Samuel Silva, in Público on-line
Investigador da Universidade do Porto diz que não existem estruturas capazes de garantir o sucesso académico e a integração destes alunos. São também apontados problemas na relação com os professores.
Cursos anunciados em inglês, mas que são ministrados em português; falta de estruturas formais às quais os alunos possam recorrer em caso de necessidade; ou uma cultura docente que não tem em conta a crescente multiculturalidade das turmas. São problemas como estes que levam o investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) Cosmin Nada a afirmar que as universidades nacionais “ainda não estão preparadas” para acolher o número crescente de estudantes estrangeiros que as têm procurado.
Estas conclusões são expostas na sua tese de doutoramento, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e defendida recentemente na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. A tese é o resultado de quatro anos de investigação com base em “narrativas biográficas” construídas ao longo de várias conversas com 12 estudantes migrantes em Portugal que frequentaram as universidades de Lisboa, Porto, Coimbra e Minho.
Cosmin Nada diz que as universidades não disponibilizam “estruturas capazes de garantir o sucesso académico” dos estudantes internacionais e falham também na hora de os apoiar a resolver outros problemas que geralmente surgem fora do contexto académico. A generalidade das instituições tem gabinetes de relações internacionais que estão exclusivamente centrados em dar apoio a alunos que chegam no âmbito de programas formais de intercâmbio, como o programa Erasmus. Um estudante estrangeiro que chegue a Portugal com o intuito de fazer todo o curso no país ou um estrangeiro aqui residente que ingresse no ensino superior não tem o mesmo tipo de acompanhamento.
Esta é uma distinção importante na investigação que deu origem ao doutoramento de Cosmin Nada. Os estudantes em mobilidade — que têm um vínculo institucional no seu país de origem e vêm para Portugal por períodos determinados, como os de Erasmus — têm características distintas do que designa por estudantes migrantes, que estão inscritos directamente nas instituições nacionais para aqui fazerem toda a formação.
É entre os estudantes migrantes que se encontram “os maiores problemas”, defende o investigador. Estes alunos ficam numa espécie de “zona cinzenta” quando precisam de estabelecer uma “ponte cultural” para resolver problemas de acesso à habitação ou à saúde, por exemplo. “Se vão ao gabinete de relações internacionais, dizem-lhe que só lidam com alunos em mobilidade. Só lhes resta falar com a secretaria ou os Serviços Académicos, que não têm essa função. Ou um professor, se este for amável”, conta Cosmin Nada.
A actuação dos docentes é outro problema detectado pelo investigador da Universidade do Porto, reportando a “existência de atitudes inadequadas perante estudantes internacionais por parte dos professores”. Estes nem sempre são capazes de reconhecer “a diversidade cultural dentro da sua sala de aula” e alguns até demonstram “comportamentos discriminatórios baseados em preconceitos relacionados com a etnia ou o país de origem”, expõe.
O número de estrangeiros a estudar no ensino superior em Portugal tem vindo a aumentar. Depois de, no ano lectivo de 2015/2016, se terem matriculado cerca de 38 mil, no ano seguinte o número subiu para 42.500, o dobro do registado no início da década.
Salve-se quem puder
Apesar deste crescimento na procura de estudantes estrangeiros, “as universidades portuguesas ainda não estão à altura do que é esperado em relação à integração”, defende Cosmin Nada. “Há um discurso sobre a internacionalização”, reconhece, mas a prática é de uma integração “numa lógica de ‘salve-se quem puder’”.
Na sua investigação, Cosmin Nada identificou também algum “laxismo” das universidades em admitirem estudantes internacionais para um determinado programa “sem testar os seus conhecimentos de língua portuguesa”. E dá mesmo exemplos de alunos que foram atraídos para Portugal com a garantia de que o curso que iriam frequentar teria todas as aulas ministradas em Inglês. À chegada, depararam-se com aulas em Português, uma língua que não dominavam. Noutros casos, os estudantes foram atraídos com base em “expectativas irrealistas” quanto à facilidade de aprender o Português, que depois não são cumpridas causando dificuldades acrescidas.
E isto, argumenta, é contrário à aposta na internacionalização que o sector tem feito nos últimos anos. “Estudantes migrantes mais satisfeitos vão falar bem da sua experiência e vão recomendar Portugal aos seus amigos, familiares e em diversas plataformas”, sublinha. “O reverso também é verdade: “estudantes migrantes menos ou nada satisfeitos, não recomendarão Portugal e diminuirão, a longo prazo, a sua atractividade no mercado global da educação internacional”.
A investigação aponta também potenciais soluções para que as universidades ultrapassem estas limitações como por exemplo a criação de gabinetes específicos dedicados ao apoio e integração de estudantes estrangeiros e acções sensibilização dirigidas não só ao pessoal não docente que interage mais directamente com estes alunos, mas também aos professores sobre questões de diversidade cultural em contextos educativos.
Cosmin Nada propõe ainda que as instituições de ensino superior criem uma estratégia institucional coerente que evite o surgimento de regras confusas ou mesmo contraditórias e que evite colocar os estudantes estrangeiros em situações de vulnerabilidade e exclusão e sejam capazes de promover o contacto intercultural, nomeadamente entre estudantes nacionais e estrangeiros.