Manuel Carvalho, Margarida Gomes e Patrícia Carvalho, in Público on-line
Rui Moreira diz que encontrou a “casa arrumada” quando chegou à Câmara do Porto. E que não mudou as chefias, “as pessoas que estavam eram pessoas competentes”. Mas também herdou assuntos complicados, como o Bairro do Aleixo ou o Parque da Cidade.
O que responde aos que justificam a aparente tranquilidade do seu mandato com a herança de Rui Rio?
A cidade deve muito ao meu antecessor. O que lhe devemos, principalmente? Termos encontrado uma casa arrumada, quer sob o ponto de vista das contas, que é a coisa mais visível, quer sob o ponto de vista da estrutura da câmara. Nós praticamente não mudámos as chefias, o que quer dizer que as pessoas que estavam eram pessoas competentes. A máquina funcionava bem, estava oleada, e isso ajuda.
Mas encontrou também assuntos complicados, como o Bairro do Aleixo ou processos judiciais onde se exigiam milhões de euros de indemnizações à câmara.
Encontrei. O meu antecessor entendia, e isso se calhar era uma posição defensiva, que eu compreendo, que a Câmara do Porto devia litigar até ao fim. E portanto devia só in extremis se devia chegar a acordos extrajudiciais. Ora eu entendi que ainda que isso possa ser defensável do ponto de vista político, acaba por adiar as questões e ficamos sempre aqui com um ónus. Eu tenho procurado resolver as coisas de outra maneira, procurando acordos extrajudiciais, nalguns casos com muito êxito. Veja-se o caso da Associação Porto Digital, em que tínhamos sido condenados em arbitragem, e não havia recurso, a pagar quatro milhões de euros e conseguimos fechar por 1.950 milhões. Temos também praticamente resolvido com a EDP a questão da rua do Ouro, que era um assunto que se arrastava. Ou seja, o problema dos processos judiciais levados até ao fim faz sentido num estado de direito. Sobre o ponto de vista patrimonial, eu acredito que é melhor resolver os assuntos pela via extrajudicial para evitar as bombas-relógio das quais a cidade já foi vítima. O caso do Parque da Cidade é o caso mais evidente.
O seu mandato vai continuar a ter como âncora essencial a Cultura, como até agora?
Quando apresentei o meu manifesto disse que havia três prioridades: a coesão social, a cultura e a economia, que de alguma forma ligava a cultura à coesão. Logicamente a cultura é mais visível. Para já porque tenho um vereador da cultura excepcional, que tem conseguido com pouco fazer muito. Mas julgo que o que estamos a fazer na coesão social é uma marca que vai ficar.
O que tem para apresentar nessa área?
A forma como preparámos o fundo de solidariedade social, nomeadamente no apoio à habitação. Acho que é um modelo que está a funcionar muito bem e já reforçámos o orçamento para isso. Em que é que isto consiste? Basicamente as famílias que vivem numa determinada casa e que estavam a pedir ajuda à câmara para irem para a habitação social, nós damos-lhes um pequeno contributo, até 75% do valor da renda, que lhes permita continuar a viver no sítio onde viviam, onde têm as suas memórias. Isto abrangeu 300 famílias na primeira leva e nós vamos continuar. Estamos a falar de pessoas que estavam no limiar da pobreza, naquele limiar das pessoas que eram da classe média e estavam a decair para os níveis de pobreza. Isso tem sido um enorme sucesso.
Nas autárquicas de 2017 a coligação que governa a câmara vai formalizar-se em plataforma eleitoral? Ou seja, vamos ter Rui Moreira candidato independente nas listas do PS?
Para já é muito cedo para falar nisso. Uma coisa já disse e repito. Não serei candidato em listas de nenhum partido, em condições algumas. É o que posso dizer. Se for candidato, serei candidato independente.
Sempre considerou que o excesso de centralização política era um problema crítico do país. A sua experiência enquanto autarca reforçou essa sensação?
Confirmou essa sensação.
Confirmou apenas, não reforçou?
Não era preciso, tinha essa opinião e denunciei-a durante muito tempo. O país tem uma lógica absolutamente centralista.
Acusou o presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) ser um “manga-de-alpaca” e foi um dos protagonistas da revolta dos autarcas da Área Metropolitana do Porto (AMP) a propósito da distribuição de fundos europeus para as autarquias. É mais uma guerra de princípios ou uma guerra de dinheiro?
As duas coisas. Em primeiro lugar, é uma guerra de princípios e depois é uma guerra de dotação. A questão relativamente à CCDRN coloca-se neste plano: antigamente, e não foi há muito tempo, nós estávamos convencidos, e quando digo nós, digo os actores políticos da região, os autarcas, as associações, as instituições e os cidadãos, que a CCDRN era o nosso instrumento de reclamação junto do Governo e do Estado central. Era um instrumento nosso. Para quê? Para a justa apropriação dos recursos que são destinados às regiões de convergência. Subitamente, fica a sensação que a CCDRN passou a ser uma coisa diferente, passou a ser um instrumento do Estado junto de nós, quase uma organização de vice-rei para nos dizer o que é que o Estado central nos quer impor. E esta alteração é muito preocupante. Nós precisávamos da CCDRN de Valente de Oliveira a Carlos Lage, passando por Arlindo Cunha ou Elisa Ferreira. Essas pessoas, independentemente, da sua proximidade, até muitas vezes ideológica ou partidária, ao Governo, eram a voz da região junto do poder central. Havia a sensação de que, quando alguém se tentava apropriar daquilo que era nosso, encontrávamos na cúpula dessa instituição um aliado – era um dos nossos. Se isto se inverte é muito preocupante porque nós não temos nenhuma outra organização a nível regional que possa suprir esta carência.
Mas há autarquias que estão ao lado de Emídio Gomes. Aliás, o presidente da CCDRN diz que as autarquias da área metropolitana se estão a repetir centralismo que criticam a Lisboa em relação ao resto do país…
O professor Emídio Gomes não gosta de ver os números, mas há números que são muito impressionantes. Eu não defendo que a distribuição dos fundos deva ser per-capita entre as várias CIM [Comunidades Intermunicipais] da Região Norte, mas, naturalmente, isto tem apesar de tudo uma importância. Na proposta que é apresentada pela CCDRN, quais são as dotações per capita? Na Área Metropolitana do Porto 74,49 euros; Terras de Trás-os-Montes 456 euros; no Alto Tâmega 426.
Mas não são as mais pobres que precisam de mais ajuda?
Então que se tivesse assumido claramente que o Portugal 2020 era para combater a pobreza da interioridade. Mas não, foi o Governo português em conjunto com Bruxelas e com o patrocínio das CCRD’s que identificou as carências, por exemplo, ao nível do abandono escolar. Um dos eixos é o abandono escolar, o outro eixo é a eficiência energética. A AMP mandou fazer um estudo e chegamos à conclusão que 39% do abandono escolar na Região Norte (RN) é na AMP. O que nós defendemos por isso é que 39% das verbas disponíveis, quaisquer que elas sejam , têm de vir para a área metropolitana. De acordo com a proposta que nos é apresentada, nós só vamos receber 22%. Depois, quando nós olhamos às candidaturas que vamos apresentar e quem é que vai receber o dinheiro ainda ficamos mais preocupados. Porquê? Por que isto representa desorçamentação, ou seja, está previamente determinado se nós aceitarmos os 129 milhões propostos, para a AMP há cerca de 40% que vai ser destinado a escolas, que são da responsabilidade do Ministério da Educação e Ciências, e há uma outra parte que vai o IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional). Isto é um excelente negócio para um modelo centralista e é uma forma de transferir verbas dos fundos estruturais, que deviam de vir para as regiões de convergência, para o Orçamento do Estado e, claro, que assim se beneficia os contribuintes que estão nas regiões que não são de convergência.
Depois daquilo que disse de Emídio Gomes, estão dispostos a defender a sua substituição?
Ele tem de tirar as consequências ou perceber de que lado está.
Deixou de ter a vossa confiança?
Aquilo que nós entendemos e fizemos foi dizer assim: este assunto só já se pode resolver a nível ministerial. Isto resolve a equação da pergunta que me está a fazer.
Mas a sua relação com o Governo nos dossiês mais sensíveis da cidade e da AMP também não tem sido fácil. Por exemplo, a concessão dos transportes colectivos já disse que espera que o Tribunal e Contas vete aquele contrato…
O presidente da Câmara do Porto não faz a oposição ao Governo, agora naquelas matérias que são contrárias ao interesse dos cidadãos do Porto, aí, seja qual for o governo, o presidente da Câmara do Porto, como lhe cumpre, fará os possíveis para contrariar aquilo que é a vontade de algumas políticas governamentais.
O recurso ao tribunal quando estão em causa negociações com o Governo não tem sido demasiado recorrente?
Tem.
Deve-se ao centralismo ou a outra coisa qualquer?
Deve-se a uma visão centralista, sim. Ou seja, quando é preciso encontrar forma de resolver algum problema, o que tem acontecido sempre é que tem prevalecido uma lógica centralista. O caso das águas é absolutamente claro. Os municípios que detinham 49% do capital das Águas do Douro e Paiva votaram todos contra a fusão. Um Estado que não respeita as leis que ele próprio cria, não contribui para a transparência na vida do país. Sabe porquê? Porque normalmente é preciso uma maioria qualificada para tomar uma decisão destas. Isto de facto é um confisco, não é mais nada. Chama-se um confisco. Mais valia terem nacionalizado as Águas de Douro e Paiva. O confisco encapotado é muito sério porque vai fazer com que todos nós olhemos cada vez mais para o Estado central com enorme desconfiança. Fazemos um contrato com o Estado e ele, em qualquer altura, por decreto, pode alterá-lo e isto não é aceitável e não interessa ao país. Isto é péssimo.
Foram lançadas uma série de suspeitas sobre si e sobre o concurso da concessão do Pavilhão Rosa Mota, pelo facto de Nuno Botelho, que é seu sócio numa empresa, foi seu director de campanha e foi seu sucessor na Associação Comercial do Porto (ACP) estar, através da ACP, a concorrer à concessão. Não o incomoda efectivamente essas ligações a um dos concorrentes num concurso como este?
O doutor Nuno Botelho não é concorrente ao Pavilhão Rosa Mota. Quem é concorrente ou está num dos consórcios é a Associação Comercial do Porto. Na Associação Comercial do Porto o doutor Nuno Botelho e eu temos o mesmo interesse absoluto, somos sócios. Não temos nenhum interesse particular. A Associação Comercial do Porto tem milhares de sócios e é uma instituição de 1834 perfeitamente respeitada na cidade. Faço-lhe a pergunta ao contrário: então a Associação Comercial do Porto, pelo facto de eu ter sido presidente ou de o doutor Nuno Botelho ser hoje presidente, deveria estar inibida de concorrer a concursos na cidade?
Não deveria, pelo menos, ter deixado de ser sócio do doutor Nuno Botelho numa empresa particular, como é a Essência do Vinho Brasil?
Eu não tenho nenhum interesse… Vamos lá ver, se essa empresa concorresse a um concurso da Câmara Municipal do Porto, teria toda a razão. Mas o doutor Nuno Botelho não concorre. O Rui Moreira não concorre. Quem concorre é uma instituição chamada Associação Comercial do Porto onde nem eu nem ele temos qualquer interesse patrimonial. Não há nenhuma relação de interesse relativamente a uma candidatura desta natureza.
O Bairro Rainha Dona Leonor, a par do Mercado do Bolhão, é um processo que parece que se estende demasiado no tempo. Porquê?
Isto decorre da lei. Todo o processo neste momento é muito lento. No caso do Bolhão estamos a fazer precisamente o que dissemos. Apresentamos o projecto de arquitectura e neste momento estamos a fazer os de especialidades. Está a ser cumprido o calendário. Estamos a receber o resultado das consultas que foram feitas às instituições externas. Ainda estamos à espera da Direcção Regional de Cultura do Norte, que se irá pronunciar sobre o projecto, mas apenas quando as especialidades estiverem concluídas. Todos estes passos foram anunciados na altura e são obrigatórios. Não vai haver atraso. A não ser que haja algum problema técnico.
Uma questão que causou polémica nas últimas semanas foi a intenção da Câmara do Porto de despejar moradores dos bairros sociais, indiciados pela prática de tráfico de droga. Foi uma decisão criticada, inclusivamente pelo Provedor do Inquilino do município. Vai continuar com esta prática?
As pessoas não serão despejadas. O que fizemos foi notificá-las da intenção de despejo. E essas pessoas têm todo o direito e inclusivamente o dever de nos fazerem chegar as suas reclamações. Com certeza que atenderemos a todas as reclamações. Ao contrário do que se fez no passado, até porque a lei mudou, nós não chegamos lá e despejamos as pessoas. Nós suscitamos uma notificação da intenção do despejo. E isso resulta do quê? De essas famílias estarem identificadas, e não foi por nós, pelo tráfico de droga. Não é consumo, é tráfico. E o tráfico de droga é um problema social.
Mas essa intenção abrange filhos, avós ou netos desses alegados traficantes…
À volta há outros filhos e dos netos que sofrem com o facto de haver uma casa que se calhar é dedicada apenas ao tráfico de droga, como acontece com algumas.
É uma escolha sua defender uns em detrimento dos outros, apesar de todos serem crianças?
Sim, é. É uma escolha.
Onde preferia ver a colecção Sindika Dokolo? No Palacete Pinto Leite ou na Casa Manoel de Oliveira, dois edifícios municipais que estão à venda?
Gostava que uma parte da colecção de Sindika Dokolo viesse para o Porto. Aquilo que vamos fazer, relativamente, quer à Casa Manoel de Oliveira, quer à Pinto Leite, é pô-las à venda em hasta pública. No caso da Manoel de Oliveira é uma hasta pública simples. Na hasta pública do Palacete Pinto Leite vamos pôr algum constrangimento. Tínhamos dois valores avaliados, mas tínhamos considerado no Orçamento deste ano apenas o valor máximo. O que vamos considerar é que podemos admitir vender por um valor inferior, mas fica uma reserva de propriedade. No caso de a casa vir a ser utilizada pelo futuro proprietário para qualquer outro destino [que não o cultural] terá que compensar a câmara pelo valor máximo da avaliação prevista, com o ajuste temporal. Se me perguntar onde é que eu gostaria… Olhe, se [Sindika Dokolo] quiser vir para o Porto com tudo o que tem, teria de comprar esses dois edifícios e mais alguns. Agora, eles não estão destinados, qualquer pessoa pode licitar. Recordo, que relativamente ao Palacete Pinto Leite ainda não perdemos a esperança de uma coisa que há um ano falei e ficou esquecida, que é a colecção Miró.
Não perdeu a esperança de a ver instalada no Porto?
Não, por uma razão: até agora o Estado português ainda não conseguiu vender a colecção.
Na sua qualidade de adepto, está contente com a política de contratações do FC Porto para o próximo ano?
(Risos)
Vai utilizar os trunfos turísticos do Porto para convencer a Sara Carbonero [a mulher de Iker Casillas, o guarda-redes do Real Madrid que é dado como jogador do FC Portona próxima temporada, estará pouco disposta a trocar a capital espanhola pelo Porto] a vir para cá?
Isso sim. (Risos) Estou disponível para lhe mostrar que o Porto é uma cidade muito mais interessante para viver, neste momento, do que Madrid. Ela Madrid já conhece e o Porto ainda não.