Olímpia Mairos, in RR
Com três atos eleitorais à vista, a Renascença leva o microfone à gente simples de uma aldeia pequena com janelas escancaradas para o país e portas abertas para o mundo. “Há alguns homens a sério, mas são poucos”, ouve-se.
“Há também políticos que não aprendem”, diz Emília Costa, de 62 anos. “Resolvem as desgraças com subsídios, com abraços, com mágoa, mas, no fundo, no fundo, nós precisávamos que fossem mais atentos e que se evitassem essas coisas”, porque “um Portugal pequenino é fácil de governar”.
Emília é uma das habitantes de Tresminas, uma aldeia do concelho de Vila Pouca de Aguiar, terra do ouro descoberto e explorado durante séculos pelos Romanos, que ali construíram o maior complexo mineiro da Europa.
Terra fria em plena serra da Padrela, Tresminas oferece uma paisagem de encher o olho e um casario que segue a traça tradicional da região em pedra granítica e xisto.
Aqui vivem atualmente 24 pessoas, gente de fibra e valores, que sabe bem receber e não tem medo de desafios. E tanto assim é que ninguém se fez rogado em dizer o país e o mundo ao microfone da Renascença.
Sobre o estado do país, Sérgio Costa, de 78 anos, agricultor, diz que “nem está bem nem está mal. Está uma porcaria, à conta dos partidários”. Já Lurdes Macedo, de 60 anos, entende que “anda tudo muito torto para um lado e para o outro. Uns puxam para um lado, outros puxam para o outro e as coisas não estão como deve ser.”
“Este país… prometem quando é nas campanhas, prometem muita coisa, fazem isto, fazem aquilo e, depois, no fim, não fazem como prometem, como dizem”, atira Manuel Magalhães, de 56 anos, resineiro de profissão.
Ao lado está Olivério Sanches de 85 anos, e com toda a naturalidade responde que, “segundo diz o primeiro-ministro, isto está uma maravilha”. Mas, ele entende que não é bem assim, “porque tem os professores, tem essa malta toda que têm direito e não veem nada. No orçamento do ano passado pôs que tinha verba para resolver o problema, mas não resolveu e continua a não resolver”.
E os políticos? A política?
“Os políticos são os maiores aldrabões, cá em Portugal. Em Portugal e em todos os lados”, afirma Sérgio Costa. Olivério Sanches entende que os políticos, “se prometem, têm que cumprir e precisam de se dedicar mais ao trabalho que fazem, porque alguns estão a dormir na Assembleia”.
Emília Costa, a professora reformada de 62 anos, afirma que “a política tem muito valor, mas é suja. E precisava de deixar de ser”.
E servindo-se de uma alegoria explica que “as nossas casas, as pessoas tinham complexos de estarem sujas, porque tinham ciscos, porque tinham ramos para acender as fogueiras. Mas não, aquilo era fruto da época, fruto do tempo. E agora, com tudo limpo, há o todo que não está perfeito. Porquê? Porque os políticos fazem tudo muito bem, mas as inspeções têm que existir, infelizmente não vão a tempo. As desgraças acontecem e é isso que tinha que se evitar. Grandes políticos afastam desastres e em Portugal não se têm afastado os desastres. Eles têm sido contínuos, asneira atrás de asneira. E mesmo morrendo as pessoas, eles não aprendem”.
Lurdes Macedo nota que “há alguns homens a sério, mas são poucos. E mulheres, também. Depois, uns cortam as pernas aos outros. Mesmo que sejam bons e que saibam o que hão de fazer, depois, os outros cortam-lhe as pernas, porque eles não conseguem andar”.
E António Teixeira, presidente da Junta de Freguesia de Tresminas, que afinal também é político, defende que a política deve assentar na ética.
E servindo-se de um ‘post’ que viu nas redes sociais exemplifica: “Vi que um homem era medido por zeros. Então, dizia lá o senhor árabe que o homem vale 1 ponto, se tiver ética. Vale um 1. E depois vamos somar: pomos-lhe um zero, se for inteligente, um zero, se for esperto, um zero, se for bonito… Mas, se lhe tirarmos o 1, que é a ética, ficamos sem nada, ficamos com três zeros. Vamos ficar todos a torcer, para que os políticos sejam escolhidos com este 1”.
Futurando para dentro…
Apesar de as eleições legislativas estarem à porta, Lurdes Macedo acha que “não vão conseguir renovar as coisas como Portugal merecia, como nós precisamos”, porque “há muita corrupção, há outras coisas também e não conseguimos ir a lado nenhum, enquanto não houver homens sérios, honestos”.
“Eu julgo que não vai mudar nada. A coisa vai continuar da mesma maneira”, atalha Olivério Sanches.
António Teixeira frisa que “vamos ter que decidir e seja o que o povo quiser”, mas alerta que “muitas vezes não adianta muito andarmos à procura de quem escolher”. Entende, no entanto, que, “se as escolhas forem pautadas pela ética, a pensar no próximo, a pensar no igual, a pensar no país, na nossa pátria, onde nós nascemos…, se for assim, as coisas podem correr bem. É disso que estou à espera, de políticos que pensem num Portugal com um todo e não pensem num Portugal só Porto e Lisboa e se esqueçam do interior”.
“O interior tem coisas muito bonitas para oferecer. Tem gente fantástica. Saem daqui grandes homens, grandes pensadores. As raízes do país, se calhar, não estão no litoral, estão aqui, no interior”, considera o autarca de freguesia.
Também Liliana Alves, de 38 anos, guia do Centro Interpretativo de Tresminas, manifesta “o desejo que se comece a dar mais valor àquilo que é nosso, que se comece a dar mais valor ao interior de Portugal. Precisamos muito disso. E, se as coisas forem mudando aos poucos, acreditamos que, com isso, nos traga mais benefícios, mais pessoas e mais melhorias a todos os níveis. Só assim é que podemos receber ainda melhor os nossos visitantes”.
“É importante que o interior de Portugal seja valorizado também. Somos um país muito pequeno e parece que ele é ainda mais pequeno, porque está concentrado apenas em alguns pontos e era importante alargarmos o raio de ação. Notam-se as grandes diferenças entre o litoral e o interior. Era bom que se começasse a pensar de outra maneira”, sublinha Liliana.
Foto: Olímpia Mairos/RR
Em jeito de recado ao governo que sair das próximas eleições legislativas, Emília Costa apela à valorização do interior e das aldeias, porque “as aldeias são a limpeza das vilas, as vilas são a limpeza das cidades, as cidades as limpezas das metrópoles, as pequenas metrópoles portuguesas a limpeza das grandes as metrópoles da europa e do mundo”.
E Portugal corre o risco de ver regressar a troika?, perguntamos. A resposta surge pela voz de Lídia, que apesar de começar por afirmar que “isso da Troika é assim um bocadinho mais à frente” para os seus conhecimentos, entende que “depende de todos que não volte ao mesmo”.
“Depende do povo. E dos governantes. Mas o povo é também quem tem de ter cuidado e escolher bem. E depois de ter escolhido, exigir, dando exemplos, com manifestações, claro, com o devido respeito. Não vão entrar por essas manifestações que destroem, não é por aí, mas há muita maneira de manifestar com civismo e diplomacia e diálogo”, explica Lídia.
Manuel Pinto diz que “isso não depende só de Portugal. Depende da evolução da economia a nível mundial, principalmente a nível europeu. É um bocado complicado”.
Portas abertas para o mundo
O país não está bem, sente-se em Tresminas, mas o mundo, dizem, não está melhor. E o que mais preocupa quem aqui vive é a onda populista que se espalha pelo mundo e a divisão da europa.
“O Brexit são interesses interiores, lá deles”, afirma Lídia Teixeira, de 54 anos. “Eu sou de opinião que a união faz a força. Não faço ideia porque querem sair. Não faço ideia se prejudica ou não. Políticas e culturas, eu não sei muito dessas coisas. Mas, prejudica sempre. A europa é como uma família. Uma pessoa, quando se afasta, é sempre prejudicial para todos, para quem sai e para quem fica. Isso revê-se depois, no resto do mundo. Menos um membro, mais pobre”.
Esta desempregada olha também para o Brasil de Jair Bolsonaro e afirma que ficou “um bocadinho surpresa por o nosso Presidente ser ‘tããão’ amigo, pelo menos parece, do senhor Presidente eleito do Brasil”.
“Fiquei um bocadinho surpresa, embora não seja assim uma surpresa tão grande, visto que o Brasil é quase como um irmão. Como sou revolucionária e não, vou ficar à espera. Não me vou ficar pelo que dizem. Temos que esperar para ver”, diz.
Manuel Santos, de 70 anos, um filho da terra a residir na Alemanha, afirma que “a senhora Merkel é uma senhora muito reta”, embora considere que “deixou abusar um bocadinho nos refugiados, meteu gente a mais”.
“Mas o país alemão tem capacidade para aguentar essa gente. Os alemães já tinham dificuldades em fazer certos trabalhos. Os estrangeiros, os filhos da Europa, os que estão lá, estudaram, querem emprego como os alemães e não vão fazer limpezas nem jardins nem trabalhar na agricultura. Foi demais, mas foi uma sorte”, remata o emigrante de férias na aldeia.
Com a onda populista que se espalha pelo mundo está preocupado Manuel Pinto, professor, de 61 anos. “Qualquer pessoa que se consiga aperceber do que é o mundo e das evoluções políticas e sociais, vê com preocupação o populismo, porque nós já passamos por ele e sabemos que isto é muito grave”, afirma Manuel, que afasta esta possibilidade para Portugal.
“Nós somos uma democracia e ainda temos muito presente o problema da ditadura e o medo do que pode ser uma ditadura para o país a nível social, a nível económico, a todos os níveis, principalmente a nível social. E a justiça social é extremamente importante”, argumenta.
Também António Teixeira considera que Portugal “não precisa desse tipo de extremos até porque uma casa, quando se bota abaixo, depois demora muito tempo a construir”.
“Nós sabemos o que temos, não me parece que o país caia nesse tipo de tentação. E, se o político deixar de olhar tanto para si, para o seu umbigo, para a sua eira, e pensar mais no próximo, sentir, apalpar os problemas, não precisamos de nenhuma rotura, à espera que aconteça algo de melhor”, conclui.