4.9.17

As mulheres que lutam por melhores condições nos bairros de lata

Rina Chandran, in Diário de Notícias

São elas que assumem a liderança das respetivas comunidades na hora de pedir água potável ou saneamento e garantir que não haverá despejos. Organizações treinam as mulheres para assumir esse papel

Hansaben Rasid sabe o que é viver sem uma torneira ou uma sanita própria, temendo constantemente ser despejada de casa pelas autoridades locais, que estão sempre desejosas de destruir bairros de lata ilegais como o dela em Ahmedabad, no Oeste da Índia. Mas o medo e a falta de serviços básicos são hoje apenas uma velha memória, depois de ela se ter tornado uma líder da comunidade no bairro de lata de Jadibanagar e pressionado os residentes para concorrerem a um programa que lhes deu essas instalações e a garantia de não serem despejados durante dez anos.
"Nem sequer tínhamos uma torneira aqui - tínhamos de ir buscar a uma comunidade aqui perto e perdíamos muito tempo a fazer isso. As pessoas continuavam a ficar doentes porque só havia uma sanita", disse. "Agora que temos torneiras individuais e sanitas, podemos focar--nos em trabalhar e na educação das crianças. A saúde de toda a gente melhorou e nem precisamos de ter medo de ser despejados em breve", afirmou sentada no exterior da sua casa pintada de verde.

Jadibanagar, com 108 casas, é um dos mais de 50 bairros de lata em Ahmedabad que foram alvo de melhorias ao abrigo do programa Parivartan - significa "mudança" - e que envolve os responsáveis pela cidade, os habitantes dos bairros, um construtor e uma organização não governamental.

Cada agregado familiar paga duas mil rupias (26 euros) e, em troca, cada casa ganha uma torneira, uma sanita, uma linha de esgoto e um dreno de águas pluviais. Cada rua do bairro de lata recebe luz, estradas pavimentadas e recolha regular de lixo. Cada casa paga 80 rupias (um euro) como taxa de manutenção anual e a cidade compromete-se a não despejar os residentes durante dez anos.

Capacidade de negociação
Uma parte crucial do programa é o envolvimento de uma líder feminina que convence os residentes, lida com as autoridades da autarquia e supervisiona as obras de melhoria. A organização não governamental Mahila Housing Trust treinou as mulheres para serem líderes da comunidade numa dezena de cidades do pais, incluindo mais de 60 em Ahmedabad.

"As mulheres são responsáveis pelas necessidades básicas da família e a maioria também trabalha em casa enquanto os maridos estão fora, por isso a falta de água canalizada ou de uma sanita afeta-as mais", disse Bharati Bhonsale, gerente de programas na Mahila Housing Trust. "Mas tradicionalmente têm tido pouca influência em relação a decisões políticas e governo local. Treinamo-las em educação cívica, melhorar a comunicação e capacidade de negociação e ensinamo-las a serem líderes da comunidade", contou esta responsável.

Cerca de 65 milhões de pessoas vivem nos bairros de lata indianos, segundo dados oficiais, que os ativistas consideram, contudo, ser uma estimativa por baixo. O número está a subir rapidamente à medida que milhares de migrantes deixam as suas aldeias para procurar melhores oportunidades nas zonas urbanas. Muitos acabam nos bairros de lata superlotados, sem quaisquer serviços básicos ou direito à terra em que erguem as suas casas. Contudo, os habitantes dos bairros de lata há muito se opõem aos esforços das autoridades para os transferirem para subúrbios distantes que lhes limitam o acesso aos seus empregos. Em vez disso, preferem a melhoria dos seus bairros ou a sua remodelação.

No início de agosto, responsáveis do estado de Odisha, no Leste, disseram que vão dar o direito à terra aos habitantes dos bairros de lata em pequenas cidades e direitos de propriedade aos das grandes cidades, num passo "histórico" que vai beneficiar dezenas de milhares de pessoas.

Como Jadibanagar, no estado de Gujarate, está situada em terras privadas não é elegível para o plano de redesenvolvimento da cidade. "Estas casas são todas ilegais, mas isso não significa que as pessoas não possam viver decentemente", disse Bhonsale. "Com o redesenvolvimento há demolição e mudanças e isso pode demorar mais tempo a convencer as pessoas, com os homens a serem aqueles que normalmente tomam a decisão. Mas, com as melhorias, são as mulheres que tomam a decisão muito rapidamente sozinhas", acrescentou.
De baixo para cima

Noutro lugar, na colónia de restabelecimento do bairro de lata Savda Ghevra, em Deli, onde vivem cerca de 30 mil pessoas, a organização não governamental Marg ensinou as mulheres a exigir os seus direitos legais a água, saneamento e transporte. Um grupo de mulheres pôs depois em andamento petições pelo direito à informação, para melhorar o seu acesso a água potável, autocarros e saneamento.

"As mulheres carregam o peso de não ter estas condições e por isso estão mais motivadas para fazer algo que altere a situação", indicou Anju Talukdar, diretora da Marg. "As líderes são aquelas que vêm às reuniões, que estão envolvidas e desejosas de saber como usar a lei para melhorar as suas vidas", disse à Thomson Reuters Foundation.

Contrariamente à perceção de que os bairros de lata são governados por pequenos criminosos que resistem aos esforços de redesenvolvimento ou melhoria, as mulheres líderes em Jadibanagar e Savda Ghevra estão ativamente envolvidas em melhorar a vida de toda a gente.

Estas líderes surgem muitas vezes de um processo de baixo para cima, com reputação de conseguir que as coisas sejam feitas - em particular, resistindo a despejos e garantindo serviços básicos, segundo a pesquisa de Adam Auerbach, na Universidade Americana, e Tariq Thachil, na Universidade Vanderbilt. "Elas são meras residentes, vivendo com as suas famílias e enfrentando as mesmas vulnerabilidade e riscos que os seus vizinhos. Elas também querem estradas pavimentadas, água potável e saneamento, e escolas para as crianças", acrescentaram.

As mulheres líderes, apesar de ainda serem uma minoria, são "raramente marionetas" que servem os líderes masculinos, sendo tão "ativas e assertivas e tendo a mesma autoridade local que os seus homólogos masculinos".

Rasid em Jadibanagar, cujos dois filhos e respetivas famílias vivem em casas vizinhas à sua, tem a certeza de que a sua liderança ajudou os residentes a melhorar as suas casas e vidas. "Toda a gente quer segurança e casas melhores e estão dispostos a pagar. Alguém tinha de garanti-lo", afirmou. "Sou iliterada, não consigo ler, mas sei falar com os responsáveis e o construtor e dizer-lhes o que queremos, e garantir que eles cumprem", concluiu.
Jornalista da Reuters