Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Sete municípios portugueses participam num programa promovido pelo Conselho da Europa e pela União Europeia.
São sete os municípios portugueses que participam no programa de mediação cultural promovido pelo Conselho da Europa e pela União Europeia. O comissário europeu dos Direitos Humanos, Nils Muiznieks, regressa hoje a Estrasburgo, depois de uma visita de dois dias a Portugal, convencido de que o programa tem de ser alargado e de que o Governo está empenhado em fazê-lo.
“Eu ouvi a secretaria de Estado da Cidadania e Igualdade dizer que estão empenhados em continuar o programa”, disse. Esteve reunido com Catarina Marcelino. “Fiquei muito feliz por saber isso. O Governo reconhece que isto é importante. O programa oficial acaba em Dezembro. Eles sabem disso e estão à procura de uma forma de financiamento para prolongar e expandir.”
Não foi a primeira vez que Portugal tentou formar mediadores, profissionais preparados para estabelecer pontes entre as comunidades ciganas e as instituições, para mediar conflitos, promover a tolerância. A Obra Nacional para a Pastoral dos Ciganos fez uma tentativa em 2002. Já em 2009 o Alto Comissariado para as Migrações lançou um projecto-piloto. E esta é a segunda edição do programa Romed.
Na primeira edição, dois grupos receberam formação, um em 2011/2012 e o outro em 2012/2013. No fim, havia 19 mediadores municipais, um mediador da área da saúde, três dinamizadores culturais do Programa Escolhas, um mediador da Santa Casa de Misericórdia e três mediadores escolares.
Duas organizações foram criadas
Hoje, só seis mantêm-se em actividade. Mas o primeiro Romed deixou outros frutos: duas organizações de ciganos foram criadas. Em 2013, nasceu a Letras Nómadas, que trabalha o empoderamento das comunidades. Já em 2014, nasceu a Associação de Mediadores Ciganos Portugueses.
O Conselho da Europa e o Alto Comissariado para as Migrações desafiaram a Letras Nómadas a ser a organização nacional de apoio do Romed 2. Esta fase foi além da formação de facilitadores/mediadores. Na tentativa de construir capital social, cidadania, participação, impulsionou grupos de acção local.
Nos primeiros anos, 2014/2015, os sete municípios criaram 30 postos de trabalho para ciganos, ainda que precários e temporários. E isso teve “impacte nas suas vidas e nas vidas das suas famílias, mostrando que são de confiança e que as câmaras estavam dispostas da dar-lhes uma oportunidade”, lê-se no relatório de avaliação externa publicado no ano passado pelo Conselho da Europa.
Cada município gerou a sua própria dinâmica. Em Torres Vedras, por exemplo, o mediador fez um inquérito. Em Elvas, o grupo de acção aconselhou a autarquia sobre modos de lidar com um bairro problemático. Em Beja, o grupo reuniu material e ajudou a autarquia a preparar a reparação de telhados de casas de famílias isoladas. No Seixal, começou a desenhar-se uma estratégia local.
“Aumentaram as competências individuais"
Dizem os avaliadores que os membros dos grupos de acção local “aumentaram as competências individuais e organizacionais, tornaram-se, por exemplo, mais capazes de expor problemas e de formular soluções adequadas, tendo em conta os canais e os procedimentos municipais.” Ficaram, referem ainda, mais aptos para escrever cartas com queixas ou propostas e mais preparados para organizar reuniões e eventos. E conhecem mais pessoas e mais instituições.
Um a vez mais, há resultados que extravasam a mediação. “O Romed 2 contribuiu para criar condições que permitiram um grupo de estudantes ciganos aceder ao ensino superior”, apontam. “Em vários grupos de acção havia jovens que com o tempo expressaram interesse e motivação para prosseguir os estudos, se tivessem apoio económico. “A associação Letras Nómadas identificou diversos rapazes e raparigas e preparou o projecto Opré Chavalé, financiado pelo Programa Escolhas. Atribuíram um mentor e uma bolsa e oito jovens. O esforço foi reconhecido pelo Alto Comissariado, que atribuiu outras 25 bolsas no ano lectivo 2015-2017.
Os avaliadores concluíram que o impacte do programa “é muito simbólico e localizado”. Ainda assim, julgam que é "um sinal de mudança”. E é esse sinal que Nils Muiznieks espera que o Governo agarre e expanda, chegando agora às zonas onde as relações são mais problemáticas do que em Torres Vedras.