Por Francisco Louça
Em “L’ Argent” (1913), um texto pouco conhecido de Péguy, escreve ele:
“Conhecemos, tivemos contacto com um mundo (desde crianças), em que um homem condenado à pobreza estava pelo menos seguro na pobreza. Era uma espécie de contrato não-dito entre o homem e o destino e, antes do início dos tempos modernos, o destino nunca renegou este contrato. Estava entendido que os que se tivessem perdido na extravagância, no capricho, os que jogassem, os que quisessem escapar da pobreza, arriscavam tudo. Como jogavam, podiam perder. Mas os que não jogavam não podiam perder. Não poderiam suspeitar que viria um tempo, que já aí estava – e isto, precisamente, são os tempos modernos – em que os que não jogam perdem sempre, mesmo com mais certeza do que os que jogam.”
Charles Péguy (1873–1914), morto na frente de batalha da 1ª Guerra Mundial, foi socialista, libertário, anti-clerical, apoiante de Dreyfus e de Jaurès, mas sempre místico: acreditava na recuperação da bondade e do universalismo e, no fim da sua vida curta, reaproximou-se do catolicismo. Desta combinação de valores resultava uma crítica romântica à modernidade, que via como perigosamente desidentificadora.
Entendia o capitalismo como uma máquina de fazer pobres, uma era de submissão em que se pune a desigualdade com a criação de desigualdade por via da dívida. Os tempos modernos deram-lhe razão nesse alerta, mas também descobriram outros mundos e outras possibilidades. Com uma certeza: o empobrecimento ou a exclusão da maioria são a lógica predadora do capital.
O nosso século XXI, com a sua “estagnação secular”, está a ser a prova triste dessa certeza.