Maria João Guimarães (em Atenas), in Público on-line
“O que quero ser, grego, europeu?" Os gregos sentem que mesmo que vendessem Creta, Rodes e a Acrópole, isso não seria suficiente. A ideia que têm é que o que quer que façam, há alguém a querer atirá-los para fora.
O que somos? O que queremos? E o que querem de nós? A crise grega trouxe todos os clichés sobre oethos do país – jornalistas já relembraram vezes sem fim que é daqui que vem a filosofia, a tragédia, a comédia, que enigma e dilema são palavras gregas, que a resistência é parte da História.
Mas estes clichés tornam-se vivos nas conversas com muitos gregos. Como Pantelis Makkas, artista visual de 40 anos, que passa a vida em cidades como Amesterdão ou Paris ou Berlim e desde 2010 está com base em Atenas. “O que quero ser, grego, europeu? Isso não me interessa. Mas sinto que na Europa muitos esperam que a Grécia seja o herói. Ora eu não quero ser o herói. Toda a gente sabe que o herói morre no fim.”
Pantelis está farto de apagar amigos no Facebook nos últimos tempos. Sobretudo artistas de outros países. “Como podem continuar a fazer a mesma arte? Como podem não reflectir a situação política? E declarar o seu apoio à Grécia – mas não vêm cá. Querem apoiar, venham cá”, diz.
Prestes a levar uma peça sobre gentrificação a Viena, Paris e Berlim, Pantelis conta que agora vai ter de mudar o tema da performance – como falar de gentrificação se há algo muito mais importante a acontecer? “Não podes ir tratar do jardim se a tua casa está a arder”, compara. A parte central vai, no entanto, manter-se: ele a gritar um texto de 1959 de um economista chamado Zolotas, um discurso todo feito com palavras de origem grega, defendendo que as medidas dos governos deviam ser mais baseadas na economia do que na política.
E é isso que os gregos sentem que lhes está a acontecer, que estão a ser atirados para fora de uma União Europeia que é cada vez mais uma ideia económica e menos política.
Preço de saldo
Lucien Lescanne, do Chez Lucien, um restaurante francês na rua Troon, uma pequena rua cheia de tavernas gregas sem turistas de Atenas, diz que o objectivo é acabar com todos os pequenos negócios que são a espinha dorsal da economia grega. “O aumento de impostos para as empresas, o IVA dos restaurantes… Vão estoirar tudo com este novo memorando”, diz. “E assim vai ficar tudo a preço de saldo para poder ser comprado pela Alemanha e pelas multinacionais.”
No Twitter, um britânico a viver na Grécia dizia com palavras certeiras algo que anda na cabeça de todos: “Mesmo que Atenas vendesse Creta, Rodes e a Acrópole, a Alemanha ainda diria que não é suficiente.”
"Porque não chega?", pergunta Elias, 27 anos, voz baixa e calma. Há uma ideia da Grécia antiga que ele gostava de ver aplicada. “Há 3000 anos algo mágico aconteceu nas colinas da Acrópole, aqui perto, em Pnyka. Filósofos, soldados, generais, todos conversavam sobre o futuro de Atenas. As pessoas escolhiam a ideia que preferiam. Mas havia um prazo para a fazer. Se não conseguissem, passavam a outra”, nota Elias, que é técnico informático a trabalhar num café perto da praça Syntagma. Há cinco anos que a austeridade é aplicada e não resulta. O fim do raciocínio está subentendido.
“Acho que estes governos têm qualquer coisa contra a Grécia. Quando pedimos ajuda deram de boa vontade, e agora estão a agir como forretas”, diz Elias, no seu tom uniforme. "Não querem encontrar solução. E são os mesmos que há 50 anos pediram ajuda.”
“Não quero ser o grego que lembra a II Guerra,” diz Pantelis, que discursa com altos, baixos, e pausas dramáticas, ou não fosse um performer. “Mas isto é recente – não é do tempo do czar Alexandre!”
Pantelis sublinha porque considera que calhou à Grécia este papel, o de recusar a austeridade elegendo o primeiro governo de esquerda, como ele diz. Não é só ter sido o país mais duramente afectado. “A resistência é parte da nossa vida nos últimos 150 anos, lutando contra os otomanos, ou os nazis, ou a junta nos anos 1970”, diz. “Foi esse espírito de resistência que nos levou ao Governo de esquerda.”
No restaurante francês, cheio de cartazes art deco e de filmes como Amelie, e uma mesa e cadeiras penduradas no tecto dando-lhe um ar de Alice no País das Maravilhas, Lucien está numa fúria. Vai saindo de trás do balcão de vez em quando, para acrescentar mais uma ou outra coisa. “E eu nem sou grego!”. Francês, casou com a uma grega e vive aqui há 20 anos. “Acham que os gregos são preguiçosos? Em Paris, quando estão 38 graus, já ninguém trabalha – aqui toda a gente trabalha! E a Alemanha? Alguma vez faziam um referendo numa semana? Quem é preguiçoso e desorganizado aqui?”
Como alguém que vai concorrendo a financiamento estrangeiro, Pantelis Makkas também nota os preconceitos, e diz que estes lhe trazem dificuldades: “Acham que somos corruptos”, queixa-se.
E a Eurovisão?
Estamos com Tania, 22 anos, no que ela chama “um café hipster”, atrás da zona turística de Monastiraki. Tania está grande parte da conversa emocionada a explicar os seus medos. De deixarem de vir os turistas que mantêm a Grécia viva. De ter de sair do país para fazer alguma coisa da vida. Dos amigos que trabalham dez a 12 horas por dia por 400 euros por mês. “Que alemão aceitaria isso?", pergunta. "E ainda querem mais? Querem que saiamos? Do euro? Da Europa?” E se saírem, o que vai acontecer? Tania parece à beira das lágrimas, é avassalador. Mas bebe um golo do sumo de laranja, e começa a brincar. “Saímos do campeonato europeu de futebol? Não, eu adoro futebol! Da Eurovisão? Não, por favor, sair da Eurovisão é que não!”
Nestes dias frenéticos, há quem esteja atento à televisão, rádio e Internet, seguindo todas as notícias contraditórias que vêm de Bruxelas. As conversas parecem ser dominadas pelo tema – mesmo não percebendo grego percebe-se o tema. Em esplanadas, tabacarias, no metro: “Germania”, Alemanha, ou “mnemonio”, o memorando.
Mas também há quem esteja calmo. “Tomámos uma posição. O que quer que aconteça”, diz Pantelis, “o que importa é que estejamos juntos e vai correr tudo bem – somos demasiado velhos para morrer”.