Ricardo Perna, in "Família Cristã"
Situações como a da Maria, que contámos no artigo anterior, são comuns no nosso país. A violência doméstica não tem um perfil ainda definido, nem de vítimas nem de agressores, pelo que o trabalho a fazer é o da sensibilização para a importância da denúncia e o apoio rápido e eficaz para as vítimas que têm a coragem de se chegarem à frente para denunciar a situação. Foram mais de 24 mil os casos de violência doméstica registados pelo Ministério da Administração Interna, só o ano passado. Como a situação da Maria, retratada no artigo anterior, tendem a ser cada vez menos, já que as mulheres estão menos tempo sob o jugo dos agressores. «88% das vítimas de violência doméstica são mulheres», diz Daniel Cotrim, da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima). «Quando começámos nisto, há 25 anos, as primeiras mulheres que nos chegavam tinham 50 e 60 anos e já viviam uma situação de abuso e violência há 30 ou 40 anos. Hoje, felizmente, as mulheres que nos chegam têm entre 25 e 45 anos de idade, e o crime durou cerca de 6 anos, o que nos deixa satisfeitos», afirma.
4' Atualmente levantam-se outras preocupações. «O tipo de violência exercido hoje é muito pior. Passa-se muito rapidamente da violência psicológica à física. Este ano, as tentativas de homicídio aumentaram e a perspetiva de aumento dos homicídios é real», lamenta este responsável, que aponta a «sazonalidade» do crime. «A violência doméstica é um crime sazonal, acontece mais em casos de férias prolongadas, no Natal, que são alturas de maior choque, depois estabiliza com o início do ano letivo. Também diminuem as denúncias, porque as pessoas não querem retirar as crianças da escola, e aguentam até às férias», explica. Muitas mulheres não arriscam a denúncia por causa da perceção de que o caso não se vai resolver e que só piorará a sua situação. «Algumas dessas perceções não estão erradas. A ideia que as pessoas têm é que os processos demoram muito tempo, que se arrastam por muito tempo na justiça, que as pessoas são obrigadas a sair das suas casas, a perceção que as pessoas têm é de que o número de mulheres assassinadas tem aumentado, etc.», enumera. É por isso que se justifica falar numa «cifra negra», de dimensões impossíveis de calcular. «O número de mulheres que não participam as situações de violência doméstica pode ser muito maior do que aquele que pensamos», lamenta. Este é uni drama que preocupa a APAV, principalmente por ser muito difícil de detetar. «Penso que sempre o foi, mas hoje a violência doméstica é um crime perfeitamente transversal a idades, estatutos, sexo, raça ou credo», refere. Na tentativa de conhecer melhor «o perfil do agressor e da vítima», um projeto-lei aprovado no início de setembro permitirá a criação de um grupo de estudo «que vai mapear a violência doméstica, onde acontece e a quem, para se fazer perfil da vítima e do agressor», afirma Daniel Cotrim. portuguesa de Apoio à Vítima
Outra das críticas deste responsável é à discriminação territorial no sentido do apoio às vítimas. «Em Lisboa, há profissionais da polícia preparados para lidar com a violência doméstica e tem urna secção própria do DC1AP para lidar com isto, mas em cidades do interior isso não acontece, há um país de primeira e um país de segunda ou terceira», critica. Segundo este responsável, «das mais de 2 mil pessoas que atendemos em Lisboa, apenas 300 eram de Lisboa, o resto era de regiões à volta. Os planos regionais deveriam criar standards mínimos obrigatórios para que a mulher que vive em Condeixa-a-Nova não seja discriminada em relação à mulher que vive em Lisboa. Espero não me enganar, mas não é assassinada na cidade de Lisboa uma mulher desde 2011, o que é muito bom. Muitas mulheres foram assassinadas no distrito de Coimbra, onde não há resposta para estas mulheres, que estão longe dos pontos de apoio», avisa. Hoje em dia, a crise económica veio trazer problemas acrescidos na autonomização das vítimas de violência doméstica que são obrigadas a refugiar-se em casas-abrigo e não só. «Neste período de crise, aumenta o número de meses que as mulheres permanecem nas nossas casas. Se antes ficavam quase um ano, agora são quase dois. Esta mulher precisa de ter um emprego, mas as mulheres são as que ganham menos, e arranjam empregos precários, de escravatura, das 5 da manhã às 20, passando por não sei quantos escritórios a limpar. Enquanto estão na casa-abrigo, isto é possível, mas depois não dá. Onde ficam os filhos? Não há estrutura de apoio», sustenta. Os municípios criaram uma estrutura de apoio, e o Governo tem algumas bolsas de alojamento, mas muitas destas mulheres não as usam, pois as casas ficam longe das casas-abrigo, e é ali que estão os profissionais que trabalham com elas. Mais difícil é a autonomização das pessoas «maiores». «Nas mulheres mais velhas, é mais difícil a autonomização. Não podemos dizer a uma senhora com 60 anos "agora vá arranjar um emprego". Esta é a resposta que falta pensar agora», conclui. in 40 tipo de violência exercido hoje é muito pior. Passa-se muito rapidamente tia violência psicológica à física.»