Sérgio Pires, in Diário de Notícias
A Good After é uma plataforma de compras única na Península Ibérica: vende os produtos que não cabem nas prateleiras dos retalhistas devido a alterações na embalagem ou à aproximação da data de consumo preferencial
Massas, champôs, azeite, bolachas, um carrinho de compras num corredor, encomendas devidamente embaladas noutro. No pequeno armazém do Hipercentro, parque empresarial na Areosa, Porto, encontra-se desde mercearia a produtos de higiene ou de limpeza.
Será este um supermercado? Sim e não. A Good After está no retalho, mas joga num campeonato diferente do dos grandes players do setor.
"Somos um supermercado de oportunidades", explica ao DN Chantal Gispert, catalã de 41 anos que vive no Porto há quase vinte "por culpa do amor". Juntamente com um grupo de sócios, criou a única plataforma de compras na Península Ibérica a adotar um conceito que já existe nos Estados Unidos e no Norte da Europa: "Um dos sócios é jurista e verificou a viabilidade da nossa ideia face à lei portuguesa. Durante um ano estivemos a preparar o arranque da empresa, tivemos a aprovação da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, consultámos a ASAE, fizemos tudo o que devíamos fazer antes e em junho de 2016 abrimos portas."
Na Good After - o nome surgiu por oposição à expressão inglesa "Best Before", indicação de consumo preferencial utilizada nos produtos - vendem-se com um desconto que vai dos 20% aos 70% artigos que não têm lugar nas prateleiras dos supermercados convencionais: por terem mudado o grafismo ou o tamanho da embalagem, alguns, mas sobretudo aqueles cujo prazo de consumo preferencial está a expirar - há que sublinhar as diferenças entre os produtos que têm "prazo preferencial de consumo", que podem continuar a ser consumidos depois dessa data sem ser colocada em risco a segurança alimentar, e aqueles que têm uma "data-limite", os frescos, que não são vendidos aqui.
"Os lotes que nos chegam às mãos [vendidos pelas marcas à plataforma] não estão disponíveis nos pontos habituais por algum motivo. Tudo isto são ineficiências de stock (aponta em volta). Os clientes que nos procuram têm por base um consumo responsável, além de pouparem querem combater o desperdício", explica Chantal, percorrendo os corredores até apontar um exemplo concreto: "Estas bolachas têm uma embalagem natalícia, mas nós vendemo-las fora do Natal... Estão ótimas, mas não podem ser comercializadas fora da época numa superfície comercial por causa da embalagem, ou seja, o fornecedor teria de deitá-las ao lixo porque os custos logísticos de as reembalar são demasiado elevados."
Mais de 20 mil clientes registados
O crescimento da Good After faz-se conquistando aos poucos a confiança dos clientes, mas também dos fornecedores, cativando cada vez mais marcas para colaborarem nesta nova forma de consumo sustentável (ver outros exemplos nos destaques).
"A fatura detalha o motivo pelo qual se está a comprar a um preço mais baixo: é um procedimento importante para o cliente não ser levado ao engano e uma forma de a marca não se ver diminuída. No fundo, é como ir aos saldos. Apelamos à responsabilidade social que as marcas têm no combate ao desperdício, porque tudo isto iria parar ao lixo", diz a responsável.
Em pouco mais de um ano, a plataforma chegou aos 20 mil consumidores registados no site e mais de 30 mil seguidores no Facebook. Há "fregueses" em Portugal, a maioria na Grande Lisboa, mas também em Espanha.
O consumidor pode levantar a sua encomenda no armazém no próprio dia (caso a faça até às 13.00) ou em alternativa recebê-la na morada indicada ou levantá-la nos CTT ou numa loja Phone House (no dia seguinte).
Sara Parente, 46 anos, vive no Porto, é uma cliente habitual e pela proximidade aproveita para levantar as suas compras no armazém. "Assim poupo nos portes de envio e nos custos com a embalagem. A minha motivação é economizar e também combater o desperdício. Sou muito criteriosa no que compro, até porque tenho de gerir o orçamento de um agregado familiar com dois filhos, que passam a quatro a cada 15 dias. Comparo sempre os preços e, por exemplo, um gel de banho que custa quatro ou cinco euros num supermercado habitual só com uma promoção grande é que atinge os 2,5 euros, o preço habitual na Good After, onde agora faço cerca de 40% das compras mensais", diz ao DN esta profissional da área da assessoria, salientando que compra através da plataforma produtos de higiene e sobretudo bens alimentares.
"O que vendemos mais é mercearia: atum, polpa de tomate...", revela Chantal Gispert, explicando que a percentagem de desconto aplicada aos produtos está diretamente relacionada com o número de dias que lhe restam: "À medida que a data de consumo preferencial se vai aproximando, o desconto aumenta, até um máximo de 70%."
Apesar do crescimento, o sonho de abrir uma loja convencional não está previsto para breve. "Começámos por esta plataforma porque é um conceito novo e achámos que era a maneira mais prudente de testar o mercado. Uma loja física requer um investimento bem maior, mas gostaríamos de vir a dar esse passo. Para já, o nosso principal objetivo é ter sempre arroz, massa, etc. para que os meus clientes consigam comprar aqui sempre que quiserem um cabaz razoável, independentemente das marcas. Aliás, se tivéssemos sempre aqui os mesmos produtos seria um sinal de que eles não estavam a funcionar no mercado. Aqui dependemos das ineficiências de stock deste ou daquele fornecedor. É por isso é que digo: somos um supermercado de oportunidades", conclui a responsável pela Good After.