João Ruela Ribeiro, in Público on-line
O campo na ilha de Lesbos está sobrelotado com cinco mil pessoas a viver num clima de insegurança constante. Há mulheres que preferem dormir com fraldas do que arriscar uma ida à casa de banho de noite.
No campo de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos, o maior do país, quase cinco mil pessoas vivem praticamente sem espaço, sem acesso a cuidados de saúde e num clima de insegurança permanente, revela um relatório publicado esta quarta-feira pela organização humanitária Oxfam. Com a chegada do Inverno e das temperaturas baixas, tudo piora.
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“A situação em Moria está para além dos limites da imaginação”, disse Maria, uma funcionária do Conselho Grego para os Refugiados, citada no relatório. “Tenho visitado o campo desde 2017, e sempre que se pensa que não pode ficar pior fica.”
Os conflitos são frequentes no campo sobrelotado – com capacidade para 3100, em Moria estão quase cinco mil imigrantes e mais dois mil num campo informal nas suas imediações. “Moria é perigoso para as mulheres”, diz Clara, nome fictício de uma camaronesa de 36 anos entrevistada no relatório. “As lutas podem começar a qualquer momento. A qualquer momento podes esperar que te atirem uma pedra à cabeça, mesmo que estejas apenas a dirigir-te para a casa de banho ou para a tua tenda”, conta.
Em casos extremos, algumas mulheres preferem dormir com fraldas do que correr o risco de se deslocarem durante a noite às casas de banho e serem vítimas de violência. Dois terços dos imigrantes do campo de Lesbos dizem nunca se sentir seguros, segundo um estudo citado pelo relatório.
Na terça-feira, um camaronês de 24 anos foi encontrado morto em Moria, e as autoridades estão ainda a tentar apurar as causas da morte. Mas o caso parece estar relacionado com a falta de cuidados de saúde, associado às baixas temperaturas que se têm feito sentir nas ilhas gregas.
Presos na ilha
No ano passado, havia apenas um médico responsável por fazer diagnósticos a todos os imigrantes que chegavam a Lesbos e proceder a uma triagem. Em Novembro, apresentou a demissão e desde então a identificação de pessoas em situação de vulnerabilidade praticamente não é feita.
“Pessoas vulneráveis, incluindo sobreviventes de tortura e de violência sexual, são abrigadas em áreas inseguras. Mulheres grávidas e mães com recém-nascidos são deixadas a dormir em tendas, e crianças desacompanhadas, erradamente registadas como adultos, são colocadas em detenção”, descreve a Oxfam.
À falta de cuidados acresce a proibição, imposta pelo acordo entre a União Europeia e a Turquia, de os imigrantes poderem sair da ilha onde se encontram até que o seu pedido de asilo seja processado – muitos terão a primeira entrevista apenas em 2020. Mesmo entre as pessoas vulneráveis, que teriam autorização para se deslocar ao continente para ter acesso a cuidados de saúde, há vários casos de demoras.
Quentin, nome fictício de um costa-marfinense de 31 anos, diz estar quase cego do olho esquerd, e tem problemas nos rins e no joelho. Há cinco meses foi-lhe concedida autorização para ser transferido para Atenas por causa da sua condição clínica, mas permanece em Moria.
Existem apenas oito estruturas grandes, semelhantes a contentores, que abrigam cem pessoas cada. A maioria dos imigrantes está distribuída por tendas de campismo ou abrigos improvisados, ambos muito frágeis face à chuva e ao frio. Os meses de Inverno são frios e chuvosos, piorando ainda mais as já precárias condições de vida em Lesbos.
“Tudo fica molhado: roupas, lençóis, as poucas coisas que as pessoas têm. É assim que eles dormem de noite: debaixo de lençóis molhados e numa tenda que pode desfazer-se a qualquer momento”, diz a responsável do Centro Bashira para mulheres imigrantes, Sonia Andreu.
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O relatório aponta o dedo ao Governo grego pelas más condições no campo de Lesbos, mas também aos restantes Estados-membros da UE por não aceitarem partilhar responsabilidades com Atenas para receberem requerentes de asilo.
“As autoridades locais e os grupos humanitários têm feito esforços para melhorar as condições em locais como Lesbos. Infelizmente, isto torna-se quase impossível por causa das políticas apoiadas pelo Governo grego e pela UE que mantêm as pessoas aprisionadas nas ilhas por períodos indefinidos”, disse a chefe de missão da Oxfam na Grécia, Renata Rendón.