Carlos Dias, in Público on-line
Oito adultos e 13 crianças vivem há cerca de ano e meio na zona mais antiga da vila alentejana tomando banho e fazendo as suas necessidades básicas em plena rua.
Em meados de Junho de 2014, 67 pessoas, incluindo 35 crianças, ficaram sem casa e viram os seus pertences destruídos no local onde viviam, na sequência da demolição ordenada pela Câmara da Vidigueira. Decorrido ano e meio, “um grave problema” afecta ainda mais de duas dezenas de pessoas, da família Azul, que vivem numa situação “degradante”, descreve Lucibela Pires, residente na vila, na denúncia que fez da situação junto de partidos políticos e organizações de apoio social.
O presidente da autarquia, Manuel Narra, justificou a decisão de demolir, no ano passado, o armazém onde as famílias Azul e Cabeça viviam por se terem registado “confrontos, com tiros”, entre os elementos das duas famílias, que colocaram em causa a segurança da população. Para a maioria dos desalojados, a autarquia encontrou alternativa, mas estes membros da família Azul decidiram procurar tecto pelos seus próprios meios, acabando por serem alojados neste barracão pela segurança social.
Agora, Lucibela Pires salienta que residem no armazém/barracão da Rua do Frade 13 crianças, “apesar da falta de condições do local para habitação”, criticando a “desastrada integração ‘à força’ dos ciganos na comunidade, desrespeitando as regras básicas de saúde e bem-estar de todos, quer dos ‘integrados’ quer dos moradores”.
Durante o Verão, outros residentes na rua “tiveram de suportar o mau cheiro de um esgoto a céu aberto em frente das suas portas”. A comunidade cigana “não tem sanitários, nem esgoto, onde fazer as suas necessidades, lavar a roupa ou a loiça”, prossegue a moradora.
Um grupo de moradores na Rua do Frade e Rua dos Gregos apresentou entretanto queixa junto da Câmara de Vidigueira e a autarquia ordenou a limpeza da sujidade em Setembro. Contudo, as famílias ciganas continuam a fazer as suas necessidades no espaço público, como o PÚBLICO pôde confirmar junto de outro residente na Rua do Frade, quando este limpava o empedrado em frente da sua casa. “O Verão que passou foi insuportável” com os maus cheiros, mas “continuam a fazer da rua casa de banho e depois limpam com baldes de água”, descreve.
Rosa Maria Reis, mãe de um bebé de meses e de mais dois meninos de quatro e cinco anos, o único membro da família Azul que se encontrava no interior do barracão quando o PÚBLICO ali foi, comprovou que o espaço onde habitam “não tem casas de banho nem esgotos.”
O chão de cimento é limpo diariamente com baldes de água e os colchões e mantas ficam amontoados em cima de mesas, cadeiras e caixas para se poder circular. No espaço vivem quatro casais e 13 crianças em idade escolar. “O que mais nos custa é dar-lhes banho com água fria, antes de irem para escola, para evitar problemas com os outros meninos”, explica a jovem mãe, frisando que a roupa é lavada “à porta do barracão”.
Diz não saber quem paga a renda do espaço onde estão alojados, mas queixa-se de que quando foram ali instalados pela “assistente social da Vidigueira” foi-lhes dito que era uma situação provisória.
O Instituto da Segurança Social, reagindo ao pedido de esclarecimentos solicitado pelo PÚBLICO, adiantou que já fez o diagnóstico das famílias desalojadas e concluiu que “necessitam de ter a situação habitacional resolvida de modo a que possam viver com as condições mínimas de dignidade”. Precisou ainda que, apesar de o Centro Distrital de Beja da Segurança Social “não ter competências em matéria de habitação”, a situação tem sido objecto de reuniões com a Câmara da Vidigueira, “tendo em vista a procura de soluções alternativas”.
No entanto, reportando-se à situação precária em que vive a família Azul, Manuel Narra é taxativo: “Quem avançou com os seus próprios meios” está confrontado “com todos os problemas inerentes à falta de planeamento e acompanhamento técnico adequado”. As famílias que tiveram “intervenção directa” da autarquia estão integradas em diversos locais, “onde não causam qualquer tipo de problema”, compara o autarca.
Entretanto, o PS da Vidigueira tornou público que a autarquia continua a pagar a renda do armazém onde estava a comunidade cigana expulsa em Junho de 2014. Desde aquela data, revelam os socialistas, o município já despendeu uma verba próxima dos 70 mil euros por um edifício que não utiliza.
Manuel Narra confirma, através de comunicado, que a autarquia está a suportar o encargo, alegando que o executivo municipal tinha “deliberado a aquisição do prédio rústico” à empresa Centro de Estudos e Formação Aquiles Estaço, Lda. (CEFAE)”. O acordo estabelece o pagamento de uma renda mensal “até à efectivação da escritura de compra e venda”.
Estêvão Pereira, da direcção do CEFAE, confirmou ao PÚBLICO que “há mais de um ano” foi apresentada à câmara uma proposta de venda do terreno e do edifício. Esta apresentou uma contraproposta, assumindo a vontade de aquisição, mas enquanto não fosse celebrada a escritura “seria paga uma renda mensal pelo espaço.” Estêvão Pereira diz desconhecer as razões por que ainda não foi afectivada a escritura, mas admite que a “falta de disponibilidade financeira da autarquia” esteja a protelar a compra do prédio rústico.