Helena Tecedeiro, in Diário de Notícias
Em Lisboa para participar na conferência Em Que Pé Está a Igualdade?, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no Teatro Nacional de São Carlos, Branko Milanovic falou da China e da Índia. O economista sérvio-americano desvalorizou impacto de Donald Trump no sistema americano e explicou que Emmanuel Macron está a tentar combater o populismo causado pelo neoliberalismo com mais neoliberalismo.
A China está a abrandar. Podemos esperar que continue a ser a locomotiva da economia mundial?
A taxa de crescimento da China costumava andar nos dois dígitos, depois passou para 8% e agora anda nos 6,5%. Mesmo assim é um nível de crescimento muito elevado. Sobretudo quando os países ricos baixam as expectativas, considerando taxas de crescimento de 1,5% ou 2% satisfatórias. A longo prazo, à medida que se aproxima da fronteira tecnológica, a China vai deixar de crescer ao ritmo a que cresce agora. Mas não estou preocupado. E mesmo que a China já não seja uma locomotiva tão boa, temos países como Índia, Indonésia, Vietname, até a Birmânia mais recentemente, e países em África, como a Etiópia, que estão a crescer muito rapidamente.
A China é uma sociedade capitalista com um regime comunista. Esta contradição pode ser um problema?
Devíamos esquecer a forma como os partidos se chamam. O que temos na China é uma economia capitalista com um sistema de partido único. Nesse sentido, a China representa um potencial parceiro para as sociedades ocidentais - democracias liberais e multipartidárias - por serem ambas capitalistas. E se olharmos para a percentagem do produto interno bruto (PIB) produzida pelo setor privado ou para a percentagem de empregos privados, é de 60% ou 70%.
O aprofundar das desigualdades é o maior desafio para o governo chinês?
É um desafio por várias razões. Em primeiro lugar, a China é geograficamente muito desigual. Tem as províncias costeiras com as grandes cidades, como Xangai ou Pequim, que se estão a dar muito bem. E tem as áreas rurais. Se olharmos para a distribuição de riqueza na China em termos globais, há pessoas nas zonas rurais que estão no fundo da tabela. A China, um pouco como o Brasil, cobre a totalidade da distribuição de riqueza - dos mais pobres que vivem no que o Banco Mundial define como pobreza absoluta aos bilionários na lista da Forbes. Deixando de parte chamar-se comunista, o partido no poder tem preocupações de justiça social. A campanha anticorrupção que lançaram está ligada à conclusão de que as desigualdades e a corrupção podem minar a legitimidade do partido.
Falava da Índia. Uma população mais jovem será segredo para o seu sucesso?
A Índia está a crescer em termos populacionais mais rapidamente do que a China. Irá ultrapassá-la dentro de dez anos, talvez menos. Estou bastante otimista em relação à Índia, até porque tem um número crescente de jovens educados. Também tem a vantagem da língua inglesa, que não sendo falada por todos é falada por uns 200 milhões de pessoas. E é uma democracia. Está permanentemente num alto nível de instabilidade, mas, graças à democracia, é uma instabilidade que tem sido gerida desde a sua fundação, há 70 anos. O perigo agora é que a coabitação entre hindus e muçulmanos se deteriore.
Perante os emergentes, Trump terá de lutar para tornar a América grande outra vez ou basta gerir a vantagem?
Ninguém sabe o que ele vai fazer. Acho que nem ele sabe. Além disso, temos de ver se ele e a administração chegam ao fim do mandato... pode haver um impeachment. O que é mais interessante é o tipo de sistema que permitiu a Trump chegar ao poder. Ele aparece devido a uma grande insatisfação entre os americanos - com os níveis de rendimento, a falta de emprego, a falta de oportunidades, o sentimento de que tinham sido abandonados pelos políticos de ambos os partidos. É mais interessante perceber quais as forças que o trouxeram ao poder do que o que ele vai fazer. Não acredito que ele tenha efeito a longo prazo no sistema americano.
Podemos dizer que foi um falhanço da administração anterior que trouxe Trump ao poder?
Não é só um resultado da última administração, mas sim das últimas administrações. Foram 20 e tal anos de políticas neoliberais. E enquanto a percentagem de pessoas insatisfeitas era relativamente pequena, as elites liberais não lhes prestaram atenção.
O protecionismo defendido por Trump pode prejudicar a economia americana e reforçar desigualdades?
Sim, mas não acredito que vá acontecer. O NAFTA [acordo de comércio livre entre EUA, México e Canadá] está a ser renegociado, mas o sistema construído nos últimos 70 anos não será refeito. E como se viu com a NATO, Trump diz uma coisa e faz outra. Vai ser um presidente populista que na verdade é um plutocrata.
A insatisfação, as desigualdades também existem na Europa e estão a alimentar movimentos populistas. Os líderes europeus têm de lidar com isto?
Na Europa a perceção desse fenómeno é bastante forte. Primeiro foi o brexit, depois [Marine] Le Pen e agora a AfD na Alemanha. Se olharmos para a alternativa proposta por Macron, tem logo problemas a nível interno em França - há uma enorme oposição às suas políticas, de facto, neoliberais. É interessante que este problema tenha sido originado pelo neoliberalismo e que agora Macron se proponha salvar a França do populismo com mais neoliberalismo. Esse neoliberalismo seria equilibrado por uma UE mais forte. Mas isso parece pouco provável depois das eleições alemãs. Todos sabem que é um problema, não sei se há muito a fazer. Olhemos para os grandes países: a Alemanha tem a extrema-direita pela primeira vez no Parlamento na história recente; a França tem um problema com a mudança das leis laborais; o Reino Unido está ocupado com o brexit; a Polónia tem um governo nacionalista/populista e a Espanha está ocupada com a Catalunha. Não vamos resolver os problemas da UE quando os países têm os seus próprios problemas.
Portugal sofreu muito com a crise financeira. O que acha da opção da Europa pela austeridade?
Não sou macroeconomista, mas quando olhamos para a Grécia, era uma questão de matemática. O rácio de dívida em relação ao PIB é mais alto do que no início da crise e vai ficar ainda mais alto. É claro que, a menos que a dívida fosse perdoada ou tornada mais leve através de uma restruturação extravagante, a Grécia não ia conseguir sair do buraco onde estava. E de onde ainda não saiu. Para a Grécia, estas políticas foram claramente erradas. Mas para outros países funcionou. Portugal é muitas vezes dado como bom exemplo por ter aplicado medidas de austeridade e agora estar a sair dela. A Espanha também. Em certos casos, estas políticas de austeridade funcionaram. Mas há casos extremos, como o da Grécia, em que é difícil ver como poderiam ter resultado.