Patrícia Reis, in Sapo.pt
Portugal é um país muito estimável, adjectivo que roubo ao vocabulário usado habitualmente por um grande amigo, mas tem memória curta e não sabe debater ou mobilizar-se no tempo.
As notícias surgem, as pessoas insurgem-se, torna-se o tema do dia nas diferentes redes sociais e, depois, seguimos para a próxima notícia que nos choca, perturba, nos injúria ou algo desse género. Andamos, assim, saltitando de nova em nova, de potencial revolta em potencial revolta cheia de considerações escritas ou faladas que duram menos de 24 horas e não acompanhamos. Não fazemos o designado follow-up, para empregar um estrangeirismo muito válido nas questões médicas e totalmente ignorado nas questões políticas, económicas, culturais e por aí fora.
Ora, na semana passada, num dos dias da semana, o debate público era sobre o grande escândalo do chumbo da proposta de lei do Bloco de Esquerda que pretende apenas cumprir com a Convenção de Istambul, convenção cujo objectivo é o de promover a proteção das crianças no mundo. A dita convenção assume que as crianças são vítimas de violência mesmo quando são espectadoras de violência e não as agredidas directamente. Como vítimas são também testemunhas.
O Parlamento Português, entretido com as politiquices do costume em vésperas de eleições, chumbou a proposta e ao Bloco de Esquerda juntou-se apenas o Partido Social Democrata que concordou que as crianças são vítimas, assim como o são as pessoas de idade. Os restantes partidos, tenham ou não inspiração religiosa, tenham ou não discursos acesos sobre Direitos Humanos, fizeram um manguito à proposta, desculpem a expressão, e seguiram em frente. Porquê? Não vos sei responder. Quando li a notícia do chumbo, optei por ir recolhendo opiniões e aquela que mais me chocou é esta: “Não percebes, porquê, Patrícia? É o fim da legislatura e a política à portuguesa faz-se assim: abstenho-me ou chumbo se não tiver sido ideia minha porque não vou dar essa vitória ao partido que não é o meu. Assim se explica, Patrícia, que se tenham abstido no caso do louvor ao Zeca Afonso, estás a ver?” Não, não estou a ver. Lamento, mas não estou mesmo a entender. São crianças, senhores, crianças num mundo no qual o feminicídio existe e é, em Portugal, praticado no seio da família e aí, senhores, existem crianças, crianças que são, obviamente, vítimas, podem não ser eleitores na próxima legislatura, mas são claramente vítimas.