23.7.15

Alemanha já vem buscar médicos à saída das universidades

por Diana Mendes, in Diário de Notícias

Alemães estão voltados para contratar médicos em Portugal, Espanha e Itália e pagam no mínimo 4112 euros aos internos.

Joana Pina-Vaz ainda não tinha completado o ano comum do internato quando se decidiu a partir para a Alemanha e a fazer lá a especialidade de cirurgia geral. Antecipou-se aos hospitais, que têm lançado múltiplas ofertas de trabalho, e decidiu contactá-los. Conseguiu o que seria impossível: um lugar de formação na área que queria, em dois meses, e a ganhar três vezes mais do que em Portugal. Um médico que faça a especialidade na Alemanha recebe 4112 euros brutos, tanto quanto um médico em topo de carreira ou um chefe de serviço em Portugal.

A Alemanha lida há vários anos com uma forte carência de profissionais e tem-se desdobrado em esforços para captar recursos qualificados. Mas houve algo que mudou entretanto, conta ao DN fonte ligada ao setor do recrutamento. "As unidades são mais seletivas. Procuram mais profissionais que tenham formação, cultura e língua semelhantes. Por isso têm apostado mais em Portugal, Itália ou Espanha em detrimento dos países de Leste ou árabes."

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, diz que a Alemanha é "claramente um dos destinos principais para os médicos portugueses, depois do Reino Unido". Portugal forma 1600 médicos por ano. No ano passado, emigraram 387 dos mais de mil médicos que pediram as declarações necessárias para emigrar. Desses, "certamente algumas dezenas foram para Alemanha. Pagam muito melhor, pode mudar-se facilmente de especialidade e fazer a formação em locais distintos. Têm condições boas de trabalho e de futuro, como casas e apoios familiares".

É o caso de Joana Pina-Vaz, de 28 anos, que saiu de Braga para uma cidade alemã na fronteira com a França: Offenburg. O recurso às empresas de recrutamento não foi uma solução, "porque geralmente as vagas de que dispõem são as que menos interessam. Decidi ser eu a contactar os hospitais que mais me interessavam para fazer a especialidade de cirurgia geral. Fui para a Alemanha em outubro e comecei a procurar em janeiro. Estou a trabalhar desde março. Além dos quatro mil euros, que são cerca de dois mil limpos, chego a ganhar mais mil só em bancos. O triplo do que receberia em Portugal. E a vida não é muito mais cara", acrescenta.

O processo não foi assim tão simples. Antes dele estiveram meses de pesquisa e outros tantos a aprender a língua alemã. "Ainda fiz um curso técnico antes de procurar e tive de obter a licença para trabalhar como médica." As vantagens são muitas. "Para já, vim fazer a especialidade diretamente, sem terminar o ano comum, e posso escolher onde fazer a especialização, ir mudando de hospital consoante o interesse ou a especialização em determinada área", diz. A vinda antes da especialização "vem ajudar a garantir uma vaga no final. Primeiro, porque ao conhecer a língua é mais fácil encontrar empregos melhores, depois porque há menos candidatos".

Diana Raduti, gestora de vendas da EGV Recruiting, confirma que há uma grande necessidade de profissionais não só na Alemanha mas também noutros países. "A grande diferença é que a Alemanha é dos poucos países interessados em estudantes de Medicina e em especialistas em formação. Mas para isso têm de ter um nível muito elevado da língua." O país tem uma tabela, que começa em quatro mil euros para os internos e chega a cinco ou sete mil euros para os especialistas. Mas uma das mais-valias está no pagamento das horas extraordinárias e em bancos (urgências), que podem render centenas de euros.

Segundo a Associação Médica Alemã, o número de médicos estrangeiros a trabalhar no país subiu 57% em cinco anos. E se em 2005 eram 15 mil, em 2013 havia já 34 706 clínicos de outros países, refere o The Wall Street Journal.

José Manuel Silva diz que este fluxo de saída será difícil de estancar. "É um fluxo aberto, porque uma vez saídos dificilmente voltam. Além disso, ajudam outros a sair porque dão feedbacks positivos e há uma troca constante de informação."

Joana é um bom exemplo. Desde que saiu foi contactada por diversos médicos para saber como podem ir para a Alemanha. Para facilitar, até criou um blogue onde conta a sua história e avança as condições e papéis necessários para se trabalhar nos vários estados alemães. "Se tivesse tido acesso a estas informações antes de sair tinha perdido muito menos tempo."

Tal como Joana, há muitos médicos que não pensam voltar tão cedo. "Há consequências graves. Desde logo as económicas, pelas verbas investidas na formação", diz o bastonário. "Fala-se num valor próximo de cem mil euros pelo curso", realça. "O problema é que estão a sair clínicos de áreas muito carenciadas, como a anestesia, e que fazem muita falta ao país."

Além da Alemanha, há muitos países a recrutar. Diana Raduti acrescenta o Reino Unido, França, e países nórdicos e especialidades como medicina interna, cardiologia, neurologia e anestesia. No Reino Unido, há grande necessidade de médicos de família.