23.3.18

Há cada vez mais democracias a deixar de ser livres

Maria João Guimarães, in Público on-line

Relatório da Fundação Bertelsmann aponta para deterioração da situação política em "antigos faróis da democratização como o Brasil, Polónia e Turquia".

As restrições a liberdades democráticas nos últimos anos fizeram não só com que o número de autocracias no mundo aumentasse mas, mais preocupante, que um número crescente de democracias esteja também a cortar direitos civis e prejudicar o Estado de Direito – esta é uma das conclusões de um estudo da Fundação Bertelsmann.

Este relatório, publicado nesta quinta-feira, traça um retrato sobretudo de deterioração – da qualidade da democracia, da economia, e da capacidade ou vontade de controlo de tensões internas através de diálogo pelos Governos de dezenas de países.

No chamado “Índice de Transformação” da Fundação, que desde 2006 analisa os desenvolvimentos políticos e económicos em 129 países “em desenvolvimento e transformação”, nota-se que cada vez há mais pessoas a viver em ambientes mais desiguais: nos últimos dez anos, a proporção de países que conseguiram um nível bom ou moderado de inclusão social diminuiu de um terço para um quarto.

Ao mesmo tempo, também há mais pessoas a viver sob regimes repressivos: da população mundial total, 3,3 mil milhões de pessoas vivem em autocracias, contra 4,2 mil milhões em democracias – o maior número de pessoas a viver em regimes autocráticos desde que o estudo começou, há 12 anos.

Mas a fundação com sede em Gütersloh, na Alemanha, diz que “mais problemático é o facto de os direitos civis estarem a ser diminuídos e o Estado de Direito enfraquecido num número cada vez maior de democracias”, incluindo “antigos faróis da democratização como o Brasil, Polónia e Turquia, que estão entre os que mais caíram no Índice de Transformação”.

Falta de diálogo
Entre os países com deterioração significativa da situação política estão cinco que “já não cumprem critérios mínimos de democracia”: Moçambique, Bangladesh, Líbano, Nicarágua e Uganda. O relatório aponta para uma “deterioração gradual na qualidade da democracia durante vários anos”, mas também diz que “muitas vezes, falhas na qualidade das eleições foram o suficiente” para uma alteração substancial.

Uma das razões que mais contribuiu para a degradação política é a incapacidade ou falta de vontade dos Governos lidarem com conflitos sociais através do diálogo, diz o relatório. Este foi o indicador que mais desceu nos últimos 12 anos, com um decréscimo em 57 Estados, e uma queda notória na Turquia e no Burundi. Pior, alguns exploram deliberadamente os conflitos sociais – é o caso da maioria dos governos de países árabes como o Bahrein ou a Líbia.

A relação entre a situação económica e política também é referida no relatório. Apesar de um exemplo de bom desempenho de uma autocracia, a Chin– cuja economia foi a que mais aumentou em relação à economia global – é uma excepção, sublinham os autores. Outros países como a Rússia, Tailândia e Venezuela contribuem para o mau resultado das autocracias como um todo.

“O BTI [Índice de Transformação da Bertelsmann] mostra claramente que os sistemas anti-democráticos não são mais estáveis nem mais eficientes”, diz Aart de Geus, o presidente da Fundação, comentando os resultados num comunicado de imprensa.

O estudo vê ainda o fraco desenvolvimento sócio-económico como um dos maiores obstáculos a um desenvolvimento em direcção à democracia e sustentabilidade económica.

A performance económica global piorou significativamente nos últimos dez anos, diz o relatório: indicadores macroeconómicos caíram em 71 países e aumentaram em apenas 17.

Várias ditaduras com economias de mercado enfrentaram dificuldades, da Malásia ao Qatar, de Singapura aos Emirados Árabes Unidos, e várias democracias também, em especial o Brasil, Hungria, México, Nigéria, África do Sul, e Turquia. “Também se dá o caso”, notam os autores, “de [estes] serem todos países objecto de muito má gestão e erosão da qualidade da democracia”.