in SicNotícias
A seca e os conflitos colocam em risco de fome milhões de pessoas em África, numa altura em que "a falta de fundos é muito significativa", disse à Lusa fonte do Programa Alimentar Mundial.
Num contacto telefónico, Challiss McDonough, porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) para a África Oriental, exemplificou com o caso da Somália, onde 6,2 milhões de pessoas, metade da população do país, precisam de ajuda humanitária de emergência, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
"Na Somália, no ano passado, a seca afetou o norte e agora afeta todo o país (...) o número de pessoas a precisar de ajudar aumentou manifestamente", referiu.
O PAM dá apoio a mais de 4,2 milhões de pessoas na Somália, mas precisa de "374 milhões de dólares (353 milhões de euros) para os próximos seis meses", adiantou Chaliss McDonough.
As autoridades somalis decretaram uma situação de "catástrofe nacional" e no fim de semana passado fizeram o seu primeiro balanço de mortos devido à fome: 110 pessoas em 48 horas numa única região.
Em fevereiro, a ONU pediu 4.000 milhões de dólares (3,77 milhões de euros) para as quatro nações afetadas por conflitos e pela fome: Somália, Sudão do Sul, Nigéria e Iémen.Segundo dados da organização, mais de 20 milhões de pessoas podem morrer de fome naqueles quatro países.
No Sudão do Sul, a fome foi declarada em algumas zonas do país pelas Nações Unidas, que alertaram para o facto de muitos já terem morrido e estimaram em 100.000 os que se encontram em risco imediato de fome.
O PAM, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) indicaram que 4,9 milhões de sul-sudaneses, 42% da população do país, devastado por uma prolongada guerra civil, precisam de ajuda alimentar de emergência.
"No Sudão do Sul, a seca é uma pequena parte do quadro (...), a maior parte do problema deve-se ao conflito, aos deslocamentos devido ao conflito e à crise económica também devido à guerra. Além disso, as agências humanitárias têm grande dificuldade em chegar a algumas zonas do país e prestar uma assistência regular", explicou Chaliss McDonough.
Para Joyce Luma, responsável do PAM no Sudão do Sul, "esta fome é feita pelo homem. Há um limite para o que a assistência humanitária pode conseguir na ausência de paz e segurança".
Situação semelhante é vivida no norte da Nigéria, onde um relatório da FAO calculou em 8,1 milhões as pessoas em "insegurança alimentar aguda" devido às ações do grupo 'jihadista' Boko Haram.
Chaliss McDonough recordou que em 2016 foi declarada uma situação de "fome em duas cidades do estado de Borno", bastião do grupo terrorista, no noroeste da Nigéria. A responsável do PAM referiu também as dificuldades das agências humanitárias em prestar auxílio em zonas com um "alto nível de insegurança e restrições de acesso".
"Quando há conflito, as pessoas movem-se de um sítio para outro, o que torna difícil determinar as necessidades e dar-lhes resposta", adiantou.
Numa declaração numa conferência de doadores, há duas semanas, o chefe da diplomacia norueguesa, Borge Brende, disse que "a crise dos deslocamentos de populações no nordeste da Nigéria e na região do lago Chade tornou-se verdadeiramente numa urgência alimentar e nutricional muito grave".
Nessa conferência foram prometidos 637 milhões de euros em três anos para ajudar a evitar a fome nos quatro países que rodeiam o lago Chade (Nigéria, Níger, Camarões e Chade), mas a ONU estima que a ajuda necessária para a região só para 2017 ascenda a 1,4 mil milhões de euros.
Particularmente vulneráveis são as crianças, alerta por seu lado a UNICEF, que fala num "iminente" risco de morte de 1,4 milhões na Somália, Sudão do Sul, Nigéria e Iémen devido à fome que existe nestes países.
Serão 450.000 na Nigéria, 270.000 no Sudão do Sul, 185.000 na Somália e 462.000 no Iémen.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu em Mogadíscio na terça-feira à comunidade internacional para se mobilizar em massa para "evitar o pior" na Somália.
"É possível evitar o pior, é possível evitar que a Somália passe por uma situação semelhante à de 2011", disse Guterres, numa referência à fome que há seis anos que causou 260 mil mortos no país. A Somália é um país devastado por mais de duas décadas de conflito, continuando a ser palco de ataques do grupo extremista Al-Shabab.
Antes de chegar a Mogadíscio, o ex-primeiro-ministro português tinha afirmado que "a combinação do conflito, da seca, das alterações climáticas, das doenças e da cólera é um pesadelo".
"Na Somália, devido à situação, à história de mais de 20 anos de conflito e à existência de um novo e ainda frágil governo, a necessidade da comunidade internacional liderar a resposta é ainda significativa", concorda Chaliss McDonough, que adiantou: "é muito importante que tenhamos os recursos e o acesso para conseguir ajudar essas pessoas agora, antes de as coisas piorarem".
Lusa