nas paragens.” Mas, nos últimos dias, tem aproveitado para fazer parte do trajecto. “Agora é mesmo agradável”, compara.
Encontramos Eduarda e António Pais Neto no Miradouro da Senhora do Monte, ambos médicos de 25 anos, naturais do Porto. Eduarda mora em Lisboa desde Janeiro, António está de visita, adiada desde Março. Ela fez o teste à covid-19 há uns dias, deu negativo; ele está no apoio telefónico da linha de saúde pública há uns meses, sem contacto com doentes. “Senti que era uma boa altura para vir cá.”
À excepção do barulho de obras vindo do fundo da rua, não se ouve mais nada. Dois homens descansam à sombra. O quiosque ambulante de limonadas está encerrado, não há tuk-tuks. Eduarda e António são os únicos que passeiam por aqui esta manhã.
Nas ruas, contam, “a diferença é enorme”. Há “muito menos gente”, um ambiente “mais calmo”, muitos espaços ainda fechados. Viram uma “Rua Augusta vazia” e têm fotografias em Belém “sem ninguém a um domingo”, um cenário “impossível” há poucos meses. Para António, “é agradável ver Lisboa assim despida”. “Da próxima vez que cá voltar, vai ser diferente.”
Sem turistas, a Feira da Ladra reabriu quase vazia
Apesar de haver “sempre algum receio” devido à covid-19, sentem uma “sensação de segurança”, uma vez que a maioria das pessoas que encontram tem “as atitudes que são recomendadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS)”. “De uma forma geral, como não vemos muita gente à nossa volta, também nos sentimos protegidos”, diz António.
Esplanadas vazias
No Miradouro da Graça, encontramos apenas a equipa da esplanada a preparar a reabertura, ainda sem data definitiva. Querem “abrir com muita calma”, diz o proprietário, João Garção. Das 45 mesas, ficam apenas 20, com cerca de dois metros de distância entre si e estão a ser instalados lavatórios de acesso público para a higienização das mãos. Aqui, e entre algumas mesas, vão existir ainda “paredes de flores” a servir de divisória. “Estamos numa situação tão triste que temos de alegrar um bocadinho as coisas, não é?...”, contrapõe o proprietário.
O cenário não é animador. Apesar de já se ver “muita gente na rua”, diz João Garção, há “pouquíssimos turistas”. E aqui, na Esplanada da Igreja da Graça, o turismo estrangeiro representava cerca de 90% dos clientes. “Se não perdermos muito, já não é mau...”, aponta, prevendo “uma quebra superior a 50%” na facturação. “Não vamos pensar em ganhar dinheiro, mas em sobreviver...”
Um universo que contrasta com épocas anteriores: em 2018, segundo o Instituto Nacional de Estatística, Lisboa recebia cerca de 4,5 milhões de turistas (hóspedes estrangeiros), com o sector a gerar mais de 14,7 mil milhões de euros, segundo um estudo da consultora Deloitte para a Associação de Turismo de Lisboa. Se tivermos em conta apenas o número de hóspedes em alojamentos turísticos, a região teve menos 64% de hóspedes em Março de 2020, face ao mesmo mês do ano passado.
Junto à Sé de Lisboa, passam eléctricos praticamente vazios. É inexistente o vaivém habitual de veículos turísticos e grupos organizados. Apesar de poder reabrir desde 18 de Março, o Quiosque Lisboa, do outro lado da rua, só retoma a actividade esta semana. “Estivemos 70 dias fechados”, contabiliza Jackline Nabuco, em limpezas na segunda-feira. “Desde que cheguei, fui abordada por três pessoas. Uma a pedir informações, outra a perguntar se estávamos abertos e outra a perguntar o que se estava a passar por não ver ninguém”, conta. O serviço, “mais voltado para os turistas estrangeiros”, vai agora estar “focado” em “fidelizar os portugueses”, com “preços” voltados para o cliente nacional. Jackline olha em volta, antes de regressar ao trabalho. “É uma tristeza ver a cidade assim.”
“É uma cidade nua, uma coisa a começar”, há-de descrever Alfredo Martins, ao balcão da Marisqueira Concha d’Ouro, na Rua Augusta. Depois de dois meses e meio encerrado, o restaurante reabriu portas esta segunda-feira, com 28 dos 96 lugares na esplanada. Refeições servidas? “Só um casal lá fora. Mais nada...”, aponta. A retoma vai demorar e a presença das máscaras de protecção “vai durar para muito tempo”, “se não for para ficar...”, vaticina
O Castelo será dos últimos a sentir a retoma
O cenário repete-se, seja por onde for que passemos. Já se sente algum movimento na Rua Augusta, mas as esplanadas, rarefeitas, estão praticamente vazias. No Miradouro das Portas do Sol reencontramos Eduarda e António e vemos outro casal, mais ninguém. Ficamos sozinhos no Miradouro de Santa Luzia até chegar António Alves, natural do Canadá, mas a viver nesta zona de Lisboa há dez anos. “Faz lembrar um bocadinho como era Lisboa antigamente, antes de o turismo ter chegado à cidade.”
Sentado num dos bancos de pedra, a olhar o casario de Alfama e o Tejo lá em baixo, António Alves espera que “os negócios se reanimem”, mas deseja que não se volte aos números dos últimos anos. Tanto turismo, defende, “fez mal à cidade”. “É incrível estar aqui a ouvir passarinhos em vez de carros e autocarros”, aponta. Pierre Guibert, fotógrafo francês a viver em Portugal há vários anos, não esconde o entusiasmo. Há cinco dias que anda a percorrer as ruas de Lisboa com câmaras e um pequeno drone. Nunca tinha tido a oportunidade de registar a cidade vazia. Ainda para mais, “estamos na altura dos jacarandás em flor”. “Está fantástico.” Causa “estranheza”, assume, mas é “uma coisa incrível”. “Realmente, é outro mundo”, diz.
O contraste esperado é absoluto entre os poucos que passeiam e vêem no desconfinamento sem turistas a possibilidade de redescobrir a cidade e quem depende do turismo estrangeiro para subsistir.
Junto ao Castelo de São Jorge, que reabre apenas a 1 de Junho, ainda está quase tudo fechado. É preciso subir à Rua de Santa Cruz do Castelo para encontrar duas casas abertas, porta frente a porta. Foi pelo convívio com os vizinhos que José Luís, de 71 anos, reabriu a loja de souvenirs, Drogaria do Castelo Militar. “Nunca mudei o nome para manter a homenagem ao meu pai”, conta, mostrando uma fotografia antiga da loja centenária, na família desde 1948.
No sábado, ainda passaram algumas pessoas, recorda. De resto, “não houve praticamente nada”. A clientela era 98% estrangeira, agora vêem-se “muito poucos”. A verdade é que “já estava farto de estar confinado em casa”, confessa. E aqui tem “muitos amigos e colegas comerciantes”, são “praticamente uma família”. “Já tinha saudades das pessoas daqui.”
Aponta para o tecto para falar do alojamento local. “Neste prédio, há duas casas. Desde Dezembro que não há qualquer movimento.” Conhece casos de quem está a tentar alugar os apartamentos a curto prazo “para ver se ganha algum”, mas há “muita casa vazia” no bairro. Acredita que, antes de Agosto, “não vai haver grandes movimentações” de turistas. Provavelmente, “só lá mais para o final do ano”. “Agora é esperar.” É tudo o que podem fazer.
À porta da loja, Nuno Ramos, da Gelataria Portuguesa, mesmo em frente, lança-se à conversa com uma certeza: muitos espaços “vão fechar”. Na gelataria, foram “cinco meses de Inverno” e agora a pandemia. “Este ano, vai ser para esquecer.” Nos Verões anteriores, havia dias em que “não se conseguia ver as paredes [da rua] com o turismo que existia”. Por esta altura, já vendia uns 800 gelados por semana. Na primeira semana de reabertura vendeu 35. Acredita que esta zona será uma das últimas a sentir a retoma. “Não é uma zona habitual de passagem, dependemos da abertura do castelo e das fronteiras.”
Alfama sem santos populares
Pelas ruas de Alfama, só encontramos moradores e restaurantes à espera de clientes. No Largo de São Rafael, todas as esplanadas estão vazias às 13h. “Foi uma bolha que rebentou, nem há explicações”, lamenta Manuela Faria, de 68 anos, sentada à porta da mercearia. “Não sendo os turistas, quem é que cá mora?”, atira. “Isto estava só para eles...” Agora, no bairro só há “casas fechadas e ninguém lá dentro”. Antes, o turismo excessivo que invadia Alfama e roubava alojamento aos moradores e as vivências antigas era “um terror, um pesadelo”. Mas ver o bairro assim não é sonho melhor.
No ano passado, por esta altura, já “ninguém parava aqui”. A marcha já estava pronta a desfilar perante o júri, já havia arraiais e bancas montadas. Os turistas “eram muitos” e o adiantar da festa era uma forma de os restaurantes aproveitarem para fazer negócio. É “um grande desgosto”. “As crianças estavam sempre a pedir uma moedinha para o Santo António e este ano nem se lembraram”, aponta.
Não, “nunca passou pela cabeça de ninguém” viver um Junho sem santos populares em Alfama. “Até telefonam a perguntar: ‘Mas não há mesmo nada, nada?...’” Manuela resigna-se. “É uma imensa tristeza, mas é preciso que tenhamos vida e saúde e para o ano, se Deus quiser e houver condições, vamos recomeçar.”
Belém à procura do equilíbrio
Restaurantes: “Isto, como está hoje, não é rentável, mas vamos com calma”
Alejandro Lula não demora mais do que dois minutos a comprar pastéis-de-belém. Não há fila no balcão virado à rua. Tinha tirado férias, é a primeira vez que passeia para lá do quarteirão onde vive. O balanço da primeira semana de reabertura é “muito fraco”, comparativamente com aquilo que era o movimento habitual, assume Miguel Clarinha, gerente da empresa. “Andamos a 20% do que era normal.” E o normal era venderem uma média de 20 mil pastéis de nata. Por dia.
O período de encerramento foi aproveitado para “fazer alguma remodelação nas salas” e, para já, estão apenas a fazer atendimento ao balcão com horário reduzido (das 11h às 19h30). “Ainda não se justificou abrir o serviço de mesa porque obriga a empresa a retirar uma série de pessoas do lay-off.” Ao início da semana, conta, cerca de 150 dos 190 trabalhadores permaneciam no regime de lay-off. Acredita que durante o mês de Junho deverão reabrir as salas, mas ainda não existe uma data definida.
“Estamos a viver o dia-a-dia”, assume o gerente. Para já, estão a estudar a hipótese de “procurar outros meios para fazer chegar os pastéis às pessoas” e a pensar em formas de “optimizar ainda mais o serviço”. “É isso que gostava de fazer”, diz. “Aproveitar o mau desta situação para tentar evoluir e melhorar a empresa para, quando houver uma retoma, estar preparado e com um serviço melhor do que antes.”
Mais à frente, no Mosteiro dos Jerónimos também não há filas de espera para entrar. No dia 18 de Maio, com reabertura gratuita no Dia Internacional dos Museus, o claustro acolheu “284 pessoas” e a Torre de Belém 117, contabiliza Dalila Rodrigues, directora dos dois monumentos nacionais mais visitados do país.
No Mosteiro dos Jerónimos, há agora um sentido único de visita e o período de encerramento foi aproveitado para iniciar “o processo de requalificação de espaços”: a antiga loja e a exposição que ocupava uma das salas do piso superior já não existem e a água voltou a jorrar da taça central do claustro, enumera a responsável. Já na Torre de Belém, é apenas visitável a zona do baluarte, uma vez que a escada que serve a torre é “muito apertada” e não permite “garantir as condições de segurança necessárias”. Enquanto o acesso à torre não for reaberto, a entrada custa 3€.
Antes da pandemia, recorda Dalila Rodrigues, havia dias em que chegavam a receber mais de 10 mil visitantes no Mosteiro dos Jerónimos. No total da primeira semana de reabertura, não chegaram a 1200. Na Torre de Belém, contaram-se 698 entradas. “A reabertura ou não das fronteiras no espaço europeu vai determinar o número de visitantes nos próximos dois anos”, acredita. E a recuperação dos circuitos internacionais deverá demorar “dois ou três”.
No entanto, acrescenta, é “desejável” apostar “fortemente” na gestão sustentável do património e encontrar um equilíbrio entre “uma procura turística que permita gerar receita e conservar este património”, em vez de se regressar às “práticas de insustentabilidade antes da crise pandémica”. “Desejo a procura turística necessária para que se reconstitua o tecido socioeconómico do país. Mas as hordas de turistas e toda a sorte de elementos predadores de turismo de massas desejo absolutamente que não se repita e que se tenha aprendido alguma coisa”, reitera.
Para Dalila Rodrigues, este é o momento de os portugueses aproveitarem para revisitar os monumentos e terem uma “fruição plena deste magnífico património” nas melhores condições e com “muito pouco público”.
Albert Yvin vai regressar a Belém para mostrar o claustro do Mosteiro dos Jerónimos a uma amiga. Em Fevereiro, o francês de 68 anos mudou-se para Portugal para viver a reforma na “cidade preferida” e tem aproveitado os últimos dias para passear pela cidade. Tinha vindo em Novembro e encontrou uma “Lisboa agitada, turística, barulhenta”. “Não gostei muito”, confessa. “Fez-me pensar em Barcelona.”
Lisboa volta à rua em câmara lenta
Nem marchas, nem arraiais, nem casamentos: Festas de Lisboa canceladas
Na sexta-feira passada, viu uma “cidade tão charmosa”, um Rossio cheio de “flores perfumadas”. “Nem pensámos no coronavírus”, admite. Esta tarde, o sentimento mudou. Encontrou pouca gente no eléctrico, nos restaurantes, em Belém. “Achei Lisboa um pouco triste, adormecida. Sente-se a doença, a pandemia.”
Aos poucos, começam a reabrir esplanadas, restaurantes, monumentos. Há quem aproveite para redescobrir algumas das zonas mais turísticas de Lisboa, agora vazias, mas entre os comerciantes domina a tristeza e a preocupação com o futuro. “Agora é esperar.”
Delfim Fernandes é o único passageiro no eléctrico 28 à saída do Martim Moniz. Pouco falta para as 11h. Até à Graça, entram mais quatro ou cinco pessoas, todas residentes na zona. “Agora anda-se bem”, conta Delfim. “Às vezes, vai-se sozinho. Mas já estão a encher.”
Estes pais, filhos e irmãos são “a cara chapada” uns dos outros
Aos 85 anos, Delfim “já andava no 28” quando o eléctrico ia do Rossio ao Cemitério dos Prazeres. Viu o trajecto alargar-se, substituindo outras carreiras. Assistiu às enchentes de turistas, às filas intermináveis para entrar no eléctrico mais famoso de Lisboa. Nunca deixou de o utilizar para subir até casa, na zona das Escolas Gerais. Mas agora, com tão poucos passageiros, é “da maneira que os carteiristas não aparecem”, atira. Aproveita a conversa para se queixar do serviço: “É uma carreira mal servida de transportes. Não há com frequência...”
Eduarda Baptista confessa que “nunca usava” o 28. “Estava sempre à pinha e com muitos turistas à espera nas paragens.” Mas, nos últimos dias, tem aproveitado para fazer parte do trajecto. “Agora é mesmo agradável”, compara.
Encontramos Eduarda e António Pais Neto no Miradouro da Senhora do Monte, ambos médicos de 25 anos, naturais do Porto. Eduarda mora em Lisboa desde Janeiro, António está de visita, adiada desde Março. Ela fez o teste à covid-19 há uns dias, deu negativo; ele está no apoio telefónico da linha de saúde pública há uns meses, sem contacto com doentes. “Senti que era uma boa altura para vir cá.”
À excepção do barulho de obras vindo do fundo da rua, não se ouve mais nada. Dois homens descansam à sombra. O quiosque ambulante de limonadas está encerrado, não há tuk-tuks. Eduarda e António são os únicos que passeiam por aqui esta manhã.
Nas ruas, contam, “a diferença é enorme”. Há “muito menos gente”, um ambiente “mais calmo”, muitos espaços ainda fechados. Viram uma “Rua Augusta vazia” e têm fotografias em Belém “sem ninguém a um domingo”, um cenário “impossível” há poucos meses. Para António, “é agradável ver Lisboa assim despida”. “Da próxima vez que cá voltar, vai ser diferente.”
Sem turistas, a Feira da Ladra reabriu quase vazia
Apesar de haver “sempre algum receio” devido à covid-19, sentem uma “sensação de segurança”, uma vez que a maioria das pessoas que encontram tem “as atitudes que são recomendadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS)”. “De uma forma geral, como não vemos muita gente à nossa volta, também nos sentimos protegidos”, diz António.
Esplanadas vazias
No Miradouro da Graça, encontramos apenas a equipa da esplanada a preparar a reabertura, ainda sem data definitiva. Querem “abrir com muita calma”, diz o proprietário, João Garção. Das 45 mesas, ficam apenas 20, com cerca de dois metros de distância entre si e estão a ser instalados lavatórios de acesso público para a higienização das mãos. Aqui, e entre algumas mesas, vão existir ainda “paredes de flores” a servir de divisória. “Estamos numa situação tão triste que temos de alegrar um bocadinho as coisas, não é?...”, contrapõe o proprietário.
O cenário não é animador. Apesar de já se ver “muita gente na rua”, diz João Garção, há “pouquíssimos turistas”. E aqui, na Esplanada da Igreja da Graça, o turismo estrangeiro representava cerca de 90% dos clientes. “Se não perdermos muito, já não é mau...”, aponta, prevendo “uma quebra superior a 50%” na facturação. “Não vamos pensar em ganhar dinheiro, mas em sobreviver...”
Um universo que contrasta com épocas anteriores: em 2018, segundo o Instituto Nacional de Estatística, Lisboa recebia cerca de 4,5 milhões de turistas (hóspedes estrangeiros), com o sector a gerar mais de 14,7 mil milhões de euros, segundo um estudo da consultora Deloitte para a Associação de Turismo de Lisboa. Se tivermos em conta apenas o número de hóspedes em alojamentos turísticos, a região teve menos 64% de hóspedes em Março de 2020, face ao mesmo mês do ano passado.
Junto à Sé de Lisboa, passam eléctricos praticamente vazios. É inexistente o vaivém habitual de veículos turísticos e grupos organizados. Apesar de poder reabrir desde 18 de Março, o Quiosque Lisboa, do outro lado da rua, só retoma a actividade esta semana. “Estivemos 70 dias fechados”, contabiliza Jackline Nabuco, em limpezas na segunda-feira. “Desde que cheguei, fui abordada por três pessoas. Uma a pedir informações, outra a perguntar se estávamos abertos e outra a perguntar o que se estava a passar por não ver ninguém”, conta. O serviço, “mais voltado para os turistas estrangeiros”, vai agora estar “focado” em “fidelizar os portugueses”, com “preços” voltados para o cliente nacional. Jackline olha em volta, antes de regressar ao trabalho. “É uma tristeza ver a cidade assim.”
“É uma cidade nua, uma coisa a começar”, há-de descrever Alfredo Martins, ao balcão da Marisqueira Concha d’Ouro, na Rua Augusta. Depois de dois meses e meio encerrado, o restaurante reabriu portas esta segunda-feira, com 28 dos 96 lugares na esplanada. Refeições servidas? “Só um casal lá fora. Mais nada...”, aponta. A retoma vai demorar e a presença das máscaras de protecção “vai durar para muito tempo”, “se não for para ficar...”, vaticina
O Castelo será dos últimos a sentir a retoma
O cenário repete-se, seja por onde for que passemos. Já se sente algum movimento na Rua Augusta, mas as esplanadas, rarefeitas, estão praticamente vazias. No Miradouro das Portas do Sol reencontramos Eduarda e António e vemos outro casal, mais ninguém. Ficamos sozinhos no Miradouro de Santa Luzia até chegar António Alves, natural do Canadá, mas a viver nesta zona de Lisboa há dez anos. “Faz lembrar um bocadinho como era Lisboa antigamente, antes de o turismo ter chegado à cidade.”
Sentado num dos bancos de pedra, a olhar o casario de Alfama e o Tejo lá em baixo, António Alves espera que “os negócios se reanimem”, mas deseja que não se volte aos números dos últimos anos. Tanto turismo, defende, “fez mal à cidade”. “É incrível estar aqui a ouvir passarinhos em vez de carros e autocarros”, aponta. Pierre Guibert, fotógrafo francês a viver em Portugal há vários anos, não esconde o entusiasmo. Há cinco dias que anda a percorrer as ruas de Lisboa com câmaras e um pequeno drone. Nunca tinha tido a oportunidade de registar a cidade vazia. Ainda para mais, “estamos na altura dos jacarandás em flor”. “Está fantástico.” Causa “estranheza”, assume, mas é “uma coisa incrível”. “Realmente, é outro mundo”, diz.
O contraste esperado é absoluto entre os poucos que passeiam e vêem no desconfinamento sem turistas a possibilidade de redescobrir a cidade e quem depende do turismo estrangeiro para subsistir.
Junto ao Castelo de São Jorge, que reabre apenas a 1 de Junho, ainda está quase tudo fechado. É preciso subir à Rua de Santa Cruz do Castelo para encontrar duas casas abertas, porta frente a porta. Foi pelo convívio com os vizinhos que José Luís, de 71 anos, reabriu a loja de souvenirs, Drogaria do Castelo Militar. “Nunca mudei o nome para manter a homenagem ao meu pai”, conta, mostrando uma fotografia antiga da loja centenária, na família desde 1948.
No sábado, ainda passaram algumas pessoas, recorda. De resto, “não houve praticamente nada”. A clientela era 98% estrangeira, agora vêem-se “muito poucos”. A verdade é que “já estava farto de estar confinado em casa”, confessa. E aqui tem “muitos amigos e colegas comerciantes”, são “praticamente uma família”. “Já tinha saudades das pessoas daqui.”
Aponta para o tecto para falar do alojamento local. “Neste prédio, há duas casas. Desde Dezembro que não há qualquer movimento.” Conhece casos de quem está a tentar alugar os apartamentos a curto prazo “para ver se ganha algum”, mas há “muita casa vazia” no bairro. Acredita que, antes de Agosto, “não vai haver grandes movimentações” de turistas. Provavelmente, “só lá mais para o final do ano”. “Agora é esperar.” É tudo o que podem fazer.
À porta da loja, Nuno Ramos, da Gelataria Portuguesa, mesmo em frente, lança-se à conversa com uma certeza: muitos espaços “vão fechar”. Na gelataria, foram “cinco meses de Inverno” e agora a pandemia. “Este ano, vai ser para esquecer.” Nos Verões anteriores, havia dias em que “não se conseguia ver as paredes [da rua] com o turismo que existia”. Por esta altura, já vendia uns 800 gelados por semana. Na primeira semana de reabertura vendeu 35. Acredita que esta zona será uma das últimas a sentir a retoma. “Não é uma zona habitual de passagem, dependemos da abertura do castelo e das fronteiras.”
Alfama sem santos populares
Pelas ruas de Alfama, só encontramos moradores e restaurantes à espera de clientes. No Largo de São Rafael, todas as esplanadas estão vazias às 13h. “Foi uma bolha que rebentou, nem há explicações”, lamenta Manuela Faria, de 68 anos, sentada à porta da mercearia. “Não sendo os turistas, quem é que cá mora?”, atira. “Isto estava só para eles...” Agora, no bairro só há “casas fechadas e ninguém lá dentro”. Antes, o turismo excessivo que invadia Alfama e roubava alojamento aos moradores e as vivências antigas era “um terror, um pesadelo”. Mas ver o bairro assim não é sonho melhor.
No ano passado, por esta altura, já “ninguém parava aqui”. A marcha já estava pronta a desfilar perante o júri, já havia arraiais e bancas montadas. Os turistas “eram muitos” e o adiantar da festa era uma forma de os restaurantes aproveitarem para fazer negócio. É “um grande desgosto”. “As crianças estavam sempre a pedir uma moedinha para o Santo António e este ano nem se lembraram”, aponta.
Não, “nunca passou pela cabeça de ninguém” viver um Junho sem santos populares em Alfama. “Até telefonam a perguntar: ‘Mas não há mesmo nada, nada?...’” Manuela resigna-se. “É uma imensa tristeza, mas é preciso que tenhamos vida e saúde e para o ano, se Deus quiser e houver condições, vamos recomeçar.”
Belém à procura do equilíbrio
Restaurantes: “Isto, como está hoje, não é rentável, mas vamos com calma”
Alejandro Lula não demora mais do que dois minutos a comprar pastéis-de-belém. Não há fila no balcão virado à rua. Tinha tirado férias, é a primeira vez que passeia para lá do quarteirão onde vive. O balanço da primeira semana de reabertura é “muito fraco”, comparativamente com aquilo que era o movimento habitual, assume Miguel Clarinha, gerente da empresa. “Andamos a 20% do que era normal.” E o normal era venderem uma média de 20 mil pastéis de nata. Por dia.
O período de encerramento foi aproveitado para “fazer alguma remodelação nas salas” e, para já, estão apenas a fazer atendimento ao balcão com horário reduzido (das 11h às 19h30). “Ainda não se justificou abrir o serviço de mesa porque obriga a empresa a retirar uma série de pessoas do lay-off.” Ao início da semana, conta, cerca de 150 dos 190 trabalhadores permaneciam no regime de lay-off. Acredita que durante o mês de Junho deverão reabrir as salas, mas ainda não existe uma data definida.
“Estamos a viver o dia-a-dia”, assume o gerente. Para já, estão a estudar a hipótese de “procurar outros meios para fazer chegar os pastéis às pessoas” e a pensar em formas de “optimizar ainda mais o serviço”. “É isso que gostava de fazer”, diz. “Aproveitar o mau desta situação para tentar evoluir e melhorar a empresa para, quando houver uma retoma, estar preparado e com um serviço melhor do que antes.”
Mais à frente, no Mosteiro dos Jerónimos também não há filas de espera para entrar. No dia 18 de Maio, com reabertura gratuita no Dia Internacional dos Museus, o claustro acolheu “284 pessoas” e a Torre de Belém 117, contabiliza Dalila Rodrigues, directora dos dois monumentos nacionais mais visitados do país.
No Mosteiro dos Jerónimos, há agora um sentido único de visita e o período de encerramento foi aproveitado para iniciar “o processo de requalificação de espaços”: a antiga loja e a exposição que ocupava uma das salas do piso superior já não existem e a água voltou a jorrar da taça central do claustro, enumera a responsável. Já na Torre de Belém, é apenas visitável a zona do baluarte, uma vez que a escada que serve a torre é “muito apertada” e não permite “garantir as condições de segurança necessárias”. Enquanto o acesso à torre não for reaberto, a entrada custa 3€.
Antes da pandemia, recorda Dalila Rodrigues, havia dias em que chegavam a receber mais de 10 mil visitantes no Mosteiro dos Jerónimos. No total da primeira semana de reabertura, não chegaram a 1200. Na Torre de Belém, contaram-se 698 entradas. “A reabertura ou não das fronteiras no espaço europeu vai determinar o número de visitantes nos próximos dois anos”, acredita. E a recuperação dos circuitos internacionais deverá demorar “dois ou três”.
No entanto, acrescenta, é “desejável” apostar “fortemente” na gestão sustentável do património e encontrar um equilíbrio entre “uma procura turística que permita gerar receita e conservar este património”, em vez de se regressar às “práticas de insustentabilidade antes da crise pandémica”. “Desejo a procura turística necessária para que se reconstitua o tecido socioeconómico do país. Mas as hordas de turistas e toda a sorte de elementos predadores de turismo de massas desejo absolutamente que não se repita e que se tenha aprendido alguma coisa”, reitera.
Para Dalila Rodrigues, este é o momento de os portugueses aproveitarem para revisitar os monumentos e terem uma “fruição plena deste magnífico património” nas melhores condições e com “muito pouco público”.
Albert Yvin vai regressar a Belém para mostrar o claustro do Mosteiro dos Jerónimos a uma amiga. Em Fevereiro, o francês de 68 anos mudou-se para Portugal para viver a reforma na “cidade preferida” e tem aproveitado os últimos dias para passear pela cidade. Tinha vindo em Novembro e encontrou uma “Lisboa agitada, turística, barulhenta”. “Não gostei muito”, confessa. “Fez-me pensar em Barcelona.”
Lisboa volta à rua em câmara lenta
Nem marchas, nem arraiais, nem casamentos: Festas de Lisboa canceladas
Na sexta-feira passada, viu uma “cidade tão charmosa”, um Rossio cheio de “flores perfumadas”. “Nem pensámos no coronavírus”, admite. Esta tarde, o sentimento mudou. Encontrou pouca gente no eléctrico, nos restaurantes, em Belém. “Achei Lisboa um pouco triste, adormecida. Sente-se a doença, a pandemia.”
28.5.20
Europa começa a abrir os destinos de Verão ao turismo interno e externo - e há preocupação
Maria João Guimarães, in Jornal Público
Onda de calor dos últimos dias deixou as praias cheias em várias zonas de costa europeia. Especialistas temem efeitos do relaxamento. Há “bolhas” e “corredores” em algumas.
O calor levou muitas pessoas à beira-mar em muitos países em fase de desconfinamento, e alguns acabaram por encerrar algumas praias para impedir que se juntasse demasiada gente. Enquanto isso, países de turismo de praia preparam-se para reabrir, também a estrangeiros — ou pelo menos a alguns estrangeiros.
Espanha adiantou esta segunda-feira a data em que planeia receber visitantes de outros países sem a necessidade de 14 dias em quarentena como existe actualmente: a partir de 1 de Julho e não de 15 como estava previsto.
A falta de uma data concreta era apontada por representantes do sector do Turismo como um problema para quem estivesse indeciso entre vários destinos ao planear as suas férias, e a existência da quarentena era vista como um sinal de que os turistas não eram bem-vindos.
A ministra francesa Élisabeth Borne (Transição Ecológica) declarou que a decisão de Espanha abrir as fronteiras mas manter a quarentena dava “uma mensagem contraditória”, desaconselhando viagens para o país vizinho. França está a levar a cabo, de qualquer modo, uma campanha para os franceses fazerem turismo no próprio país.
Na Grécia, recomeçaram esta segunda-feira as viagens de ferry para todas as ilhas, depois de um ensaio de uma semana apenas com a rota para Creta, com medidas de distanciamento físico e medição de temperatura. A única excepção de destino dos ferries continua a ser Itália, cujo recomeço se espera para a próxima semana.
Alguns países estão a agir com especial cautela, por exemplo a Croácia, o país europeu mais dependente do turismo (20% do PIB), que ainda só considerou admitir sem quarentena visitantes da Eslovénia, que tem um número semelhante de mortes de covid-19.
"Bolhas” ou “corredores” de turismo
A Comissão Europeia continua a discutir com os Estados-membros uma abordagem coordenada, disse no briefing diário desta segunda-feira o porta-voz Christian Wigan. Mas a Comissão sublinha que “todas as restrições devem ser baseadas na saúde pública e não na nacionalidade”, disse. “A nossa expectativa é de que os Estados-membros apliquem as mesmas medidas a cidadãos que venham de países com situações epidemiológicas semelhantes.”
Como será o Verão na Europa? Um guia do regresso do turismo
Até agora, têm sido referidos acordos bilaterais entre alguns países para o regresso da livre circulação entre si, e a primeira “bolha de viagens” é na Estónia, Letónia e Lituânia.
Estas “bolhas” ou “corredores” de turismo são uma possibilidade para salvar a época turística este ano, dizem vários peritos. Mas para isso é necessário informação pormenorizada, disse Richard Butler, professor de turismo na Universidade de Strathclyde (Escócia), deixando várias perguntas: “Quem precisar de assistência médica tem-na garantida dentro da ‘bolha’? As restrições em termos de dimensões máximas de grupos permitidos vão ser as mesmas, e os visitantes vão ser tratados de igual modo que população local?”
A professora de psicologia da saúde Susan Michie da University College de Londres (UCL) disse que para o cumprimento das regras ser maior, era essencial que as regras fossem claras: “É preciso saber exactamente quem pode fazer o quê, quando, onde e como”, disse, citada pela estação de televisão americana CNN.
Períodos diferentes para idosos ou famílias
E há ainda pouca definição sobre como vão funcionar destinos de Verão no acesso aos locais mais procurados: as praias.
Isso começou a ver-se nos últimos dias: com o aumento da temperatura, muitas zonas costeiras foram muito mais procuradas nos últimos dias, e em alguns locais, praias foram fechadas por se temer enchentes. Na quarta-feira passada, dias depois de as autoridades francesas terem determinado a reabertura das praias, uma zona da Bretanha, Morbihan, decretou o encerramento de cinco praias por “comportamento inaceitável” dos visitantes e não cumprimento das regras de distância física entre as pessoas.
Em Barcelona estão em vigor janelas de tempo em que os visitantes podem estar na praia, e as autoridades têm apelado a que os cidadãos cumpram estes limites — das 6h às 10h as praias podem ser usadas por pessoas que vão caminhar ou correr, das 10h ao meio-dia e das 19h às 20h as praias estariam reservadas a idosos, e a “famílias” no restante horário. Ainda assim, houve uma hesitação inicial sobre o que se poderia fazer na praia, e apesar de ter sido pensado inicialmente que se poderia ficar na praia a apanhar sol, isso não foi ainda permitido, diz a televisão Beteve.
Peritos de saúde ouvidos pela agência de notícias alemã DPA avisaram para o risco de uma segunda onda de infecções resultado do relaxamento ainda antes do Verão.
Hajo Zeep, do Instituto Leibniz para Investigação em Prevenção e Epidemiologia em Bremen lembrou que os números dos estudos serológicos indicam baixas taxas de infecção (Itália e Suécia têm 5%, por exemplo) o que significa que a esmagadora maioria da população está ainda exposta e “o vírus pode espalhar-se rapidamente se houver as condições certas”.
Já Max Geraedts, médico e investigador da Universidade de Marburg, notou o perigo de não cumprimento da distância social se muitas pessoas se juntarem em bares de praia, por exemplo, e destacou as viagens de férias como um potencial multiplicador de casos quer no país de origem, quer no destino. Outro problema podem ser turistas doentes a sobrecarregar sistemas de saúde locais. “Eticamente é pelo menos questionável se já se tem poucos recursos para quem já lá está, e ainda se tem de ter em conta turistas.”
Onda de calor dos últimos dias deixou as praias cheias em várias zonas de costa europeia. Especialistas temem efeitos do relaxamento. Há “bolhas” e “corredores” em algumas.
O calor levou muitas pessoas à beira-mar em muitos países em fase de desconfinamento, e alguns acabaram por encerrar algumas praias para impedir que se juntasse demasiada gente. Enquanto isso, países de turismo de praia preparam-se para reabrir, também a estrangeiros — ou pelo menos a alguns estrangeiros.
Espanha adiantou esta segunda-feira a data em que planeia receber visitantes de outros países sem a necessidade de 14 dias em quarentena como existe actualmente: a partir de 1 de Julho e não de 15 como estava previsto.
A falta de uma data concreta era apontada por representantes do sector do Turismo como um problema para quem estivesse indeciso entre vários destinos ao planear as suas férias, e a existência da quarentena era vista como um sinal de que os turistas não eram bem-vindos.
A ministra francesa Élisabeth Borne (Transição Ecológica) declarou que a decisão de Espanha abrir as fronteiras mas manter a quarentena dava “uma mensagem contraditória”, desaconselhando viagens para o país vizinho. França está a levar a cabo, de qualquer modo, uma campanha para os franceses fazerem turismo no próprio país.
Na Grécia, recomeçaram esta segunda-feira as viagens de ferry para todas as ilhas, depois de um ensaio de uma semana apenas com a rota para Creta, com medidas de distanciamento físico e medição de temperatura. A única excepção de destino dos ferries continua a ser Itália, cujo recomeço se espera para a próxima semana.
Alguns países estão a agir com especial cautela, por exemplo a Croácia, o país europeu mais dependente do turismo (20% do PIB), que ainda só considerou admitir sem quarentena visitantes da Eslovénia, que tem um número semelhante de mortes de covid-19.
"Bolhas” ou “corredores” de turismo
A Comissão Europeia continua a discutir com os Estados-membros uma abordagem coordenada, disse no briefing diário desta segunda-feira o porta-voz Christian Wigan. Mas a Comissão sublinha que “todas as restrições devem ser baseadas na saúde pública e não na nacionalidade”, disse. “A nossa expectativa é de que os Estados-membros apliquem as mesmas medidas a cidadãos que venham de países com situações epidemiológicas semelhantes.”
Como será o Verão na Europa? Um guia do regresso do turismo
Até agora, têm sido referidos acordos bilaterais entre alguns países para o regresso da livre circulação entre si, e a primeira “bolha de viagens” é na Estónia, Letónia e Lituânia.
Estas “bolhas” ou “corredores” de turismo são uma possibilidade para salvar a época turística este ano, dizem vários peritos. Mas para isso é necessário informação pormenorizada, disse Richard Butler, professor de turismo na Universidade de Strathclyde (Escócia), deixando várias perguntas: “Quem precisar de assistência médica tem-na garantida dentro da ‘bolha’? As restrições em termos de dimensões máximas de grupos permitidos vão ser as mesmas, e os visitantes vão ser tratados de igual modo que população local?”
A professora de psicologia da saúde Susan Michie da University College de Londres (UCL) disse que para o cumprimento das regras ser maior, era essencial que as regras fossem claras: “É preciso saber exactamente quem pode fazer o quê, quando, onde e como”, disse, citada pela estação de televisão americana CNN.
Períodos diferentes para idosos ou famílias
E há ainda pouca definição sobre como vão funcionar destinos de Verão no acesso aos locais mais procurados: as praias.
Isso começou a ver-se nos últimos dias: com o aumento da temperatura, muitas zonas costeiras foram muito mais procuradas nos últimos dias, e em alguns locais, praias foram fechadas por se temer enchentes. Na quarta-feira passada, dias depois de as autoridades francesas terem determinado a reabertura das praias, uma zona da Bretanha, Morbihan, decretou o encerramento de cinco praias por “comportamento inaceitável” dos visitantes e não cumprimento das regras de distância física entre as pessoas.
Em Barcelona estão em vigor janelas de tempo em que os visitantes podem estar na praia, e as autoridades têm apelado a que os cidadãos cumpram estes limites — das 6h às 10h as praias podem ser usadas por pessoas que vão caminhar ou correr, das 10h ao meio-dia e das 19h às 20h as praias estariam reservadas a idosos, e a “famílias” no restante horário. Ainda assim, houve uma hesitação inicial sobre o que se poderia fazer na praia, e apesar de ter sido pensado inicialmente que se poderia ficar na praia a apanhar sol, isso não foi ainda permitido, diz a televisão Beteve.
Peritos de saúde ouvidos pela agência de notícias alemã DPA avisaram para o risco de uma segunda onda de infecções resultado do relaxamento ainda antes do Verão.
Hajo Zeep, do Instituto Leibniz para Investigação em Prevenção e Epidemiologia em Bremen lembrou que os números dos estudos serológicos indicam baixas taxas de infecção (Itália e Suécia têm 5%, por exemplo) o que significa que a esmagadora maioria da população está ainda exposta e “o vírus pode espalhar-se rapidamente se houver as condições certas”.
Já Max Geraedts, médico e investigador da Universidade de Marburg, notou o perigo de não cumprimento da distância social se muitas pessoas se juntarem em bares de praia, por exemplo, e destacou as viagens de férias como um potencial multiplicador de casos quer no país de origem, quer no destino. Outro problema podem ser turistas doentes a sobrecarregar sistemas de saúde locais. “Eticamente é pelo menos questionável se já se tem poucos recursos para quem já lá está, e ainda se tem de ter em conta turistas.”
Combater a fome
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral, in RR
Na recuperação económica e social, o Estado deve contar com o chamado sector social, mais de 70 mil entidades que no país trabalham, não para o lucro, mas para auxiliar os mais desprotegidos. Essas entidades estão agora aflitas com o súbito e enorme aumento das solicitações que lhes são dirigidas. Precisam de mais apoio estatal.
O Governo ouviu os partidos sobre o programa de combate à crise económica e social decorrente da pandemia. Trata-se de um programa intercalar, que apenas poderá ser completado quando forem conhecidos os apoios que o país irá receber da UE, o que pode demorar ainda várias semanas. Hoje a Comissão Europeia apresenta a sua proposta, mas esta terá que ser aprovada em Conselho, o que apresenta dificuldades, bem como no Parlamento Europeu, onde será decerto bem recebida.
A fome já atinge muita gente em Portugal e tem que ser combatida. Nessa tarefa inadiável o Estado deve contar com o chamado sector social, mais de 70 mil entidades que trabalham, não para o lucro, mas para auxiliar os mais desprotegidos.
O sector social tem vindo a crescer em Portugal, até por causa do crescente envelhecimento da população portuguesa. Ora as instituições sociais conhecem bem melhor do que o Estado quem realmente precisa de apoio. Recorde-se o falhanço estatal quanto à menina Valentina, de nove anos, morta pelo pai. Não estou a culpar ninguém, apenas lembro o que é óbvio: a nossa Administração pública não tem meios, nomeadamente humanos, para acompanhar de perto e em permanência esse tipo de situações.
A brutal crise económica e social que se abateu sobre a sociedade portuguesa e mundial suscitou a multiplicação de pessoas que caíram da classe média baixa para a pobreza absoluta – mas que têm vergonha de pedir comida. As instituições sociais estão, em geral, mais próximas combater a fome do relançamento quem realmente precisou a multiplicação. Recorde-se o falhanço dessas pessoas, por isso terão mais possibilidades de detectar quem realmente precisa. O problema é que essas instituições viram multiplicar-se enormemente os pedidos de ajuda, ultrapassando largamente os seus recursos.
Infelizmente, houve atrasos nos pagamentos do Estado a várias IPSS, como reconheceu o secretário de Estado da Saúde. O que talvez se compreenda dadas as inúmeras solicitações a que a nossa Administração pública foi e é alvo, para o que não estava preparada (ninguém estava).
O Estado deve financiar as instituições sociais, não só não atrasando pagamentos prometidos como indo um pouco mais longe. É que a prioridade do relançamento económico e social deve ser combater a fome.
Na recuperação económica e social, o Estado deve contar com o chamado sector social, mais de 70 mil entidades que no país trabalham, não para o lucro, mas para auxiliar os mais desprotegidos. Essas entidades estão agora aflitas com o súbito e enorme aumento das solicitações que lhes são dirigidas. Precisam de mais apoio estatal.
O Governo ouviu os partidos sobre o programa de combate à crise económica e social decorrente da pandemia. Trata-se de um programa intercalar, que apenas poderá ser completado quando forem conhecidos os apoios que o país irá receber da UE, o que pode demorar ainda várias semanas. Hoje a Comissão Europeia apresenta a sua proposta, mas esta terá que ser aprovada em Conselho, o que apresenta dificuldades, bem como no Parlamento Europeu, onde será decerto bem recebida.
A fome já atinge muita gente em Portugal e tem que ser combatida. Nessa tarefa inadiável o Estado deve contar com o chamado sector social, mais de 70 mil entidades que trabalham, não para o lucro, mas para auxiliar os mais desprotegidos.
O sector social tem vindo a crescer em Portugal, até por causa do crescente envelhecimento da população portuguesa. Ora as instituições sociais conhecem bem melhor do que o Estado quem realmente precisa de apoio. Recorde-se o falhanço estatal quanto à menina Valentina, de nove anos, morta pelo pai. Não estou a culpar ninguém, apenas lembro o que é óbvio: a nossa Administração pública não tem meios, nomeadamente humanos, para acompanhar de perto e em permanência esse tipo de situações.
A brutal crise económica e social que se abateu sobre a sociedade portuguesa e mundial suscitou a multiplicação de pessoas que caíram da classe média baixa para a pobreza absoluta – mas que têm vergonha de pedir comida. As instituições sociais estão, em geral, mais próximas combater a fome do relançamento quem realmente precisou a multiplicação. Recorde-se o falhanço dessas pessoas, por isso terão mais possibilidades de detectar quem realmente precisa. O problema é que essas instituições viram multiplicar-se enormemente os pedidos de ajuda, ultrapassando largamente os seus recursos.
Infelizmente, houve atrasos nos pagamentos do Estado a várias IPSS, como reconheceu o secretário de Estado da Saúde. O que talvez se compreenda dadas as inúmeras solicitações a que a nossa Administração pública foi e é alvo, para o que não estava preparada (ninguém estava).
O Estado deve financiar as instituições sociais, não só não atrasando pagamentos prometidos como indo um pouco mais longe. É que a prioridade do relançamento económico e social deve ser combater a fome.
27.5.20
O vírus chegou ao Bairro da Jamaica: “Se sairmos daqui, para onde vamos?”
Cristiana Faria Moreira (Texto) e Rui Gaudêncio (Fotografia), in Público on-line
O novo coronavírus chegou ao Bairro da Jamaica e já infectou 16 pessoas. A Câmara do Seixal pede “mais informação” ao Governo para conter surtos. Os infectados deverão estar a cumprir o isolamento nas suas precárias casas e, segundo diz a junta de freguesia, a PSP passa uma vez por dia para verificar se estão a cumpri-lo.
Pulquéria Neto não sabe o que é esse luxo de poder trabalhar de casa ou de fazer uma quarentena voluntária. É natural de São Tomé e Príncipe e faz daquele bairro casa há 17 anos, quando chegou para se “aventurar”. Agora, enfrenta mais uma aventura, sobretudo porque a sua vida se recheia de ingredientes que a tornam um alvo fácil ao vírus que anda por aí. Esta mulher de 62 anos, diabética, sai todos os dias da sua casa numa das torres de tijolos do Bairro da Jamaica, conhecido também como Vale de Chícharos, por volta das 5h da manhã para ir apanhar o autocarro, muitas vezes lotado. Vai fazer limpezas em Lisboa ou nos municípios vizinhos. Trabalha até às 9h. Depois, às 17h, “toda equipada mesmo”, lança-se a mais três horas de trabalho. Entra em casa já bem para lá das nove da noite.
Rui reinterpreta os rabiscos de crianças — e transforma-os em personagens ilustradas
Nesta terça-feira, andou no meio do vírus. Esteve a limpar a mesquita de Lisboa, onde estão a ser acolhidos requerentes de asilo infectados com o novo coronavírus, mas sem grandes sintomas. Agora, foi a vez de o vírus lhe chegar ao bairro. Também nesta terça, a directora-geral da Saúde, Graças Freitas, confirmou na habitual conferência de imprensa de balanço da situação epidemiológica do país que há 16 casos de infecção pelo novo coronavírus no Bairro da Jamaica.
A informação apanhou desprevenida a Câmara do Seixal, que “lamenta que essa informação não tenha sido facultada ao município e às instituições que estão na linha da frente e que depois seja conhecida através da comunicação social”. O município, liderado pelo comunista Joaquim Santos, disse já ao final da tarde, em comunicado, que solicitou à Unidade de Saúde Pública de Almada e Seixal “informação sobre a origem dos novos casos que surgem no concelho e a sua evolução, de modo a poder ajudar na sua contenção”. E solicitou “com urgência” uma reunião à ministra da Saúde e à Unidade de Saúde Pública.
Mal se chega ao bairro há um ambiente de estranha acalmia, fora a música alta que ecoa dos cafés abertos. É por ali que se concentram os jovens do bairro. A vida vive-se muito na rua, no convívio, ao ritmo dessa música. Talvez porque as condições onde ainda vivem 74 famílias, em prédio inacabados, não permitam o conforto que apela à permanência em casa. Há décadas que aquele bairro, constituído em grande parte por imigrantes dos PALOP, serve de habitação a centenas de famílias que foram construindo as suas casas em cima de estruturas inacabadas. O seu realojamento está em curso.
Os moradores do Bairro da Jamaica começaram a ser realojados em Dezembro de 2018, mas ainda faltam 74 famílias
Pulquéria avisa para ninguém se deixar levar por esta aparente calma. “Venha cá sábado ou domingo para ver como isto fica. Nós aqui não somos muito, mas vêm pessoas de fora.” Não é que a notícia os tenha apanhado de surpresa, mas os moradores desconheciam o número de vizinhos infectados, nem sabem onde param. A empregada de limpeza soube através da câmara. “Soube há coisa de 15 dias quando a câmara veio distribuir máscaras.”
Nos dias 16 e 18 de Maio, equipas da autarquia e da PSP estiveram no bairro a distribuir máscaras aos moradores, já depois de se saber da existência de alguns casos de moradores que teriam contraído o vírus numa festa na Aroeira, em Almada, no início de Maio, diz a autarquia. Pulquéria fez a sua parte e comprou lixívia para desinfectar as escadas de madeira que ajudam a sustentar por dentro o esqueleto do prédio. Tem receio, mas a vida não a deixa parar. “As contas pagam-se como?”
“Isto é preocupante”
O presidente da associação de moradores, Salimo Farã, de 51 anos, diz desconhecer o número de infectados e onde estão estas pessoas. A câmara também não sabe. Deverão estar nas suas precárias casas. Ao PÚBLICO, fonte da autarquia esclarece que não foi solicitado pelas autoridades de saúde qualquer espaço para acolher os infectados. A autarquia criou centros de acolhimento temporário para doentes com covid-19 e para pessoas sem abrigo que poderiam ser utilizadas para esse efeito, mas que não foram solicitadas.
Para Salimo Farã, o grande problema do bairro foram os cafés que se mantiveram abertos, mesmo em estado de emergência. “As famílias estão em casa. Quem vai para os cafés não mora aqui. Isto é preocupante”, nota o morador, ao telefone, porque está de baixa médica e a cumprir o seu isolamento voluntário. “Todos dos fins-de-semana aparecem aqui bandos de pessoas a fazer sardinhadas, alguns sem máscara. A lei é para todos, temos de cumprir. Porque é que a autoridade não vem aqui?”, questiona.
Salimo diz que pediu ajuda à junta de freguesia, à câmara e à Protecção Civil para tentar mitigar estes ajuntamentos, mas que ninguém apareceu. A Embaixada de São Tomé fez-lhe chegar uma circular com recomendações de segurança, que andou a colar pelo bairro. Pulquéria nota que não duraram muito tempo, que foram todas arrancadas.
Há muito tempo que o presidente da Junta de Freguesia da Amora, Manuel Araújo, está preocupado com este e com outros bairros sociais da freguesia, diz. “É difícil as pessoas ficarem confinadas em casa pelas condições que têm e pelos próprios hábitos. São pessoas que estão habituadas a conviver.” Da informação de que dispõe, que também não é muita, lamenta, as pessoas infectadas “estão confinadas em casa” e “a PSP faz uma passagem pelas casas uma vez por dia” para assegurar que estão a cumprir o isolamento.
O cenário e a falta de informação assustam um morador de 27 anos, que ali vive desde criança e não se quis identificar por temer represálias, sobretudo pelo filho pequenino que tem em casa. Ele sugere que deveriam ser feitos testes à covid-19 a todos os moradores, para que pudessem viver com um pouco mais de liberdade. “Era muito rápido, porta a porta. É uma zona sem muita segurança, com muita gente... As pessoas fazem o seu dia-a-dia, tomam as suas medidas, mas não sabem ao certo. Saem daqui, vão ao supermercado e contagiam.”
Ele aguarda ser realojado, um processo que a câmara queria ter resolvido até ao final do ano, mas que a pandemia poderá atrasar. Tem saído pouco de casa porque não se sente seguro. Nem pelo vírus nem pela segurança. “Eu luto para sair daqui”, atira o jovem. Mas, nesse entretanto, o futuro tem sido sempre adiado. “Ninguém pediu para estar aqui, mas saindo daqui, para onde vamos?”
O novo coronavírus chegou ao Bairro da Jamaica e já infectou 16 pessoas. A Câmara do Seixal pede “mais informação” ao Governo para conter surtos. Os infectados deverão estar a cumprir o isolamento nas suas precárias casas e, segundo diz a junta de freguesia, a PSP passa uma vez por dia para verificar se estão a cumpri-lo.
Pulquéria Neto não sabe o que é esse luxo de poder trabalhar de casa ou de fazer uma quarentena voluntária. É natural de São Tomé e Príncipe e faz daquele bairro casa há 17 anos, quando chegou para se “aventurar”. Agora, enfrenta mais uma aventura, sobretudo porque a sua vida se recheia de ingredientes que a tornam um alvo fácil ao vírus que anda por aí. Esta mulher de 62 anos, diabética, sai todos os dias da sua casa numa das torres de tijolos do Bairro da Jamaica, conhecido também como Vale de Chícharos, por volta das 5h da manhã para ir apanhar o autocarro, muitas vezes lotado. Vai fazer limpezas em Lisboa ou nos municípios vizinhos. Trabalha até às 9h. Depois, às 17h, “toda equipada mesmo”, lança-se a mais três horas de trabalho. Entra em casa já bem para lá das nove da noite.
Rui reinterpreta os rabiscos de crianças — e transforma-os em personagens ilustradas
Nesta terça-feira, andou no meio do vírus. Esteve a limpar a mesquita de Lisboa, onde estão a ser acolhidos requerentes de asilo infectados com o novo coronavírus, mas sem grandes sintomas. Agora, foi a vez de o vírus lhe chegar ao bairro. Também nesta terça, a directora-geral da Saúde, Graças Freitas, confirmou na habitual conferência de imprensa de balanço da situação epidemiológica do país que há 16 casos de infecção pelo novo coronavírus no Bairro da Jamaica.
A informação apanhou desprevenida a Câmara do Seixal, que “lamenta que essa informação não tenha sido facultada ao município e às instituições que estão na linha da frente e que depois seja conhecida através da comunicação social”. O município, liderado pelo comunista Joaquim Santos, disse já ao final da tarde, em comunicado, que solicitou à Unidade de Saúde Pública de Almada e Seixal “informação sobre a origem dos novos casos que surgem no concelho e a sua evolução, de modo a poder ajudar na sua contenção”. E solicitou “com urgência” uma reunião à ministra da Saúde e à Unidade de Saúde Pública.
Mal se chega ao bairro há um ambiente de estranha acalmia, fora a música alta que ecoa dos cafés abertos. É por ali que se concentram os jovens do bairro. A vida vive-se muito na rua, no convívio, ao ritmo dessa música. Talvez porque as condições onde ainda vivem 74 famílias, em prédio inacabados, não permitam o conforto que apela à permanência em casa. Há décadas que aquele bairro, constituído em grande parte por imigrantes dos PALOP, serve de habitação a centenas de famílias que foram construindo as suas casas em cima de estruturas inacabadas. O seu realojamento está em curso.
Os moradores do Bairro da Jamaica começaram a ser realojados em Dezembro de 2018, mas ainda faltam 74 famílias
Pulquéria avisa para ninguém se deixar levar por esta aparente calma. “Venha cá sábado ou domingo para ver como isto fica. Nós aqui não somos muito, mas vêm pessoas de fora.” Não é que a notícia os tenha apanhado de surpresa, mas os moradores desconheciam o número de vizinhos infectados, nem sabem onde param. A empregada de limpeza soube através da câmara. “Soube há coisa de 15 dias quando a câmara veio distribuir máscaras.”
Nos dias 16 e 18 de Maio, equipas da autarquia e da PSP estiveram no bairro a distribuir máscaras aos moradores, já depois de se saber da existência de alguns casos de moradores que teriam contraído o vírus numa festa na Aroeira, em Almada, no início de Maio, diz a autarquia. Pulquéria fez a sua parte e comprou lixívia para desinfectar as escadas de madeira que ajudam a sustentar por dentro o esqueleto do prédio. Tem receio, mas a vida não a deixa parar. “As contas pagam-se como?”
“Isto é preocupante”
O presidente da associação de moradores, Salimo Farã, de 51 anos, diz desconhecer o número de infectados e onde estão estas pessoas. A câmara também não sabe. Deverão estar nas suas precárias casas. Ao PÚBLICO, fonte da autarquia esclarece que não foi solicitado pelas autoridades de saúde qualquer espaço para acolher os infectados. A autarquia criou centros de acolhimento temporário para doentes com covid-19 e para pessoas sem abrigo que poderiam ser utilizadas para esse efeito, mas que não foram solicitadas.
Para Salimo Farã, o grande problema do bairro foram os cafés que se mantiveram abertos, mesmo em estado de emergência. “As famílias estão em casa. Quem vai para os cafés não mora aqui. Isto é preocupante”, nota o morador, ao telefone, porque está de baixa médica e a cumprir o seu isolamento voluntário. “Todos dos fins-de-semana aparecem aqui bandos de pessoas a fazer sardinhadas, alguns sem máscara. A lei é para todos, temos de cumprir. Porque é que a autoridade não vem aqui?”, questiona.
Salimo diz que pediu ajuda à junta de freguesia, à câmara e à Protecção Civil para tentar mitigar estes ajuntamentos, mas que ninguém apareceu. A Embaixada de São Tomé fez-lhe chegar uma circular com recomendações de segurança, que andou a colar pelo bairro. Pulquéria nota que não duraram muito tempo, que foram todas arrancadas.
Há muito tempo que o presidente da Junta de Freguesia da Amora, Manuel Araújo, está preocupado com este e com outros bairros sociais da freguesia, diz. “É difícil as pessoas ficarem confinadas em casa pelas condições que têm e pelos próprios hábitos. São pessoas que estão habituadas a conviver.” Da informação de que dispõe, que também não é muita, lamenta, as pessoas infectadas “estão confinadas em casa” e “a PSP faz uma passagem pelas casas uma vez por dia” para assegurar que estão a cumprir o isolamento.
O cenário e a falta de informação assustam um morador de 27 anos, que ali vive desde criança e não se quis identificar por temer represálias, sobretudo pelo filho pequenino que tem em casa. Ele sugere que deveriam ser feitos testes à covid-19 a todos os moradores, para que pudessem viver com um pouco mais de liberdade. “Era muito rápido, porta a porta. É uma zona sem muita segurança, com muita gente... As pessoas fazem o seu dia-a-dia, tomam as suas medidas, mas não sabem ao certo. Saem daqui, vão ao supermercado e contagiam.”
Ele aguarda ser realojado, um processo que a câmara queria ter resolvido até ao final do ano, mas que a pandemia poderá atrasar. Tem saído pouco de casa porque não se sente seguro. Nem pelo vírus nem pela segurança. “Eu luto para sair daqui”, atira o jovem. Mas, nesse entretanto, o futuro tem sido sempre adiado. “Ninguém pediu para estar aqui, mas saindo daqui, para onde vamos?”
O medo e a mágoa na vila onde Portugal enfrentou há um século uma outra “peste”: a tuberculose
Mariana Correia Pinto (texto) e Manuel Roberto (fotografia), in Público on-line
O novo coronavírus não chegou ao antigo epicentro da luta contra a tuberculose. Mas instalou mais medo do que a “peste branca”. Os dias da pandemia recordam ao Caramulo o isolamento pré-covid-19 e trazem saudades de dias agitados. A mágoa maior da vila do interior ainda é o abandono.
De repente ele estava ali, na morada da doença onde se sonhava a cura. À insuficiência da medicina atendera a crença nos poderes curativos do descanso, da alimentação certeira e dos bons ares do Caramulo. Valentina Vila fez a viagem de Bragança até à vila serrana para visitar o marido, recordando a fraqueza repentina do homem, as febres altas, o sangue expelido na tosse. Tuberculose, diagnosticara o médico, ordenando o internamento num sanatório. Ela não tinha medo. Ansiava o reencontro sem imaginar a surpresa com a geografia onde iria estacionar: “Era a coisa mais linda que já tinha visto…” Mais de 50 anos passados, ainda se emociona ao recordar aquele momento em que a ideia de futuro venceu o temor de um fim precoce para a “tísica”. Talvez por isso, desse ano de 1964 guardou primeiro a memória da serra “toda florida” e só depois a da doença. Ela que viu morrer gente e amparou, sem protecções, as hemoptises do marido e de muitos doentes do sanatório onde se empregou. “Não me incomodava. A gente não tinha noção, por isso não tinha medo.”
Valentina Vila, 82 anos, agarra-se a esse pretérito para enfrentar os tempos pandémicos de 2020. No sanatório Boa Esperança, hoje transformado em lar, trabalhava na “rouparia”, fazia as camas, cuidava dos doentes. Sem máscara, luvas ou gel desinfectante. “Sou uma pessoa que tem um nome que condiz comigo: Valentina, de valente”, brinca, fita no cabelo e camisola rosa posta. Aos filhos, preocupados com a covid-19, jura-lhes ter anticorpos criados pela experiência: “Vivi lado a lado com tuberculosos. Estou protegida desde esse tempo. Hei-de morrer, mas não é disto.” Não se confunda a convicção da transmontana com desprezo pela doença: “Agora é pior”, avisa se lhe pedem para pôr as duas épocas na balança. “Toda a gente faz muito cuidado. Respeitamos o vírus, que não conhecemos, por medo do que virá.”
No Caramulo, epicentro da cura da tuberculose em Portugal, onde outrora se guardou a maior estância senatorial da Península Ibérica, o novo coronavírus ainda não infectou ninguém. Mas infiltrou-se de fininho nos quotidianos. E transformou quase tudo.
São 10h30 e um casal toma o pequeno-almoço numa mesa do café Marte, uma mulher bebe um café, homens entram e saem, fazendo pedidos rápidos ao balcão. De fora, vem o ruído das máquinas a levantar poeira enquanto se instala um renovado saneamento na vila do distrito de Viseu, obra iniciada durante a pandemia. Hélder Leal não perdeu a energia para o confinamento nem se rendeu à crise instalada sem aviso no seu estabelecimento.
O negócio “baixou drasticamente” ainda a ordem para fechar portas não havia sido declarada e a retoma, agora que reabriu mas as regras impõem limitações de clientes, adivinha-se lenta. Accionou um processo de layoff, cancelou contratos com fornecedores, comunicou à distribuidora de jornais a suspensão do acordo firmado. Por mais de dois meses, a vila perdeu a sua “casa de utilidade pública”, como Hélder Leal gosta de classificar o seu café e restaurante, lugar onde os turistas paravam, os moradores conviviam, a conversa se esticava, os jornais se vendiam. Não há, naquele território com cerca de mil habitantes, mais nenhum quiosque.
Talvez por essa escassez de notícias, a Rádio Emissora das Beiras, difundida a partir de uma moradia bem perto dali, viu as audiências do 91.2 e do site subirem mais de 200%. A pequena redacção mantém centenas de vinis e CD empilhados, atesta a memória com recortes de jornais e posters autografados por cantores populares, mas mistura a fidelidade da programação inspirada nos tempos da onda média com alguma modernidade. Marta Catarina Rosa, a jornalista, conhece bem a fórmula de sucesso da rádio: “Não interessa tanto noticiar o que se passa no Parlamento, mas mais as obras da vila, o encerramento dos espaços”, exemplifica. Em tempos de covid-19, juntou à informação útil um lado pedagógico: permanecer em casa, manter distâncias, lavar as mãos.
Para Lopes da Rosa, o director da estação, o “grande medo” dos dias de hoje tem paralelo com os anos da “peste branca” a assolar o país e o mundo. “A tuberculose era uma tragédia. Aqui tratava-se muita gente, mas também morriam muitos. Ficavam aqui anos e anos internados, às vezes rejeitados pelas famílias.” Lopes da Rosa havia cumprido serviço militar no Norte de África e retornava à capital a ansiar a normalidade quando uma inspecção médica lhe detectou a doença. Estava o ano de 1974 a principiar. Estacionou os sonhos para rumar ao Sanatório Salazar, renomeado pelo povo como Sanatório 25 de Abril logo após a revolução.
Por essa altura, a estância sanatorial já vivia tempos de queda. Na terra rural do início do século passado, Jerónimo Lacerda instalara em 1920 um hotel para hóspedes com fraquezas, driblando ainda a palavra sanatório e a carga negativa da doença. Mas os anos 1930 eram já dramáticos, como demonstram as 13 mil mortes anuais registadas nas estatísticas oficiais do país. E a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial faziam doentes de fora eleger Portugal para se tratar.
Em alguns anos, a vila ganhou movimento de cidade, com 20 sanatórios, rede de distribuição de água, barragem própria, rede de esgotos, centro de tratamento e incineração de lixos, uma estrutura para recuperação das águas contaminadas, posto de correios, central telefónica, matadouro, escola primária. A descoberta da estreptomicina, nos anos 1940, deu esperança renovada no combate ao bacilo de Koch e, duas décadas depois, a doença enfraquecia. As estâncias do Caramulo esmoreceram, até ao derradeiro fim, já nos anos 1980.
A agitação de outros tempos plantou saudades duradouras em terras serranas. Esmeralda Calheiros, 84 anos, trabalhou na lavandaria dos sanatórios. “Lavávamos tudo com água, sabão e lixívia”, recorda. Às vezes, a roupa dos doentes aparecia cheia de sangue e descobriam “pedaços de costelas”. As colegas “brincavam com a doença”, sem temores maiores: “Diziam: ‘Olha um bife’”, conta divertida. Todos se “governavam” ali, trabalhando nos sanatórios, directa ou indirectamente. E agora, vai dizendo da varanda florida da sua casa, já nada se assemelha ao passado: “O Caramulo caiu e caiu e caiu… Agora está mesmo no chão.”
Na rua da sua casa, junto ao cemitério, um homem enfrenta o sol com o guarda-chuva aberto. “José Brasileiro é o meu nome, assim me conhecem.” Tem 86 anos, nasceu no Caramulo e de lá nunca saiu. “Tomara aqueles tempos. Vivia-se melhor aqui do que na cidade.” Palavra de agricultor a quem a tuberculose nunca meteu medo e a covid-19 passa ao lado: “A doença aqui é muito difícil de pegar. O ar não autoriza a chegada do vírus. Só mesmo se vier de fora”, comenta convicto enquanto Esmeralda Calheiros passa, já de máscara na cara e chapéu florido. Vai ao cabeleireiro, dois meses de confinamento depois, tentando mascarar a inquietação entranhada nos seus dias: “Estamos a viver tristes e cada vez mais tristes...”
O sentimento é mistura de melancolia do passado e mágoa do presente. Assim o explica José dos Prazeres, proprietário do mercado Serrano, para quem “a tristeza maior do Caramulo continua a ser o abandono”. Os sanatórios em ruína, a população envelhecida e os mais novos a partir, vários restaurantes e café desaparecidos, a pousada encerrada, a sede da GNR com ervas daninhas. E, com a pandemia, hotel, posto turístico, museu e igreja fechados, a maioria das lojas trancadas, as ruas desertas. O posto médico encerrado.
Alice Costa sai do mercado com dois litros de leite num saco e logo se pronuncia sobre o acontecimento: “O posto tem de abrir, temos de nos juntar, novos e velhos, e ir a Tondela.” Aos 80 anos, conta histórias de dor profunda do passado, mas atira o pesar maior para o presente: “Este vírus é muito pior. Tenho medo.” No tempo da “tísica”, diz, “havia muita higiene, tudo era escaldado, havia escarradeiras na rua, nos cafés, na igreja, a louça D e S, para doentes e saudáveis”. José dos Prazeres entende o raciocínio. Também ele esteve internado num dos sanatórios, aos 18 anos, com “uma ferida no pulmão do tamanho da unha grande” e viu-se, nestes dias, a copiar comportamentos de outrora. “Quando havia tuberculose, fechava a janela do carro com medo do contágio, e agora aconteceu-me fazer o mesmo.” A mortalidade não é sequer comparável, mas o receio actual avolumou-se. “Lembro-me de ser miúdo e de haver aqui três e quatro funerais por dia”, conta, logo interrompido por Alice Costa: “O Diamantino carpinteiro fazia caixões dia e noite. Todos os dias morria gente.”
O medo não pode nada com Francisco Leite. Boina posta, máscara na mão, 88 anos cumpridos em Abril, chega à porta do mercado a desafiar José dos Prazeres para “jogar à bisca”. Foi parar ao Caramulo em 1955, depois de chegar da guerra na Índia, onde passou “fome de cão” sem vacilar perante nenhuma doença. Foi taxista e num carro de seis levava, por vezes, dez ou 12 pessoas. Apanhava muitas vezes os “magalas” de um dos sanatórios, levava-os a Viseu, ao Porto, onde quisessem. “Nunca apanhei nada”, orgulha-se. Ao novo coronavírus responde com lavagem de mãos e desinfectante. “Tenho cuidados, mas a vida continua”, avisa, indisponível para confinar a liberdade.
Na morada onde se viu a morte e enterrou a doença, habita há muito a solidão e o isolamento. Do pátio de casa, Valentina Vale já não vê a serra bela pela qual se apaixonou. “Há coisas que foram e já não voltam”, pronuncia baixinho, as lágrimas a abrilhantar os olhos. “Isto já não é o Caramulo, é uma serra morta.”
O novo coronavírus não chegou ao antigo epicentro da luta contra a tuberculose. Mas instalou mais medo do que a “peste branca”. Os dias da pandemia recordam ao Caramulo o isolamento pré-covid-19 e trazem saudades de dias agitados. A mágoa maior da vila do interior ainda é o abandono.
De repente ele estava ali, na morada da doença onde se sonhava a cura. À insuficiência da medicina atendera a crença nos poderes curativos do descanso, da alimentação certeira e dos bons ares do Caramulo. Valentina Vila fez a viagem de Bragança até à vila serrana para visitar o marido, recordando a fraqueza repentina do homem, as febres altas, o sangue expelido na tosse. Tuberculose, diagnosticara o médico, ordenando o internamento num sanatório. Ela não tinha medo. Ansiava o reencontro sem imaginar a surpresa com a geografia onde iria estacionar: “Era a coisa mais linda que já tinha visto…” Mais de 50 anos passados, ainda se emociona ao recordar aquele momento em que a ideia de futuro venceu o temor de um fim precoce para a “tísica”. Talvez por isso, desse ano de 1964 guardou primeiro a memória da serra “toda florida” e só depois a da doença. Ela que viu morrer gente e amparou, sem protecções, as hemoptises do marido e de muitos doentes do sanatório onde se empregou. “Não me incomodava. A gente não tinha noção, por isso não tinha medo.”
Valentina Vila, 82 anos, agarra-se a esse pretérito para enfrentar os tempos pandémicos de 2020. No sanatório Boa Esperança, hoje transformado em lar, trabalhava na “rouparia”, fazia as camas, cuidava dos doentes. Sem máscara, luvas ou gel desinfectante. “Sou uma pessoa que tem um nome que condiz comigo: Valentina, de valente”, brinca, fita no cabelo e camisola rosa posta. Aos filhos, preocupados com a covid-19, jura-lhes ter anticorpos criados pela experiência: “Vivi lado a lado com tuberculosos. Estou protegida desde esse tempo. Hei-de morrer, mas não é disto.” Não se confunda a convicção da transmontana com desprezo pela doença: “Agora é pior”, avisa se lhe pedem para pôr as duas épocas na balança. “Toda a gente faz muito cuidado. Respeitamos o vírus, que não conhecemos, por medo do que virá.”
No Caramulo, epicentro da cura da tuberculose em Portugal, onde outrora se guardou a maior estância senatorial da Península Ibérica, o novo coronavírus ainda não infectou ninguém. Mas infiltrou-se de fininho nos quotidianos. E transformou quase tudo.
São 10h30 e um casal toma o pequeno-almoço numa mesa do café Marte, uma mulher bebe um café, homens entram e saem, fazendo pedidos rápidos ao balcão. De fora, vem o ruído das máquinas a levantar poeira enquanto se instala um renovado saneamento na vila do distrito de Viseu, obra iniciada durante a pandemia. Hélder Leal não perdeu a energia para o confinamento nem se rendeu à crise instalada sem aviso no seu estabelecimento.
O negócio “baixou drasticamente” ainda a ordem para fechar portas não havia sido declarada e a retoma, agora que reabriu mas as regras impõem limitações de clientes, adivinha-se lenta. Accionou um processo de layoff, cancelou contratos com fornecedores, comunicou à distribuidora de jornais a suspensão do acordo firmado. Por mais de dois meses, a vila perdeu a sua “casa de utilidade pública”, como Hélder Leal gosta de classificar o seu café e restaurante, lugar onde os turistas paravam, os moradores conviviam, a conversa se esticava, os jornais se vendiam. Não há, naquele território com cerca de mil habitantes, mais nenhum quiosque.
Talvez por essa escassez de notícias, a Rádio Emissora das Beiras, difundida a partir de uma moradia bem perto dali, viu as audiências do 91.2 e do site subirem mais de 200%. A pequena redacção mantém centenas de vinis e CD empilhados, atesta a memória com recortes de jornais e posters autografados por cantores populares, mas mistura a fidelidade da programação inspirada nos tempos da onda média com alguma modernidade. Marta Catarina Rosa, a jornalista, conhece bem a fórmula de sucesso da rádio: “Não interessa tanto noticiar o que se passa no Parlamento, mas mais as obras da vila, o encerramento dos espaços”, exemplifica. Em tempos de covid-19, juntou à informação útil um lado pedagógico: permanecer em casa, manter distâncias, lavar as mãos.
Para Lopes da Rosa, o director da estação, o “grande medo” dos dias de hoje tem paralelo com os anos da “peste branca” a assolar o país e o mundo. “A tuberculose era uma tragédia. Aqui tratava-se muita gente, mas também morriam muitos. Ficavam aqui anos e anos internados, às vezes rejeitados pelas famílias.” Lopes da Rosa havia cumprido serviço militar no Norte de África e retornava à capital a ansiar a normalidade quando uma inspecção médica lhe detectou a doença. Estava o ano de 1974 a principiar. Estacionou os sonhos para rumar ao Sanatório Salazar, renomeado pelo povo como Sanatório 25 de Abril logo após a revolução.
Por essa altura, a estância sanatorial já vivia tempos de queda. Na terra rural do início do século passado, Jerónimo Lacerda instalara em 1920 um hotel para hóspedes com fraquezas, driblando ainda a palavra sanatório e a carga negativa da doença. Mas os anos 1930 eram já dramáticos, como demonstram as 13 mil mortes anuais registadas nas estatísticas oficiais do país. E a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial faziam doentes de fora eleger Portugal para se tratar.
Em alguns anos, a vila ganhou movimento de cidade, com 20 sanatórios, rede de distribuição de água, barragem própria, rede de esgotos, centro de tratamento e incineração de lixos, uma estrutura para recuperação das águas contaminadas, posto de correios, central telefónica, matadouro, escola primária. A descoberta da estreptomicina, nos anos 1940, deu esperança renovada no combate ao bacilo de Koch e, duas décadas depois, a doença enfraquecia. As estâncias do Caramulo esmoreceram, até ao derradeiro fim, já nos anos 1980.
A agitação de outros tempos plantou saudades duradouras em terras serranas. Esmeralda Calheiros, 84 anos, trabalhou na lavandaria dos sanatórios. “Lavávamos tudo com água, sabão e lixívia”, recorda. Às vezes, a roupa dos doentes aparecia cheia de sangue e descobriam “pedaços de costelas”. As colegas “brincavam com a doença”, sem temores maiores: “Diziam: ‘Olha um bife’”, conta divertida. Todos se “governavam” ali, trabalhando nos sanatórios, directa ou indirectamente. E agora, vai dizendo da varanda florida da sua casa, já nada se assemelha ao passado: “O Caramulo caiu e caiu e caiu… Agora está mesmo no chão.”
Na rua da sua casa, junto ao cemitério, um homem enfrenta o sol com o guarda-chuva aberto. “José Brasileiro é o meu nome, assim me conhecem.” Tem 86 anos, nasceu no Caramulo e de lá nunca saiu. “Tomara aqueles tempos. Vivia-se melhor aqui do que na cidade.” Palavra de agricultor a quem a tuberculose nunca meteu medo e a covid-19 passa ao lado: “A doença aqui é muito difícil de pegar. O ar não autoriza a chegada do vírus. Só mesmo se vier de fora”, comenta convicto enquanto Esmeralda Calheiros passa, já de máscara na cara e chapéu florido. Vai ao cabeleireiro, dois meses de confinamento depois, tentando mascarar a inquietação entranhada nos seus dias: “Estamos a viver tristes e cada vez mais tristes...”
O sentimento é mistura de melancolia do passado e mágoa do presente. Assim o explica José dos Prazeres, proprietário do mercado Serrano, para quem “a tristeza maior do Caramulo continua a ser o abandono”. Os sanatórios em ruína, a população envelhecida e os mais novos a partir, vários restaurantes e café desaparecidos, a pousada encerrada, a sede da GNR com ervas daninhas. E, com a pandemia, hotel, posto turístico, museu e igreja fechados, a maioria das lojas trancadas, as ruas desertas. O posto médico encerrado.
Alice Costa sai do mercado com dois litros de leite num saco e logo se pronuncia sobre o acontecimento: “O posto tem de abrir, temos de nos juntar, novos e velhos, e ir a Tondela.” Aos 80 anos, conta histórias de dor profunda do passado, mas atira o pesar maior para o presente: “Este vírus é muito pior. Tenho medo.” No tempo da “tísica”, diz, “havia muita higiene, tudo era escaldado, havia escarradeiras na rua, nos cafés, na igreja, a louça D e S, para doentes e saudáveis”. José dos Prazeres entende o raciocínio. Também ele esteve internado num dos sanatórios, aos 18 anos, com “uma ferida no pulmão do tamanho da unha grande” e viu-se, nestes dias, a copiar comportamentos de outrora. “Quando havia tuberculose, fechava a janela do carro com medo do contágio, e agora aconteceu-me fazer o mesmo.” A mortalidade não é sequer comparável, mas o receio actual avolumou-se. “Lembro-me de ser miúdo e de haver aqui três e quatro funerais por dia”, conta, logo interrompido por Alice Costa: “O Diamantino carpinteiro fazia caixões dia e noite. Todos os dias morria gente.”
O medo não pode nada com Francisco Leite. Boina posta, máscara na mão, 88 anos cumpridos em Abril, chega à porta do mercado a desafiar José dos Prazeres para “jogar à bisca”. Foi parar ao Caramulo em 1955, depois de chegar da guerra na Índia, onde passou “fome de cão” sem vacilar perante nenhuma doença. Foi taxista e num carro de seis levava, por vezes, dez ou 12 pessoas. Apanhava muitas vezes os “magalas” de um dos sanatórios, levava-os a Viseu, ao Porto, onde quisessem. “Nunca apanhei nada”, orgulha-se. Ao novo coronavírus responde com lavagem de mãos e desinfectante. “Tenho cuidados, mas a vida continua”, avisa, indisponível para confinar a liberdade.
Na morada onde se viu a morte e enterrou a doença, habita há muito a solidão e o isolamento. Do pátio de casa, Valentina Vale já não vê a serra bela pela qual se apaixonou. “Há coisas que foram e já não voltam”, pronuncia baixinho, as lágrimas a abrilhantar os olhos. “Isto já não é o Caramulo, é uma serra morta.”
O que chega a julgamento ainda é “a ponta das pontas do icebergue”
Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
Entre Setembro e Março, o PÚBLICO assistiu a vários julgamentos de violência doméstica. Nas próximas semanas publicamos detalhes sobre cada um. Especialistas alertam: o que chega a tribunal ainda é uma ínfima parte da realidade. Sistema coloca demasiada responsabilidade nas vítimas. Investigação e juízes deviam recolher e apreciar mais provas, além de testemunhos.
Margarida foi a tribunal pela segunda vez porque o marido, Alberto, octogenário, dizia frequentemente que a ia matar. Da primeira vez, o tribunal decidiu que o processo seria suspenso e Alberto teria uma segunda oportunidade. Mas reincidiu. Quando regressou ao tribunal, após novas queixas de Margarida, foi dado como demente, declarado inimputável e mandado de novo para casa.
Filipe, professor de Direito Penal numa universidade em Lisboa, nascido nos anos 70, é acusado de agredir uma antiga aluna, e já usou vários mecanismos que interromperam o julgamento; em tribunal, faz considerações sobre o que diz ser “‘nazismo’ de género”.
Rodrigo, nos seus 40 anos, tinha uma empresa que estoirou por causa do seu vício em cocaína; agrediu a mulher, chegou a apertar-lhe o pescoço, no dia do seu aniversário cuspiu-lhe na cara, deu-lhe um pontapé.
Rafael e Susana namoraram durante dois anos, mas ele não aceitou o fim da relação e passou a persegui-la. Fazia-lhe esperas à porta de casa e do trabalho, inundava-a de mensagens.
Mafalda é acusada de agredir física e psicologicamente a filha, adolescente menor, e o filho, com cerca de 20 anos à data do julgamento: expulsou-os de casa.
Todos estes nomes são fictícios, mas protagonizam histórias reais de violência doméstica que chegam aos tribunais. Pessoas de várias faixas etárias vão a julgamento como vítimas e agressores. Não têm um perfil socioeconómico, nem psicológico, não têm as mesmas profissões, nem tão-pouco formas idênticas de lidar com o problema. Disso mesmo iremos dar conta nas próximas semanas, numa série em cinco capítulos.
Nos últimos anos, surgiram várias campanhas contra a violência doméstica. O Governo implementou programas, formaram-se equipas especializadas. Há uma rede nacional de apoio às vítimas, gabinetes de atendimento nos departamentos de investigação e acção penal de algumas comarcas.
De 2018 para 2019 houve subidas significativas dos dados em várias frentes: as queixas à PSP e à GNR passaram de mais de 26 mil para quase 30 mil (mais 11,5%); o número de reclusos por este crime disparou 23,2%; o número de inquéritos abertos e de acusações pelo Ministério Público subiram (de 27.300 para 34.200, no caso dos processos, e de 3844 para 5234, nas acusações). Mas, apesar disso, a tendência geral continua a ser de casos arquivados. A taxa de não-condenação também é alta: entre 2012 a 2018 quase 80% dos inquéritos do MP tiveram como destino o arquivamento, a percentagem que chegou a acusação foi pouco superior a 16% e desses as taxas de condenação foram entre 56% e 58%.
Nas penas aplicadas, a regra continua a ser a pena de prisão suspensa: em 2018, por exemplo, correspondeu a 90% das condenações.
Esta “muito elevada” percentagem de inquéritos que “não conduzem ao exercício da acção penal” pelo MP é fruto “de uma insuficiente investigação das denúncias”, critica Rui do Carmo, coordenador da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica — grupo multidisciplinar criado em 2017 que examina processos judiciais de homicídios em contexto de violência doméstica. Falta também “proactividade na recolha de prova dos factos, reduzida muitas vezes quase exclusivamente ao depoimento da vítima”, refere. Esta “incipiente investigação repercute-se, ainda, no resultado dos processos que seguem para a fase de julgamento, em que é muito elevada a percentagem dos arguidos absolvidos”.
Para o procurador, o mais importante neste momento é implementar o que ficou definido em Conselho de Ministros, em Agosto de 2019: a necessidade de existir um protocolo de actuação sobre a intervenção no momento de denúncia, de preservação e aquisição de prova, de protecção da vítima, de neutralização do agressor e de tudo o que se refere à intervenção policial nas 72h após a denúncia. “A agilização desse procedimento é fundamental.”
Na lista de prioridades do que se deveria mudar no sistema em Portugal, feita pelo relatório mais recente do Grevio (grupo de peritos do Conselho da Europa que avalia a aplicação da Convenção de Istambul para a prevenção da violência doméstica) afirma-se: é preciso acabar com entraves às denúncias, que as queixas se convertam em acusações, que as acusações resultem em condenações, e que, no final, haja uma punição correcta.
Ou seja, o sistema ainda está a falhar.
Vencer a barreira
Em 1995 — quando o sociólogo Manuel Lisboa coordenou o primeiro Inquérito Nacional sobre a Violência de Género — a percentagem de pessoas que ia à polícia denunciar era inferior a 1%; no segundo desses inquéritos, em 2007, essa percentagem subiu para 12%. Muito mudou, e muito mudaria se se voltasse a fazer esse inquérito agora. Mas o sociólogo não tem dúvidas: “O que chega a tribunal é a ponta das pontas do icebergue. Não podemos tirar grandes conclusões do que chega a julgamento. O que podemos analisar é que quem chega foi quem conseguiu vencer a barreira.”
Manuel Lisboa defende maior articulação entre os vários agentes que intervêm no processo. “Ainda há descoordenação. Não faz sentido que seja uma mulher vítima a bater às portas, o próprio sistema deveria estar organizado para facilitar. Outra dimensão é a celeridade dos processos: a partir do momento em que os casos são detectados, têm que ser investigados rapidamente e haver uma acção a todos os níveis — e isto até ao julgamento. As heroínas que conseguem furar estas dificuldades não podem ficar com as expectativas defraudadas.”
Também o director do Observatório Nacional de Violência e Género, Manuel Lisboa, fala sobretudo em mulheres porque, apesar de não se poder definir um perfil de vítimas ou agressores que estão no tribunal, a probabilidade de serem mulheres é muito maior.
Sublinha: a violência não se limita a insultos, implica ameaças e muitas vezes de morte. É verdade que a prova de violência psicológica é sempre mais difícil de obter, até porque “não deixa marcas” visíveis, sublinha. “Requer uma análise muito particular de outro tipo de indicadores que não são tão fáceis de interpretar”, continua.
A verdade é que há muito a melhorar: “Não é admissível que os femicídios que aconteçam em Portugal já tenham passado pelo sistema. O sistema tem que estar suficientemente afinado para que a grande maioria [das situações de risco] seja detectada.”
Portugal tem boas leis, defende, por outro lado, Elza Pais, deputada do PS que participou nos estudos sobre violência doméstica com Manuel Lisboa e foi secretária de Estado da Igualdade. “Não precisamos de mais...”, refere. Mas reconhece que há uma mudança a fazer: “Falta que esta cultura de quem decide seja efectivamente de impunidade e de tolerância zero.” Ou seja: “Quem decide deveria ter neutralidade de valores e aplicar a lei de forma objectiva. Mas sabemos que não é assim.”
Já muito se alterou, lembra. Um marco “radical” foi a mudança para crime público em 2000. “A partir do momento em que o crime é denunciado, a decisão tem que chegar a julgamento, mesmo que a vítima queira perdoar – e sabemos que muitas vezes a vítima quer perdoar. É por isso que o Estado tem obrigação de proteger, mesmo quando a pessoa não tem condições de o fazer.” Outra mensagem dada pelo facto de ser crime público: “Quando um de nós tem conhecimento deste crime, deve denunciá-lo.”
Vítima ainda tem de provar que foi agredida
Nos últimos anos tem-se assistido a uma maior “visibilidade das detenções” pelas polícias e isso “é importante e pode ter impacto”, sublinha Elisabete Brasil, advogada que trabalha com vítimas de violência doméstica há mais de duas décadas. “Mas o importante é saber o que aconteceu depois da detenção”, conclui a jurista que produziu o relatório do Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, fez investigação académica sobre o impacto das políticas públicas neste crime e fundou a FEM (Feministas em Movimento).
Quando os dados mostram que a diferença entre as denúncias e as condenações é muito grande, “as vítimas acham que não se faz justiça”. Surgiram vários instrumentos, acrescenta. Mas considera: “Quem está nos tribunais, quem assiste aos julgamentos, quem está no terreno e fala com as vítimas” percebe que “não temos um sistema de justiça com preparação para responder” às suas necessidades.
Elisabete Brasil contextualiza: “Uma situação de violência doméstica é destruidora. Muitas vezes estamos a falar de relações com muitos anos. Não é o mesmo que ser assaltada.” O testemunho na sala de audiências pode reavivar o trauma, e, por sua vez, isso pode “ter consequências nos relatos”: “É um crime em que há tudo menos distanciamento e as vítimas têm dificuldade em datar, precisar, lembrar. E não é porque estejam a mentir, é uma das consequências desse trauma.”
A verdade é que a violência contra as mulheres não desceu, afirma, e é frequente magistrados sem formação na área não saberem como fazer as perguntas. “Muitas mulheres dizem que se sentiam as arguidas no julgamento.” Há mesmo quem defenda tribunais especializados em violência doméstica.
Também aponta como uma das falhas do sistema judicial o facto de este estar demasiado centrado no testemunho da vítima, que tem de provar que foi agredida. Daí a importância de convocar para julgamento múltiplas entidades que lidam com estas situações. “A mulher vai a um hospital, a um centro de saúde… O testemunho destes técnicos era importante para juntar mais provas. É preciso valorizar o testemunho destes profissionais cuja função não é só atender, há perícias na criminologia sobre validação de testemunho que estão disponíveis em Portugal e podem apoiar o MP e o juiz.”
Rui do Carmo continua: a expectativa de que o depoimento da vítima “traga toda a prova” carrega-a, assim, “de toda a responsabilidade”. “Muitas vezes a vítima está de tal forma fragilizada que não tem condições de ter esse papel que lhe pretendem obrigar a ter”. Acontece também não querer prestar depoimento em tribunal, o que é um direito seu, “ou ter um depoimento com hesitações”. “O que não significa que não queira que o arguido seja punido.”
Que outros meios de prova deveriam, então, ser recolhidos? Rui do Carmo exemplifica: identificar pessoas que tenham conhecimento de episódios daquela relação; recolher informação sobre os conflitos através de outros serviços ou obter informação das comunicações electrónicas entre as pessoas envolvidas “em que muitas vezes estão relatos bem precisos do que ocorreu ou que vai ocorrer”. Aos polícias recomenda que, quando são chamados ao local, documentem todos os elementos que possam “indiciar a existência dos factos que foram denunciados, fotografando ou filmando a cena que encontraram, como se faz para acidentes de viação”.
Psicólogo forense, especializado em tratar agressores, Rui Abrunhosa Gonçalves reforça a necessidade de a justiça recorrer “sempre que possível a peritagem”, e alerta os magistrados para que “não se fiem” apenas “nas suas capacidades e convicções”. Até porque “os agressores têm tendência a minimizar as agressões e as vítimas, por vezes, a maximizar”. Conclui: “Os peritos ajudam a justiça a tomar decisões cada vez mais justas.”
Entre Setembro e Março, o PÚBLICO assistiu a vários julgamentos de violência doméstica. Nas próximas semanas publicamos detalhes sobre cada um. Especialistas alertam: o que chega a tribunal ainda é uma ínfima parte da realidade. Sistema coloca demasiada responsabilidade nas vítimas. Investigação e juízes deviam recolher e apreciar mais provas, além de testemunhos.
Margarida foi a tribunal pela segunda vez porque o marido, Alberto, octogenário, dizia frequentemente que a ia matar. Da primeira vez, o tribunal decidiu que o processo seria suspenso e Alberto teria uma segunda oportunidade. Mas reincidiu. Quando regressou ao tribunal, após novas queixas de Margarida, foi dado como demente, declarado inimputável e mandado de novo para casa.
Filipe, professor de Direito Penal numa universidade em Lisboa, nascido nos anos 70, é acusado de agredir uma antiga aluna, e já usou vários mecanismos que interromperam o julgamento; em tribunal, faz considerações sobre o que diz ser “‘nazismo’ de género”.
Rodrigo, nos seus 40 anos, tinha uma empresa que estoirou por causa do seu vício em cocaína; agrediu a mulher, chegou a apertar-lhe o pescoço, no dia do seu aniversário cuspiu-lhe na cara, deu-lhe um pontapé.
Rafael e Susana namoraram durante dois anos, mas ele não aceitou o fim da relação e passou a persegui-la. Fazia-lhe esperas à porta de casa e do trabalho, inundava-a de mensagens.
Mafalda é acusada de agredir física e psicologicamente a filha, adolescente menor, e o filho, com cerca de 20 anos à data do julgamento: expulsou-os de casa.
Todos estes nomes são fictícios, mas protagonizam histórias reais de violência doméstica que chegam aos tribunais. Pessoas de várias faixas etárias vão a julgamento como vítimas e agressores. Não têm um perfil socioeconómico, nem psicológico, não têm as mesmas profissões, nem tão-pouco formas idênticas de lidar com o problema. Disso mesmo iremos dar conta nas próximas semanas, numa série em cinco capítulos.
Nos últimos anos, surgiram várias campanhas contra a violência doméstica. O Governo implementou programas, formaram-se equipas especializadas. Há uma rede nacional de apoio às vítimas, gabinetes de atendimento nos departamentos de investigação e acção penal de algumas comarcas.
De 2018 para 2019 houve subidas significativas dos dados em várias frentes: as queixas à PSP e à GNR passaram de mais de 26 mil para quase 30 mil (mais 11,5%); o número de reclusos por este crime disparou 23,2%; o número de inquéritos abertos e de acusações pelo Ministério Público subiram (de 27.300 para 34.200, no caso dos processos, e de 3844 para 5234, nas acusações). Mas, apesar disso, a tendência geral continua a ser de casos arquivados. A taxa de não-condenação também é alta: entre 2012 a 2018 quase 80% dos inquéritos do MP tiveram como destino o arquivamento, a percentagem que chegou a acusação foi pouco superior a 16% e desses as taxas de condenação foram entre 56% e 58%.
Nas penas aplicadas, a regra continua a ser a pena de prisão suspensa: em 2018, por exemplo, correspondeu a 90% das condenações.
Esta “muito elevada” percentagem de inquéritos que “não conduzem ao exercício da acção penal” pelo MP é fruto “de uma insuficiente investigação das denúncias”, critica Rui do Carmo, coordenador da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica — grupo multidisciplinar criado em 2017 que examina processos judiciais de homicídios em contexto de violência doméstica. Falta também “proactividade na recolha de prova dos factos, reduzida muitas vezes quase exclusivamente ao depoimento da vítima”, refere. Esta “incipiente investigação repercute-se, ainda, no resultado dos processos que seguem para a fase de julgamento, em que é muito elevada a percentagem dos arguidos absolvidos”.
Para o procurador, o mais importante neste momento é implementar o que ficou definido em Conselho de Ministros, em Agosto de 2019: a necessidade de existir um protocolo de actuação sobre a intervenção no momento de denúncia, de preservação e aquisição de prova, de protecção da vítima, de neutralização do agressor e de tudo o que se refere à intervenção policial nas 72h após a denúncia. “A agilização desse procedimento é fundamental.”
Na lista de prioridades do que se deveria mudar no sistema em Portugal, feita pelo relatório mais recente do Grevio (grupo de peritos do Conselho da Europa que avalia a aplicação da Convenção de Istambul para a prevenção da violência doméstica) afirma-se: é preciso acabar com entraves às denúncias, que as queixas se convertam em acusações, que as acusações resultem em condenações, e que, no final, haja uma punição correcta.
Ou seja, o sistema ainda está a falhar.
Vencer a barreira
Em 1995 — quando o sociólogo Manuel Lisboa coordenou o primeiro Inquérito Nacional sobre a Violência de Género — a percentagem de pessoas que ia à polícia denunciar era inferior a 1%; no segundo desses inquéritos, em 2007, essa percentagem subiu para 12%. Muito mudou, e muito mudaria se se voltasse a fazer esse inquérito agora. Mas o sociólogo não tem dúvidas: “O que chega a tribunal é a ponta das pontas do icebergue. Não podemos tirar grandes conclusões do que chega a julgamento. O que podemos analisar é que quem chega foi quem conseguiu vencer a barreira.”
Manuel Lisboa defende maior articulação entre os vários agentes que intervêm no processo. “Ainda há descoordenação. Não faz sentido que seja uma mulher vítima a bater às portas, o próprio sistema deveria estar organizado para facilitar. Outra dimensão é a celeridade dos processos: a partir do momento em que os casos são detectados, têm que ser investigados rapidamente e haver uma acção a todos os níveis — e isto até ao julgamento. As heroínas que conseguem furar estas dificuldades não podem ficar com as expectativas defraudadas.”
Também o director do Observatório Nacional de Violência e Género, Manuel Lisboa, fala sobretudo em mulheres porque, apesar de não se poder definir um perfil de vítimas ou agressores que estão no tribunal, a probabilidade de serem mulheres é muito maior.
Sublinha: a violência não se limita a insultos, implica ameaças e muitas vezes de morte. É verdade que a prova de violência psicológica é sempre mais difícil de obter, até porque “não deixa marcas” visíveis, sublinha. “Requer uma análise muito particular de outro tipo de indicadores que não são tão fáceis de interpretar”, continua.
A verdade é que há muito a melhorar: “Não é admissível que os femicídios que aconteçam em Portugal já tenham passado pelo sistema. O sistema tem que estar suficientemente afinado para que a grande maioria [das situações de risco] seja detectada.”
Portugal tem boas leis, defende, por outro lado, Elza Pais, deputada do PS que participou nos estudos sobre violência doméstica com Manuel Lisboa e foi secretária de Estado da Igualdade. “Não precisamos de mais...”, refere. Mas reconhece que há uma mudança a fazer: “Falta que esta cultura de quem decide seja efectivamente de impunidade e de tolerância zero.” Ou seja: “Quem decide deveria ter neutralidade de valores e aplicar a lei de forma objectiva. Mas sabemos que não é assim.”
Já muito se alterou, lembra. Um marco “radical” foi a mudança para crime público em 2000. “A partir do momento em que o crime é denunciado, a decisão tem que chegar a julgamento, mesmo que a vítima queira perdoar – e sabemos que muitas vezes a vítima quer perdoar. É por isso que o Estado tem obrigação de proteger, mesmo quando a pessoa não tem condições de o fazer.” Outra mensagem dada pelo facto de ser crime público: “Quando um de nós tem conhecimento deste crime, deve denunciá-lo.”
Vítima ainda tem de provar que foi agredida
Nos últimos anos tem-se assistido a uma maior “visibilidade das detenções” pelas polícias e isso “é importante e pode ter impacto”, sublinha Elisabete Brasil, advogada que trabalha com vítimas de violência doméstica há mais de duas décadas. “Mas o importante é saber o que aconteceu depois da detenção”, conclui a jurista que produziu o relatório do Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, fez investigação académica sobre o impacto das políticas públicas neste crime e fundou a FEM (Feministas em Movimento).
Quando os dados mostram que a diferença entre as denúncias e as condenações é muito grande, “as vítimas acham que não se faz justiça”. Surgiram vários instrumentos, acrescenta. Mas considera: “Quem está nos tribunais, quem assiste aos julgamentos, quem está no terreno e fala com as vítimas” percebe que “não temos um sistema de justiça com preparação para responder” às suas necessidades.
Elisabete Brasil contextualiza: “Uma situação de violência doméstica é destruidora. Muitas vezes estamos a falar de relações com muitos anos. Não é o mesmo que ser assaltada.” O testemunho na sala de audiências pode reavivar o trauma, e, por sua vez, isso pode “ter consequências nos relatos”: “É um crime em que há tudo menos distanciamento e as vítimas têm dificuldade em datar, precisar, lembrar. E não é porque estejam a mentir, é uma das consequências desse trauma.”
A verdade é que a violência contra as mulheres não desceu, afirma, e é frequente magistrados sem formação na área não saberem como fazer as perguntas. “Muitas mulheres dizem que se sentiam as arguidas no julgamento.” Há mesmo quem defenda tribunais especializados em violência doméstica.
Também aponta como uma das falhas do sistema judicial o facto de este estar demasiado centrado no testemunho da vítima, que tem de provar que foi agredida. Daí a importância de convocar para julgamento múltiplas entidades que lidam com estas situações. “A mulher vai a um hospital, a um centro de saúde… O testemunho destes técnicos era importante para juntar mais provas. É preciso valorizar o testemunho destes profissionais cuja função não é só atender, há perícias na criminologia sobre validação de testemunho que estão disponíveis em Portugal e podem apoiar o MP e o juiz.”
Rui do Carmo continua: a expectativa de que o depoimento da vítima “traga toda a prova” carrega-a, assim, “de toda a responsabilidade”. “Muitas vezes a vítima está de tal forma fragilizada que não tem condições de ter esse papel que lhe pretendem obrigar a ter”. Acontece também não querer prestar depoimento em tribunal, o que é um direito seu, “ou ter um depoimento com hesitações”. “O que não significa que não queira que o arguido seja punido.”
Que outros meios de prova deveriam, então, ser recolhidos? Rui do Carmo exemplifica: identificar pessoas que tenham conhecimento de episódios daquela relação; recolher informação sobre os conflitos através de outros serviços ou obter informação das comunicações electrónicas entre as pessoas envolvidas “em que muitas vezes estão relatos bem precisos do que ocorreu ou que vai ocorrer”. Aos polícias recomenda que, quando são chamados ao local, documentem todos os elementos que possam “indiciar a existência dos factos que foram denunciados, fotografando ou filmando a cena que encontraram, como se faz para acidentes de viação”.
Psicólogo forense, especializado em tratar agressores, Rui Abrunhosa Gonçalves reforça a necessidade de a justiça recorrer “sempre que possível a peritagem”, e alerta os magistrados para que “não se fiem” apenas “nas suas capacidades e convicções”. Até porque “os agressores têm tendência a minimizar as agressões e as vítimas, por vezes, a maximizar”. Conclui: “Os peritos ajudam a justiça a tomar decisões cada vez mais justas.”
A forma como a lei entende o racismo não protege as vítimas”
Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
A coordenadora do projecto da Universidade de Coimbra, O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação o projecto, critica as instituições que analisam as queixas.
Socióloga, Silvia Rodríguez Maeso é investigadora principal do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Tem trabalhado sobre racismo e coordena, além do COMBAT -O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação o projecto POLITICS - A política do (anti)racismo na Europa e na América Latina: produção de conhecimento, decisão política e lutas colectivas (ERC, 2017-2022).
No COMBAT analisaram as queixas de racismo em 10 anos, de 2006 a 2016, feitas à Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR). O projecto começou em Junho de 2016 e tiveram que prorrogar prazos por causa da demora no acesso aos processos: só em Abril de 2019 é que começaram a trabalhar com o material. “Foi um processo longo, complicado”, desabafa. Entretanto, uma nova lei de combate à discriminação entrou em vigor em 2017, mas a investigadora considera que não trouxe alterações de fundo.
A explicação dos pássaros de Álvaro Domingues, um geógrafo em confinamento
Como foi o acesso aos dados?
Houve dificuldades no diálogo com o Alto Comissariado para as Migrações e com a Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) [responsável pelas queixas de racismo] e demora na resposta. É a primeira vez que se faz um exame destes processos: como é possível desde 2000 que não tenha havido uma análise destes processos? Acho que tem a ver com a própria falta de transparência da instituição em si. Demorámos mais de dois anos a aceder a informação.
Da análise dos processos, as forças de segurança são o grande problema?
A educação também é um problema terrível de reprodução do racismo; mas as forças de segurança têm bastante mais queixas porque são o braço de estado que condensa a violência e racismo estrutural. Se puxarmos o fio da polícia, chegamos à escola, à segregação habitacional…
Só há 108 processos nas áreas de habitação, educação e forças de segurança. E 80% dos casos são arquivados. Isto é um reflexo da cultura dominante, da ineficácia da lei?
De várias questões. Revela as dificuldades que a própria lei coloca. A forma como a lei entende o racismo não protege as vítimas. Revela uma cultura legal em Portugal, e no contexto europeu, que tem sido ignorante e reprodutora do racismo. Há também a negligência das instituições e da própria comissão deixar passar os prazos e de as inspecções dizerem que não são competentes para investigar a questão, isto foi um problema detectado na área da habitação. A lei contra a discriminação racial está no âmbito contra-ordenacional e por isso o prazo de prescrição é curto — as inspecções demoram, e se não há agilidade na resposta o processo prescreve e não há nada a fazer.
A investigadora refere dificuldades no acesso aos dados
Isso significa que o racismo está mal enquadrado em termos legais?
A lei também é fruto da cultura racista que existe na sociedade. A lei traduz legalmente uma punição, pensando de forma hegemónica o que é o racismo — um racismo reduzido a esta relação entre indivíduos, a um incidente, olhado de maneira descontextualizada, e centrado na motivação psicológica.
Como é que deveria reflectir então?
Não digo que a lei é toda errada mas podia ter-se criado conhecimento jurídico com um entendimento mais corajoso sobre o racismo. As inspecções têm sido pouco abertas a um outro entendimento do que significa discriminação racial. O debate sobre a lei é político. Em muitos dos casos o que vemos é que há políticas que favorecem que essa discriminação aconteça, como as políticas de segurança. O que a lei tem feito, a partir da posição da Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI), é justificar as intervenções policiais e favorecer sempre o testemunho dos polícias. Mudar a lei, sem mudar a composição e a forma de proceder da IGAI, não serve de nada. A questão da lei não está fora dos entendimentos da cultura racista do país. É preciso também fazer uma discussão sobre a CICDR. Não é frutífero falar de mudanças na lei quando as instituições que trabalham na sua implementação continuam na mesma.
Torna-se quase impossível provar que houve racismo?
Dá essa sensação, porque mesmo que se passe algumas das barreiras para provar que aquela pessoa agrediu ou insultou, e isso é exemplar no caso de Alfragide, há uma negação activa do racismo e da experiência das pessoas que são vítimas. Está provado que o policiamento de determinados bairros está relacionado com a sua composição étnico-racial. Há um discurso fortíssimo de criminalização dos bairros periféricos, da população negra e de origem cigana. A sedimentação de políticas de segurança interna tem feito essa ligação. Quando chegam as denúncias a resposta da IGAI é que a polícia esteve a fazer o seu trabalho.
Concluem que quem está nas instituições tem falta de entendimento sobre o que é o racismo. É negação ou falta de informação e formação?
A ignorância não é inocente, é produzida. É obvio que não há uma formação no âmbito do Direito sobre a questão racial. Mas como dizia um senhor cigano em resposta ao arquivamento da sua denúncia, como é possível que num estado dito de direito e democrático, o trabalho da IGAI não seja acompanhado por outras entidades formadas em discriminação racial? O caso das intervenções das polícias. Vimos 48 casos, são muito poucos, mas a IGAI está farta de fazer processos disciplinares. Se fosse outro tipo de instituição as queixas seriam analisadas dentro de um padrão de intervenção policial que se repete. A questão do racismo acaba por estar muito dependente do insulto racial. Ninguém põe em causa por que a polícia faz estas intervenções, ninguém questiona as políticas que sustentam estas intervenções. E a prova fica dependente do insulto dos polícias, mas depois os polícias negam e a palavra dos polícias acaba por valer mais do que a dos queixosos.
Racismo: 80% processos acabam arquivados
Há um debate recorrente sobre a criminalização do racismo, mas já existe o artigo 240.º do Código Penal que prevê o crime de discriminação e incitamento ao ódio e violência.
Há muita coisa que não é abrangida por esse artigo. Por exemplo, a segregação nas escolas. Há um espírito na formulação deste tipo de artigos que tem muito a ver com o legado do que foi o nazismo na Europa, está muito ligado à ideia da pessoa racista que é extremista. Por exemplo, há um debate sobre a presença de extrema-direita na polícia: essa é uma realidade, mas não explica a violência policial. A violência policial está sustentada em políticas de segurança que favorecem intervenções que a legitimam. Não estou a dizer que a presença da extrema-direita na polícia não seja um problema, é um problema, mas se a solução passasse por aí seria mais “simples”, entre aspas. A questão da violência policial tem que estar ancorada num debate mais amplo sobre a criminalização da juventude negra e cigana.
A coordenadora do projecto da Universidade de Coimbra, O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação o projecto, critica as instituições que analisam as queixas.
Socióloga, Silvia Rodríguez Maeso é investigadora principal do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Tem trabalhado sobre racismo e coordena, além do COMBAT -O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação o projecto POLITICS - A política do (anti)racismo na Europa e na América Latina: produção de conhecimento, decisão política e lutas colectivas (ERC, 2017-2022).
No COMBAT analisaram as queixas de racismo em 10 anos, de 2006 a 2016, feitas à Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR). O projecto começou em Junho de 2016 e tiveram que prorrogar prazos por causa da demora no acesso aos processos: só em Abril de 2019 é que começaram a trabalhar com o material. “Foi um processo longo, complicado”, desabafa. Entretanto, uma nova lei de combate à discriminação entrou em vigor em 2017, mas a investigadora considera que não trouxe alterações de fundo.
A explicação dos pássaros de Álvaro Domingues, um geógrafo em confinamento
Como foi o acesso aos dados?
Houve dificuldades no diálogo com o Alto Comissariado para as Migrações e com a Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) [responsável pelas queixas de racismo] e demora na resposta. É a primeira vez que se faz um exame destes processos: como é possível desde 2000 que não tenha havido uma análise destes processos? Acho que tem a ver com a própria falta de transparência da instituição em si. Demorámos mais de dois anos a aceder a informação.
Da análise dos processos, as forças de segurança são o grande problema?
A educação também é um problema terrível de reprodução do racismo; mas as forças de segurança têm bastante mais queixas porque são o braço de estado que condensa a violência e racismo estrutural. Se puxarmos o fio da polícia, chegamos à escola, à segregação habitacional…
Só há 108 processos nas áreas de habitação, educação e forças de segurança. E 80% dos casos são arquivados. Isto é um reflexo da cultura dominante, da ineficácia da lei?
De várias questões. Revela as dificuldades que a própria lei coloca. A forma como a lei entende o racismo não protege as vítimas. Revela uma cultura legal em Portugal, e no contexto europeu, que tem sido ignorante e reprodutora do racismo. Há também a negligência das instituições e da própria comissão deixar passar os prazos e de as inspecções dizerem que não são competentes para investigar a questão, isto foi um problema detectado na área da habitação. A lei contra a discriminação racial está no âmbito contra-ordenacional e por isso o prazo de prescrição é curto — as inspecções demoram, e se não há agilidade na resposta o processo prescreve e não há nada a fazer.
A investigadora refere dificuldades no acesso aos dados
Isso significa que o racismo está mal enquadrado em termos legais?
A lei também é fruto da cultura racista que existe na sociedade. A lei traduz legalmente uma punição, pensando de forma hegemónica o que é o racismo — um racismo reduzido a esta relação entre indivíduos, a um incidente, olhado de maneira descontextualizada, e centrado na motivação psicológica.
Como é que deveria reflectir então?
Não digo que a lei é toda errada mas podia ter-se criado conhecimento jurídico com um entendimento mais corajoso sobre o racismo. As inspecções têm sido pouco abertas a um outro entendimento do que significa discriminação racial. O debate sobre a lei é político. Em muitos dos casos o que vemos é que há políticas que favorecem que essa discriminação aconteça, como as políticas de segurança. O que a lei tem feito, a partir da posição da Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI), é justificar as intervenções policiais e favorecer sempre o testemunho dos polícias. Mudar a lei, sem mudar a composição e a forma de proceder da IGAI, não serve de nada. A questão da lei não está fora dos entendimentos da cultura racista do país. É preciso também fazer uma discussão sobre a CICDR. Não é frutífero falar de mudanças na lei quando as instituições que trabalham na sua implementação continuam na mesma.
Torna-se quase impossível provar que houve racismo?
Dá essa sensação, porque mesmo que se passe algumas das barreiras para provar que aquela pessoa agrediu ou insultou, e isso é exemplar no caso de Alfragide, há uma negação activa do racismo e da experiência das pessoas que são vítimas. Está provado que o policiamento de determinados bairros está relacionado com a sua composição étnico-racial. Há um discurso fortíssimo de criminalização dos bairros periféricos, da população negra e de origem cigana. A sedimentação de políticas de segurança interna tem feito essa ligação. Quando chegam as denúncias a resposta da IGAI é que a polícia esteve a fazer o seu trabalho.
Concluem que quem está nas instituições tem falta de entendimento sobre o que é o racismo. É negação ou falta de informação e formação?
A ignorância não é inocente, é produzida. É obvio que não há uma formação no âmbito do Direito sobre a questão racial. Mas como dizia um senhor cigano em resposta ao arquivamento da sua denúncia, como é possível que num estado dito de direito e democrático, o trabalho da IGAI não seja acompanhado por outras entidades formadas em discriminação racial? O caso das intervenções das polícias. Vimos 48 casos, são muito poucos, mas a IGAI está farta de fazer processos disciplinares. Se fosse outro tipo de instituição as queixas seriam analisadas dentro de um padrão de intervenção policial que se repete. A questão do racismo acaba por estar muito dependente do insulto racial. Ninguém põe em causa por que a polícia faz estas intervenções, ninguém questiona as políticas que sustentam estas intervenções. E a prova fica dependente do insulto dos polícias, mas depois os polícias negam e a palavra dos polícias acaba por valer mais do que a dos queixosos.
Racismo: 80% processos acabam arquivados
Há um debate recorrente sobre a criminalização do racismo, mas já existe o artigo 240.º do Código Penal que prevê o crime de discriminação e incitamento ao ódio e violência.
Há muita coisa que não é abrangida por esse artigo. Por exemplo, a segregação nas escolas. Há um espírito na formulação deste tipo de artigos que tem muito a ver com o legado do que foi o nazismo na Europa, está muito ligado à ideia da pessoa racista que é extremista. Por exemplo, há um debate sobre a presença de extrema-direita na polícia: essa é uma realidade, mas não explica a violência policial. A violência policial está sustentada em políticas de segurança que favorecem intervenções que a legitimam. Não estou a dizer que a presença da extrema-direita na polícia não seja um problema, é um problema, mas se a solução passasse por aí seria mais “simples”, entre aspas. A questão da violência policial tem que estar ancorada num debate mais amplo sobre a criminalização da juventude negra e cigana.
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