in iOnline
A educação cria uma afinidade com o discurso médico e uma maior abertura às mensagens preventivas António Pedro Santos Catarina Correia Rocha
Investigação conclui que baixa escolaridade é tão nociva como o tabaco.
O sucesso escolar não traz só vantagens financeiras, mas também benefícios para a saúde. Pelo menos é essa a conclusão do estudo americano ontem divulgado. Desistir da escola é tão fatal como fumar. A investigação, publicada na revista PLOS ONE, defende que mais de 145 mil mortes por ano poderiam ter sido evitadas nos Estados Unidos se todos tivessem terminado os estudos superiores.
Relacionados
David Tavares. “A escolaridade tem um grande peso na saúde”
Na verdade, estes dados que chegaram da Universidade de Colorado têm uma leitura universal: “Uma mais baixa escolaridade terá repercussões nos meios de vida das pessoas”, explica Vítor Sérgio Ferreira do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Já o sociólogo Pedro Alcântara da Silva refere que “é evidente que o rendimento e a ocupação dependem em boa medida do grau de escolaridade”. O percurso educativo ocorre numa altura em que se “joga boa parte das condições de saúde que vão marcar a vida adulta”, ou seja, “existe uma sobreposição parcial – mas crucial – dos períodos considerados decisivos para a formação das hipóteses de saúde e a formação das hipóteses escolares”, explica.
O grau de escolaridade é um recurso que ajuda a definir as possibilidades que cada um vai ter no futuro, condicionando a carreira profissional e as condições socioeconómicas. “Embora nem sempre seja clara a acção independente de factores como a escolaridade, o rendimento, a ocupação ou indicadores de privação”.
Escolaridade Os dados da Direcção-Geral de Saúde mostram aliás que a longevidade varia consoante as habilitações académicas. A esperança média de vida à nascença em 2012 era de 80 anos para a população com um nível educacional baixo enquanto o valor aumentava para 83,3 na parcela com um elevado nível escolar. Com a progressão da idade estes valores deixam de ter um peso significativo mas, tanto em Portugal como nos países ocidentais, a “questão da escolaridade está relacionada com as desigualdades sociais”, avisa Vítor Sérgio Ferreira. A relação é explicada “não pela escolaridade em si, ou seja, os anos em que cada um anda na escola, mas sim por um efeito indirecto”.
Desistir cedo da escola dificulta o acesso a factores que fazem a diferença na qualidade de vida: “As pessoas com menos escolaridade estão mais propensas ao desemprego e à desigualdade social”, considera o investigador, acrescentando que “podemos também pôr a hipótese que terão mais dificuldades em ter acesso à saúde.” Pedro Alcântara da Silva explica que “a um maior nível de escolaridade corresponde um maior nível de literacia em saúde, estando ambas associadas a uma maior esperança de vida”.
Deste modo, entende-se que a escolaridade pode ter um impacto no estado de saúde mais directo do que o rendimento ou a ocupação: “A instrução fornece informação para equilibrar os hábitos saudáveis com os menos saudáveis, a saber utilizar melhor os serviços de saúde e a ter níveis de adesão terapêutica mais elevados”. Além disso, a educação “tende a criar uma afinidade com o discurso médico e uma maior abertura às mensagens preventivas”, acrescenta o sociólogo.
Abandonar a escola pode assim significar um futuro onde não há tanta hipótese de se conseguir um bom emprego, um bom rendimento e consequentemente um aceitável acesso à saúde. Vítor Sérgio Ferreira chama a atenção para o facto de termos tido uma crescente taxa de escolarização e o abandono escolar ter diminuído em Portugal mas, apesar destes factores, “o que se confirma é que os jovens que têm apenas o ensino básico, têm muito mais propensão a situações de desemprego e vulnerabilidade social.” Em termos de saúde este factor pode desenvolver-se em duas questões: “dificuldade no acesso ou doenças como depressão e falta de auto-estima”.
A escolaridade está fortemente correlacionada com o trabalho, que assume um papel duplamente importante para a compreensão das desigualdades: “Em primeiro lugar, porque determina o lugar que o indivíduo ocupa na sociedade” e está ligado com a sua escolaridade, o rendimento, habitação e redes de sociabilidade e, em segundo lugar, porque “as condições de organização do trabalho têm um impacto indirecto mas cumulativo sobre a saúde do indivíduo e o rendimento”, nomeadamente condições de trabalho prejudiciais para a saúde, associadas a profissões com maior desgaste físico, a acidentes de trabalho, entre outros, defende ainda Pedro Alcântara da Silva.
Situações Nem/Nem O quadro social de abandono escolar leva a que se chegue a um grande número de pessoas em situação nem-nem: nem estudam nem trabalhem. Quem faz parte deste grupo, “muito concentrado em algumas regiões de Portugal como Açores e Madeira”, são maioritariamente os jovens com baixa escolaridade, nomeadamente os que não passaram dos estudos no ensino básico. “A maior vulnerabilidade prende-se com a falta de perspectivas de emprego. As pessoas estão inseridas em zonas de forte compressão do emprego e estão também em regiões onde as oportunidades são diminutas”, conta Vítor Sérgio Ferreira.
A fatia da população portuguesa que abandonou a escola precocemente chega quase aos 20%. No ano passado, 17,4% dos jovens entre os 18 e os 24 anos deixaram de estudar sem completar o secundário. Apesar de este valor continuar a ser um dos mais altos na União Europeia, Portugal tem vindo a reduzir o abandono escolar, sendo agora metade do que foi em 2008.
E o que acontece a quem abandona os estudos? Mesmo com investigações sobre os estilos de vida da população portuguesa, mais focados nos jovens, continua a faltar uma política pública que actue nas escolas a nível nacional, diz o investigador, acrescentando que há pequenos projectos de âmbito escolar mas que a nível nacional continuam a escassear: “Estes assuntos podem ser tocados em algumas cadeiras que se leccionam nas escolas mas isso não se enquadra nas políticas públicas”, remata.