7.3.17

Reino Unido e Alemanha querem portugueses a tratar de idosos

Carlos Ferro, in Diário de Notícias

Recrutamento está a aumentar. A procura já é superior à oferta. Salários chegam a ultrapassar os 1800 euros, mais o alojamento
O Reino Unido e a Alemanha estão a contratar em Portugal dezenas de auxiliares para trabalhar em lares, centros de saúde e em casas de idosos do país. Os britânicos pagam três vezes mais do que em Portugal, com salários a chegarem aos 1800 euros. Profissionais da área da saúde e desempregados são os mais recrutados. O interesse no recrutamento de cidadãos nacionais para esta área de cuidados de saúde especializados sofreu um grande aumento no ano passado, mantendo-se nos primeiros dois meses de 2017 dezenas de ofertas para o setor em sites de empresas de recrutamento. Isto apesar do brexit, cujos eventuais efeitos são, para já, desvalorizados.

Para conseguir convencer as pessoas a irem trabalhar para Inglaterra, é oferecido um salário que pode chegar aos 1800 euros mensais (se for para ficar em casa de um idoso pode subir, e ir até aos cem euros/dia em média), quando em Portugal um auxiliar ganha, na maior parte dos casos, o salário mínimo: 557 euros. Além de existir a possibilidade de lhes ser oferecido o alojamento e as refeições, no caso das pessoas que são contratadas para trabalhar como internas.

A procura é tal que, segundo garantiram ao DN responsáveis de algumas das empresas contactadas, chega a não haver resposta para tanto interesse, principalmente das instituições britânicas. "Há uma procura massiva de auxiliares de ação médica e geriatria. Até está a acontecer que algumas empresas inglesas estão a instalar filiais em Portugal. Apesar de outras preferirem fazer parcerias com empresas nacionais", confirmou ao DN Helena Ribeiro, responsável da Go Work, uma das firmas de recrutamento que trabalham na área da saúde.
"Esta área é muito forte no Reino Unido. Têm muitos idosos que precisam de cuidados, mesmo em casa", sublinhou ao DN Filipe Amorim, da Manda-te.com. "Neste último ano, colocámos 40 pessoas", acrescentou , lembrando que nesse período receberam 3000 candidaturas para trabalhar na área.

Cuidar de doentes como a sogra
Nas ofertas de trabalho que existem online não é feita nenhuma exigência especial, basta falar um pouco de inglês. Não é pedida experiência ou formação para trabalhar com idosos, nem idades específicas. Até porque ao chegar a Inglaterra - o mercado que mais procura estes profissionais em Portugal, tendo também a Alemanha contratado muitas pessoas - as entidades para as quais vão trabalhar são obrigadas a dar formação aos funcionários de forma a receberem o certificado que os autoriza a trabalhar.

Com uma população idosa de cerca de 11 milhões de pessoas (com mais de 65 anos e segundo dados do início de 2016), para uma população total de 64 milhões (em 2014, os dados oficiais mais recentes), o Reino Unido necessita de pessoal para trabalhar neste setor para o qual as entidades locais não parecem encontrar interessados. "Aquilo de que nos vamos apercebendo é que a razão para os ingleses contratarem pessoas para tratar dos idosos está relacionada com a sua falta de aptidão técnica e comportamental para este trabalho. Não é qualquer pessoa que tem aptidão para tratar de um idoso ou de uma pessoa acamada", adiantou ao DN Helena Ribeiro, cuja empresa está a colocar pessoas a trabalhar em centros de saúde.

Maria do Carmo (55 anos) é um exemplo de uma pessoa que decidiu deixar Portugal para ir tratar de idosos, atualmente em Londres. "Estava desempregada e decidi emigrar, já estive em três países e agora estou no Reino Unido", contou ao DN. Cuida de idosos com Alzheimer, um trabalho que "exige grande disponibilidade, atenção e dedicação. O facto de ter cuidado da minha sogra, que sofria dessa doença, despertou-me a sensibilidade e foi no Reino Unido, que tem uma grande percentagem de idosos portadores dessa doença, que encontrei muita necessidade de geriatras".

Esta facilidade de trabalhar com pessoas de idade que os portugueses demonstram é um fator que contribui para a boa imagem que lhes é reconhecida e para a qual foi importante o trabalho dos enfermeiros que emigraram em força para o Reino Unido a partir de 2011.
"Há falta de pessoal na área da saúde e por isso eles [as empresas inglesas] recorrem a Portugal. Até 2013 recorriam a enfermeiros, mas, como passou a ser obrigatório um exame de inglês para esta classe poder trabalhar lá - tem de ter uma nota de sete numa escala que vai até nove -, as empresas começaram a recorrer mais aos auxiliares", explicou ao DN Ricardo Magalhães, da Reach Health Recruitment. Que garante ter a sua empresa candidaturas de pessoas com e sem formação e de várias idades. Em Inglaterra vão trabalhar para lares (privados ou públicos) e com um vencimento que não é comparável ao oferecido em Portugal. "Vão receber 1800 euros por mês, cá não ganham nada parecido", frisou.

Aproveitar, apesar do brexit
Ir para o Reino Unido com pouco mais de 300 euros foi o desafio de Filipa Silva, que aos 39 anos e desempregada decidiu aceitar a proposta de trabalho como "auxiliar de saúde". "Falava-se no brexit, é evidente que pensei como seria o cenário dos próximos tempos, mas também pensei que se não aproveitasse esta oportunidade podia não ter outra", adiantou ao DN esta estudante de Gestão, do ISCAL, e que sempre trabalhou na área administrativa.

Sobre o trabalho, frisa que foi "um desafio, confesso que pela positiva. Sabia que o meu interesse pela área da saúde é imenso, mas daí a imaginar que viria a trabalhar na área nunca me passou pela cabeça. São 12 horas por dia, verdadeiramente árduos em termos físicos e psicológicos", contou.

Entre os trabalhadores e recrutadores ouvidos pelo DN, o brexit (saída do Reino Unido da União Europeia, com consequências a nível da mobilidade e autorizações de trabalho) não atemoriza. Em geral, dizem que o risco ainda compensa.

Em Portugal falta pessoal
A falta de auxiliares de geriatria não é um problema apenas no Reino Unido ou na Alemanha. Também em Portugal os lares e as casas de repouso têm dificuldades em criar equipas, como disse ao DN João Ferreira de Almeida. O presidente da Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos reconhece que esta questão é problemática, mas não porque as pessoas estejam a emigrar. "Há muitos anos que temos dificuldades de recrutamento de ajudantes de ação direta, como é o nome da profissão", diz, explicando a razão: "A maioria ganha o ordenado mínimo, apesar de haver lares a pagar acima disso. Já disse a muitos sócios que se estão satisfeitos com as equipas lhes devem pagar melhor, para que fiquem. Além disso, há muita falta de profissionalismo."