Maria João Lopes, in Público on-line
Apesar de ver com bons olhos a proposta, o ministro levanta questões sobre a forma como se vai concretizar. BE explica que será feito da mesma forma como já se avalia o impacto da legislação nas questões de género.
Depois da Rede Europeia Anti-pobreza em Portugal, depois do BE e depois do Presidente da República, é a vez de o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, considerar a ideia de se avaliar o impacto da legislação no combate à pobreza como “interessante”. Ainda assim, o governante coloca questões sobre a forma como tal será feito.
"Vejo como interessante a proposta anunciada pela coordenadora do BE, ainda que seja necessário analisar a sua operacionalização, isto é, mais do que a adopção da medida em si, quais os mecanismos técnicos para aferir o impacto das medidas nos referenciais de pobreza. Esta é uma medida que deve ser discutida e analisada pelas várias instâncias governativas e pela Assembleia da República", defende o governante, numa resposta enviada ao
No projecto de lei que o BE deverá entregar, até esta terça-feira, no Parlamento, pode ler-se que “é fundamental aprofundar uma cultura de avaliação, distinguindo esta do simples controlo administrativo-financeiro, tornando-a um processo obrigatório e sistemático, prévio à decisão política, mas também feito durante a execução das medidas, implicando a escuta e a dinamização da participação das pessoas em situação de pobreza”.
A ideia já tinha sido apresentada pela Rede Europeia Anti-Pobreza ao Parlamento e o conceito não é uma novidade a nível internacional: “De acordo com o Manifesto Compromisso para uma Estratégia Nacional de Erradicação da Pobreza, apresentado por esta organização em 2015, e cujo conteúdo foi recentemente reiterado numa sessão realizada no Parlamento em 2018, ‘nenhuma política sectorial deverá ser aprovada sem a prévia avaliação sobre os seus impactos na produção, manutenção ou agravamento da pobreza e da exclusão social’. A este mecanismo tem sido dado o nome, a nível internacional, de poverty proofing”, escrevem os deputados do BE.
De acordo com o mesmo documento, seriam “objecto de avaliação prévia” os “projectos de actos normativos elaborados pela administração central e regional, bem como os projectos e propostas de lei submetidos à Assembleia da República”. Pretende avaliar-se, entre outros aspectos, “os efeitos” no “rendimento disponível” das pessoas e famílias mais expostas à pobreza e exclusão social e no acesso “a bens e serviços essenciais”. Deve ter-se em conta, entre outros parâmetros, a situação de partida; informação estatística; “informação qualitativa”; “previsão dos resultados”; e, se necessário, fazer “propostas de melhoria dos projectos”. Deve identificar-se se os impactos serão “negativos”, “neutros”, “positivos”, ou “transformadores”. A diferença entre positivo e transformador é que, no primeiro caso, contribui para diminuir a pobreza; no segundo, para erradicar.
Esta avaliação prévia poderá ser dispensada, por exemplo, “em casos de urgência”, o que deve ser, no entanto, “expressamente” fundamentado e não dispensará, depois, “a realização de avaliação sucessiva de impacto” – a avaliação sucessiva pode ser pedida a qualquer momento e pode ser feita por “organismos públicos, estabelecimentos de ensino superior ou organizações da sociedade civil”.
No documento, lê-se ainda que “as entidades abrangidas pela presente lei [quem propõe as iniciativas legislativas] devem promover a realização de acções de formação sobre avaliação de impacto sobre a pobreza, nomeadamente através de parcerias com os serviços da administração central responsáveis pela formação, bem como com instituições de ensino superior”.
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O Parlamento já faz uma avaliação no que respeita à igualdade de género. O deputado do BE, José Soeiro, explica que a ideia é adoptar o mesmo processo: os proponentes da iniciativa preenchem um formulário, de acordo com dados públicos existentes ou pedindo mais aos serviços do Parlamento – com perguntas sobre a situação de partida, o objecto e objectivo, ou de que forma beneficia ou prejudica a igualdade de género. “No fundo é obrigar todas as pessoas que legislam a parar e pensar em que é que aquela legislação ajuda ou não à igualdade de género”, explica Soeiro.
Exemplos de medidas que, para o BE, têm diferentes impactos? José Soeiro considera, por exemplo, ter sido negativo “quando se cortou o Complemento Solidário para Idosos”. Já o aumento do “valor de referência do Rendimento Social de Inserção” é positivo, “mas é uma alteração a uma política que já existia e o valor de referência continua abaixo do limiar de pobreza”. Mas “uma lei que assegurasse que todos os cidadãos têm direito a um rendimento acima do limiar da pobreza ou uma política que diga que todas as pessoas sem-abrigo passam a ter habitação garantida, mesmo que fosse num período transitório, seria transformador.”