29.3.21

Portugal. Relatórios europeus alertam para discriminação contra comunidade cigana

João Campos Rodrigues, in i On-line

As condições de habitação em que vive a comunidade cigana viola tratados internacionais, diz o Conselho da Europa. O retrato é de um país com avanços nos direitos humanos, mas demasiado lentos.

Os mais recentes relatórios do Conselho da Europa traça um retrato negativo de Portugal, enquanto país que nunca desconstruíu o seu passado colonial, onde grande parte da comunidade cigana é mantida em “condições de habitação que não cumprem os padrões mínimos”, apesar de esforços em contrário, onde se saudam as medidas pela igualdade de género, ainda que os níveis de violência contra as mulheres se mantenham “alarmantemente elevados”.

Para Prudêncio Canhoto, a extensão da discriminação sofrida pelos ciganos portuguesa denunciada pelo relatório não é surpresa. “Vejo muita coisa, oiço muita coisa”, garante ao i o presidente da Associação dos Mediadores Ciganos de Portugal (AMEC), que participou na queixa coletiva que resultou no parecer do Conselho da Europa, que considerou que o Governo português está em violação da Carta Social Europeia.

“Isto são tudo problemas que a comunidade já identificara na altura da queixa, em 2011”, concorda Henrik Kristensen, membro do Comité Europeu dos Direitos Sociais, que elaborou o relatório. “E, apesar de algumas medidas tomadas pelo Governo português, o problema não foi resolvido até hoje”.

Aliás, o próprio Governo admitiu que, dentro da comunidade de 24 mil a 50 mil ciganos portugueses – o Conselho da Europa nota, com alguma estranheza, que as políticas públicas contra o racismo têm ser feitas com base em estimativas de investigadores, dado ainda não se recolher dados étnico-raciais em Portugal – 37% vivem em barracas.

“Muitas pessoas pertencentes às comunidades ciganas continuam a ser sujeitas a descriminação direta e indireta, continuam viver à margem da sociedade”, continuava o relatório do Conselho da Europa. “Muitas vezes em muito más condições, com menor esperança média de vida que o resto da população, com piores taxas de inscrição escolar, em particular no que toca a raparigas ciganas, e taxas de desemprego elevadas”.

Todos esses fatores estão relacionados, assegura Canhoto. “Neste momento, temos bairros de lata, bairros de lona, acampamentos sem condições algumas, que geram ainda mais discriminação”, considera o dirigente cigano. “Quem é que dá emprego a uma pessoa que vive num acampamento? E isso também afeta os miúdos na escola”.

Como se lê no relatório do Conselho da Europa, muitas famílias ciganas foram colocadas em habitações sociais fora dos centros urbanos, causando “segregação espacial” e “reforçando o estigma contra os ciganos entre a população local”. Sendo que, como muitas crianças são matriculadas na escola mais próxima, isso “levou à criação de ‘escolas ciganas’ na prática”.

Esse estigma, que tem séculos de história, é uma bola de neve, alerta Canhoto. “O cigano ao sentir isso na pele revolta-se, fecha-se, isola-se. E isso é um grande problema”, lamenta o mediador, que teve como profissão mediar conflitos numa escola em Beja, manter a cabeça fria quando famílias ciganas estavam prestes a perder a cabeça com a escola, e vice-versa. “Se formos amigos, e eu me fecho, você também se fecha”, exemplifica Canhoto. “Mas se eu me abro, você também se abre. Tem é que haver diálogo”.

Ainda assim, o Conselho da Europa não deixa de reconhecer alguns avanços da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, até aos programas de habitação como o 1.º Direito. “Este é um problema extremamente difícil, é algo que não afeta apenas Portugal, mas também muitos Estados membros do Conselho da Europa”, salienta Kristensen. “O processo de o resolver o assunto é demorado, não algo que acontece de um dia para o outro“.

O mito da excecionalidade A ideia de Portugal como uma excepção no mundo, não como um país com problemas graves de racismo, como tantos outros, tornou-se ponto de disputa política nos últimos tempos – das marchas do Chega, de André Ventura, a gritar que “Portugal não é um país racista”, às declarações no mesmo sentido do líder do PSD, Rui Rio.

Talvez seja uma discussão de semântica, entre “ser um país com racismo” e ser “ser um país racista”. Mas, para quem tem de enfrentar essa realidade todos os dias, numa altura em que as queixas por descriminação racial aumentaram 50%, passando para 655 em 2020, essa é uma frustração permanente.

“Se um cigano do Porto faz mal a alguém, vou pagar eu que estou em Beja?”, desabafa o presidente da AMEC. “O que dizem é que foram ‘os ciganos’. Eu não faço mal a ninguém, mas sinto muita descriminação”, lamenta. “E quando me conhecem melhor, sabe o dizem? ‘Você já não é cigano’. Dizem que sou diferente”, revolta-se Canhoto. “Por ser diferente não sou cigano? Ei de ser cigano até morrer”.

Que o mito do “país de brandos costumes” não bata certo não é propriamente algo novo. A expressão, que já vem do séc. XIX, foi reaproveitada pelo Estado Novo, para “explicar que a colonização portuguesa nada tinha a ver com as suas congéneres europeias, tendo sido mais ‘branda’ e ‘amiga’ dos povos colonizados”, escreveu Fernando Pereira, professor de Lusofonia e Relações Internacionais na Universidade Lusófona, num artigo científico. O regime salarista queria fazer acreditar que povos colonizados estavam contentes, “não havendo por isso necessidade de lhes dar independência” – mas a história veio demonstrar o contrário.

Contudo, até essa história ficou por repensar, considerou o Conselho da Europa. “São necessários esforços adicionais para Portugal reconhecer violações de direitos humanos passadas”, e, como tal, “confrontar propensões racistas contra pessoas de ascendência africana, herdadas de um passado colonial e do comércio de escravos”.

A própria secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, reconheceu as falhas apontadas pelo Conselho da Europa.

“São problemas que conhecemos”, explicou Monteiro à agência Lusa, nesta quarta-feira, descrevendo a questão da memória colonial como uma “ferida muito grave que não foi devidamente tratada e que cicatrizou deixada ao tempo”.

Europa deve reforçar compromissos de combate à pobreza e ajuda aos países pobres

in RTP

A Europa deve reforçar os seus compromissos de combate à pobreza e cumprir as metas da ajuda pública aos países pobres para promover uma recuperação "global e justa" no pós-pandemia, defendem as organizações da sociedade civil.

Estas são as principais conclusões de uma reflexão promovida pela Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) no âmbito do Projeto Presidência -- "Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo", financiado pela União Europeia.

A reflexão reúne contributos de 70 organizações da sociedade civil de vários países e servirá de base a um debate "online" sobre as novas tendências e perspetivas da cooperação para o desenvolvimento, que decorre hoje a partir de Lisboa.

"Num momento em que a dificuldade de muitos países em acederem a financiamento se agrava em virtude da pandemia, a UE deve fazer a sua parte para garantir uma recuperação justa a nível global ao cumprir o compromisso em canalizar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) combinado dos Estados-Membros para ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e entre 0,15% e 0,20% para os países menos avançados", refere o documento.

Rita Leote, diretora da plataforma de ONGD, notou, em declarações à agência Lusa, que a tendência dos últimos anos revela "uma estagnação e até a diminuição da ajuda pública ao desenvolvimento", alertando que a pandemia poderá acentuar esta tendência.

"Os países têm os seus orçamentos dedicados em grande parte à resposta às questões internas da pandemia e pode haver essa possibilidade [de redução da ajuda], mas se a resposta não for global todos vamos sofrer", defendeu.

Para esta responsável, a ajuda pública ao desenvolvimento assume particular relevância para os países de baixo rendimento, que não têm tanta capacidade de atração de investimento privado.

"Principalmente neste tempo em que é preciso uma recuperação justa e sustentável da pandemia, é preciso salvaguardar que há países que não têm acesso a financiamento se não for por via da ajuda pública ao desenvolvimento", disse.

Ressalvou, por outro lado, a necessidade de complementar esta ajuda com "outras fontes de financiamento", considerando que a APD "não é suficiente para responder" a todas as necessidades.

"A UE deve reconhecer a importância das diferentes modalidades de financiamento para o desenvolvimento e adotar uma abordagem coerente, integrada e complementar entre cada uma delas, evitando que a aposta na mobilização do setor privado contribua para o desinvestimento em APD", aponta, por seu lado, a reflexão.

O mesmo documento defende políticas europeias "centrada nas pessoas" e "orientadas para dar resposta à crise e às necessidades das populações, de forma a reforçar o compromisso em combater a pobreza e as desigualdades" globais.

"Não divergir daquilo que têm sido as prioridades em termos de cooperação para o desenvolvimento: a luta contra a pobreza e o combate às desigualdades e que isso seja tido em conta no desenho das políticas de cooperação para desenvolvimento", defendeu Rita Leote.

As ONGD defendem ainda a importância e "apostar no desenvolvimento humano e investir em setores chave, como a educação e saúde, de forma a evitar um aprofundamento das desigualdades.

Numa abordagem à nova estratégia UE-África, Rita Leote sublinhou a necessidade de uma parceria que coloque os dois blocos em pé de igualdade.

"As soluções têm que ser construídas conjuntamente pelos atores e não apenas por uns, que estabelecem a agenda e definem as condições em que esta será implementada", disse, defendendo a importância de "reforçar o contributo dos países parceiros", nomeadamente da sociedade civil, para a construção da referida estratégia.

O seminário "Cooperação para o Desenvolvimento: Tendências e Perspetivas" realiza-se no âmbito do Projeto Presidência "Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo", da Plataforma Portuguesa das ONGD, e tem como objetivo reunir um conjunto de especialistas para debaterem o futuro das políticas de cooperação para o desenvolvimento e o papel que a UE neste processo.

 

Portugal continua a violar direito a habitação digna da comunidade cigana, avança Conselho da Europa

in o Observador

Conselho da Europa conclui que Portugal não tomou medidas suficientes para integrar os ciganos e que "persistem condições de habitação precárias para grande parte da comunidade" e segregação.

O Comité Europeu de Direitos Sociais do Conselho da Europa concluiu que Portugal continua a violar o direito a habitação digna da comunidade cigana residente no país, revela um relatório do organismo divulgado esta quarta-feira.

A decisão diz respeito a uma queixa apresentada em 2010 e a fundamentação refere que “persistem condições de habitação precárias para grande parte da comunidade cigana”, a que se junta “o facto de o Governo não ter demonstrado ter tomado medidas suficientes para garantir que a comunidade cigana vive em habitações que cumpram critérios mínimos”.

O comité defende ainda que os programas de realojamento dos municípios levaram muitas vezes a uma “segregação da comunidade cigana”, sendo por vezes “discriminatórios”. O organismo europeu regista ainda uma ausência de uma “abordagem coordenada e abrangente” em Portugal no que se refere a programas de realojamento.

Ainda que reconheça algumas medidas tomadas pelo país para melhorar as condições em que vive a comunidade cigana, nomeadamente através da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, e de programas de habitação como o 1.º Direito, invocadas por Portugal em resposta à queixa, o comité europeu defende que o problema persiste.

Muitas pessoas da comunidade cigana continuam a ser alvo de discriminação direta e indireta e continuam a viver à margem da sociedade, por vezes em condições de habitabilidade muito precárias, apresentando uma esperança média de vida mais baixa do que o resto da população, um menor nível de escolarização e sucesso escolar, sobretudo entre as raparigas, e níveis mais elevados de desemprego”, refere o documento do organismo europeu.

Salienta ainda que o número exato de pessoas de etnia cigana em Portugal é desconhecido e assenta em estimativas, que apontam para uma população entre as 24 mil e as 40 mil pessoas, mas que o comité europeu refuta, considerando que as estimativas entre as 45 mil a 50 mil pessoas são “mais realistas”, por incluírem os “invisíveis”, ou seja, as famílias que não estão referenciadas pelos organismos públicos e aqueles que não têm uma residência fixa.

“O número de ciganos estrangeiros em Portugal é desconhecido, uma vez que não é recolhida qualquer informação oficial a respeito”, refere ainda o organismo do Conselho da Europa.

Sobre as condições de habitabilidade entre a comunidade cigana, o relatório aponta ainda os cerca de 37% de ciganos portugueses a viver em bairros de lata ou acampamentos, que podem ser encontrados em 70 municípios.

Ainda que tenham existido realojamentos ao abrigo da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, há ainda um “número significativo” de famílias ciganas que não beneficiaram destes programas de realojamento, cerca de 20%, aponta o documento, continuando a viver em condições precárias e sujeitas a despejos forçados.

São ainda referidas as preocupações levantadas com a recolocação de famílias em habitação social na sua quase totalidade, “deixando de parte outras alternativas”, tendo a opção por habitações muitas vezes localizadas nas periferias resultado numa “segregação espacial” destas comunidades, “reforçando o estigma” em relação aos ciganos entre as comunidades locais e, “até certo ponto, criando outros problemas sociais”.

As crianças costumam estar todas matriculadas na mesma escola, o que cria uma situação de “escolas ciganas, ‘de facto'” e as habitações costumam estar sobrelotadas, uma vez que as políticas de realojamento não têm em conta a expansão familiar.

Perante isto, o comité europeu, reconhecendo os esforços feitos pelas autoridades portuguesas, defende que Portugal se encontra em situação de não-conformidade, que são necessárias melhorias e que “ainda existem obstáculos” relacionados com a falta de dados quantitativos e qualitativos fiáveis.

De forma genérica, o relatório de conclusões de 2020 do Comité Europeu de Direitos Sociais revela que o organismo adotou 349 conclusões relativamente a 33 Estados europeus, incluindo 152 de não-conformidade, 97 de conformidade e 100 em que não foi tomada qualquer decisão por falta de informação disponível.

O comité destaca a prevalência de situações de pobreza entre pessoas com deficiência, considerando-a “um importante indicador do sucesso ou fracasso” dos esforços dos Estados para as integrar.

Identificou ainda “falhas recorrentes” dos Estados em garantir o acesso a direitos laborais em condições de igualdade, apontando problemas de discriminação no acesso ao emprego, desigualdades de género nos salários e o fracasso em prevenir situações de trabalho forçado ou exploração laboral.

Sobre o contexto atual de pandemia, o comité considera “particularmente relevante” as falhas detetadas na formação e reintegração de desempregados de longa duração.

Vem aí um concurso de jornalismo cidadão para os jovens — já se pode inscrever

Carolina Bico, in New in Setubal

Os participantes só têm de escrever um texto jornalístico e juntar uma fotografia sobre o tema da alimentação sustentável.

Se está atento à realidade que o rodeia e procura respostas para os problemas da sociedade, este concurso é para si. A @ACTUAR — Associação para a Cooperação e Desenvolvimento, em parceria com a Organização FIAN Portugal e a @Rede Europeia Anti-Pobreza EAPN Portugal, lançou o Concurso de Jornalismo Cidadão.

O desafio é destinado a jovens entre os 18 aos 25 anos interessados em temas como sustentabilidade, alimentação, justiça social e direitos humanos. A ideia é que cada participante escreva um texto original de 250 a 500 palavras e junte uma fotografia a cores ou a preto e branco em alta resolução, sob o tema “O que é uma alimentação saudável, justa e sustentável?”.

Todos os trabalhos devem ser submetidos até às 23 horas do dia 25 de abril. Além de enviar a peça jornalística, os concorrentes devem participar numa formação sobre alimentação sustentável, a decorrer entre os dias 3 e 10 de abril.

A iniciativa está integrada no projeto “Por uma Alimentação Saudável, Justa e Sustentável na Europa e no Mundo”, financiado pela Plataforma Portuguesa das ONGD e pela União Europeia. A inscrição é gratuita, mas obrigatória, e já pode ser feita online. Antes de se inscrever é melhor ler o regulamento de participação.

O Concurso tem como objetivos sensibilizar os jovens para os temas da pobreza e diretos humanos, direito à alimentação adequada; criar um espaço para os jovens expressarem o seu ponto de vista nestas matérias e promover a participação ativa dos jovens nos processos de construção de políticas públicas. Para saber mais informações, pode consultar a página de Facebook da Divisão de Juventude da Câmara Municipal de Setúbal.

O envelhecimento

Adriano Moreira, opinião, in DN

Esta situação global de, em todos os povos sem diferença de etnia, cultura ou crença, enfrentarem o ataque da pandemia, levou à necessidade de os poderes políticos, desafiados a reverem a sua relação com o conceito identificador da inesperada circunstância, a redefinir a sua relação com a velhice. Como a conclusão valorativa depende de terem chegado os inesperados cisnes negros, que doutrinou Ortega, a ONU, em perda do período de esperança, a qual abrangia preencher os vazios causados pela mortandade dos combates militares, fez circular a expressão "envelhecimento ativo". Uma expressão que dispensava a limitação pela idade como critério imperativo de ter chegado o fim, mas não dispensável para reconhecer os ainda garantes do tempo, sobretudo, como agora, pela terrível invasão, próxima do indomável, dos cisnes negros.

A desafiante articulação das diferentes circunstâncias, pelo tempo indomável, levou a reconhecer que, de algum modo, "a teoria do envelhecimento ativo", ao articular programas e responsabilidades científicas e políticas, não elimina o risco de uma súbita perda dessa capacidade, com limitada atenção do próprio, o que foi sublinhado pela oportuna intervenção da ONU, lembrando os casos em que os abrangidos continuam capazes de se imaginarem serem autónomos, e como que independentes, sem grandes preocupações físicas. Neste século sem bússola, e sem real capacidade de organizar uma capacidade eficaz contra o ataque em curso, o uso do critério de velhice ativa vai ser perturbado por não ser fácil, ou até possível, a partilha de recursos e afetos, com intervenção da dedicação privada e também de organizações religiosas, mas sem saber enfrentar com êxito pessoal as difíceis novas circunstâncias impostas pela pandemia.

O abalo do sistema legal de defesa da saúde recuperável exige que a incapacidade científica e estadual seja rapidamente corrigida pelas convicções apoiadas, na pregação de Cícero, na pietas como virtude. Tivemos antes desta crise global, mas com exigências graves e diferentes problemáticas, homens como Mandela ou Gandhi, em que o remédio era o perdão e a reconciliação. Um conto de Eça de Queirós, que foi recordado por Carreira das Neves, intitulado "A Perfeição", descreveu Ulisses fatigado pela beatitude com que viveu na ilha Ogígia, nos braços acolhedores da deusa Calipso, usando esta lamentação: "Ó deusa, há oito anos, oito anos terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta, e o sofrimento." Não é igual atitude que, passado o tempo, a velhice causa. Por seu lado, no dizer de John Morris-Jones, "a idade nunca vem só, vem com suspiros e lamentação. Agora com um arriscado despertar. E virá mais tarde com um imenso e profundo receio".

Com a idade a impor-nos a submissão ao ponto final, com o sentimento de quase solidão da sobrevivência que é purgatório, por "sobreviver a todos os que não envelhecem quando envelhecem ao nosso lado, aos com que andámos de companhia na infância, aos vizinhos das aldeias pequenas e da cidade grande, aos parceiros de projetos, de vitórias e de derrotas, aos mestres de exemplos e até de esquecimentos, às vozes encantatórias dos que pregam as utopias, às mãos inspiradas que multiplicam a beleza, num tempo em que outros todos já são apenas pó da terra a que regressaremos, para finalmente nos encontrarmos com o mistério do princípio e do fim. A solidão da sobrevivência, o mais desafiante e doloroso dos tempos, tinha amparo nessa realidade de gerações intemporais em que nos integramos, no balanço final de vida, solidários para a salvação. Acontece que "a idade nunca vem só, mas com suspiros e lamentações"; mas que não venha impedir de ser como os crentes pedem à Senhora da Boa Morte. Infelizmente as circunstâncias, hoje globais, e inovação dos cisnes negros, fazem lembrar o título dos Diálogos com o Mosteiro dos Jerónimos, sobre "cultura, língua, artes, inovação, mar, desenvolvimento, ambiente, economia, terrorismo, sociedade, património, cidadania". Orientado "Entre o mundo que não vivemos e o mundo que não viveremos". A Comissão foi responsabilidade da notável Maria da Glória Garcia.

Infelizmente, as dúvidas, ou melhor certezas, com que vemos piorar o legado que a "geração do envelhecimento" vai deixar "ao mundo em que não viveremos", não lega a melhor maneira de encontrar no mundo, em vigor, o que foram as Utopias da ONU: "Mundo Único" e "terra casa comum dos homens". Entre as dificuldades que nesse colóquio registei, e se agravam, estão visíveis estas: "Enquanto o Ocidente, responsável pela Carta da ONU, aderiu a um conceito geral de Estados democráticos, as heranças de antigas colónias aderiram a um modelo de Estado extrativo, com fronteiras desenhados em geral por acordo ou desacordo dos colonizadores, invocando não o valor do Estado-nação, mas sim o valor que se traduziu no grito "deixem passar o meu povo". Infelizmente o modelo Estado extrativo é o que mais se destaca, designadamente no turbilhão que os especialistas chamaram "guerra em toda a parte".

Solidariedade: Programa «Mais Ajuda» promove novas respostas para os idosos

in Agência Ecclesia

Iniciativa distingue 10 projetos de inovação social

Lisboa, 26 mar 2021 (Ecclesia) – O Programa ‘Mais Ajuda’ vai ajudar em 2021 dez projetos de inovação social, procurando novas respostas aos desafios da população idosa, a nível de combate a solidão e e apoio aos cuidadores.

Os vencedores da segunda edição foram anunciados esta quinta-feira, escolhidos de entre mais de 730 candidaturas recebidas, e vão receber 333 mil euros para projetos de inovação social – de IPSS (ou equiparadas) e de startups (ou empresas de empreendedorismo social).

O programa ‘Mais Ajuda’ junta o Lidl e as Rádios Renascença, RFM e Mega Hits, em parceria com a Beta-i.

A organização informa, em comunicado enviado hoje à Agência ECCLESIA, que o anúncio dos vencedores contou com a participação do Secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, o qual frisou que “o programa Mais Ajuda está totalmente alinhado com o plano de ação do Governo para a transição digital, na medida em que traz respostas a problemas sociais, promove a inclusão e ajuda a combater as desigualdades”.

Os projetos vencedores são a AMARA– Associação pela Dignidade na Vida e na Morte; Associação Rede de Universidades da Terceira Idade ( RUTIS); Centro Social Paroquial de Meãs do Campo – Projeto Quinta dos Avós; Cruz Vermelha Portuguesa – Programa de Apadrinhamento entre jovens e seniores: combate à exclusão digital; e a Misericórdia de Pampilhosa da Serra – Projeto Rádio Sénior.

Já as startups vencedoras foram a Associação 55 Mais – Plataforma humana de base tecnológica com oferta de serviços comunitários; Associação Juvenil Transformers – Projeto Escolas de Superpoderes: dinamização de aulas semanais de diferentes talentos; Careceiver – App: simplificação do processo de partilha de informações vitais entre a rede de cuidadores informais; SeniorBiz Simplio Plataforma digital: acompanhamento/organização de cuidados prestados a idosos por estruturas residenciais; Wisify Tech Solutions – Wisify Tech Solutions Tecnologia digital: avaliação preventiva da Sarcopenia (desnutrição e perda de massa muscular).

O painel de júris responsável pela escolha dos projetos foi composto por Filipe Almeida, presidente da iniciativa Portugal Inovação Social; Isabel Figueiredo, adjunta do presidente do Grupo Renascença Multimédia; Luís de Melo Jerónimo, diretor Social Cohesion Programme da Fundação Calouste Gulbenkian; Pedro Rocha Vieira, CEO e Co-fundador da Beta-i; e Vanessa Romeu, diretora de Comunicação Corporativa do Lidl Portugal.

Para Isabel Figueiredo, esta segunda edição do Programa Mais Ajuda “comprovou, da melhor forma, que o caminho da solidariedade não conhece limites na capacidade de inovação, de cuidado com o próximo, de trazer à comunidade o melhor de si própria”.



OC

Apoio ao desenvolvimento pode recuar "20 anos" com a pandemia

Notícias ao Minuto

O presidente do instituto Camões disse hoje que a pandemia de covid-19 pode provocar um retrocesso de 20 anos no apoio ao desenvolvimento e defendeu a urgência de adaptar a cooperação portuguesa a um cenário "complexo e imprevisível".

"Perante a realidade pandémica, entre 88 milhões e 115 milhões de pessoas serão arrastadas de novo para a pobreza extrema. Estamos perante um possível retrocesso de cerca de 20 anos nos esforços dos parceiros do desenvolvimento", disse João Ribeiro de Almeida.

O presidente da agência pública de cooperação, que falava hoje numa conferência 'online' sobre as novas tendências do apoio ao desenvolvimento, alertou que este cenário torna "praticamente inalcançável" a meta de erradicar a pobreza externa até 2030.

Há estimativas "muito preocupantes" que indicam que, mesmo sem o efeito covid-19 ou com a pandemia a terminar brevemente, cerca de 6,1 por cento da população mundial viverá em pobreza extrema em 2030, citou.

Por isso, defendeu, num contexto em que o apoio ao desenvolvimento está "inevitavelmente" marcado pela covid-19, as respostas e modelos tradicionais de cooperação, já insuficientes antes da pandemia, tornaram-se ainda mais insuficientes para "responder a problemas complexos".

Para João Ribeiro de Almeida, a pandemia colocou em evidência a "urgência de mudanças e reformas nos sistemas de cooperação para o desenvolvimento".

Isto, num cenário em que, aos problemas colocados pelas alterações climáticas, pelas ameaças terroristas ou de segurança e pelas necessidades de sustentabilidade energética e de segurança alimentar, se junta a "necessidade de encontrar uma resposta imediata aos problemas resultantes" da pandemia, na área da saúde, mas também da educação.

Para o diplomata, todos estes desafios "exigem respostas conjuntas e modelos robustos que ponham em prática medidas de apoio à resiliência, mas também novas formas de pensar e agir ajustadas à arquitetura internacional de cooperação e ao objetivo de não deixar ninguém para trás".

Para isso, sublinhou, as agências estatais "olham para o setor privado e para os diversos atores da sociedade civil, que estão no terreno, como parceiros imprescindíveis".

"Todo este mosaico tem de saber trabalhar em conjunto porque senão a batalha está completamente perdida e a guerra ainda mais. Há que repensar todos os modelos de cooperação para o desenvolvimento", disse.

Portugal tem em construção a sua nova estratégia de cooperação 2021-2030, que, segundo Ribeiro de Almeida, não poderá "ficar alheia ao novo contexto".

"Em tempos difíceis, medidas extraordinárias poderão ser equacionadas, justificando uma análise do modelo da nossa cooperação com vista a torná-lo mais operacional e disponível a responder numa lógica inclusiva", disse.

Mas, apontou, qualquer que seja o modelo, "será sempre preciso dotar o sistema de cooperação portuguesa dos recursos e meios que lhe permitam eficácia, eficiência e muito mais agilidade para atuar numa conjuntura complexa e imprevisível".

Para o presidente do Camões, a escassez de recursos num país como Portugal deve incentivar a "uma maior concentração geográfica e setorial" da cooperação, bem como promover um envolvimento crescente do setor privado e aprofundar o trabalho com as organizações da sociedade civil.

João Ribeiro de Almeida disse ainda que Portugal tem em preparação durante este ano os programas estratégicos de cooperação com São Tomé e Príncipe, Moçambique e Cabo Verde.

O seminário "Cooperação para o Desenvolvimento: Tendências e Perspetivas" realizou-se no âmbito do Projeto Presidência "Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo", da Plataforma Portuguesa das ONGD, e reuniu um conjunto de especialistas para debaterem o futuro das políticas de cooperação para o desenvolvimento e o papel que a UE neste processo.

Economia global sofreu a pior recessão em 90 anos

in o Observador

Cerca de 114 milhões de empregos foram perdidos e 120 milhões de pessoas caíram na pobreza extrema. O mundo enfrenta a pior recessão económica em 90 anos devido à Covid-19.

A economia global sofreu a pior recessão em 90 anos e toda uma década de progresso poderá ser perdida devido à pandemia de Covid-19, declarou esta quinta-feira a Organização das Nações Unidas (ONU), num relatório sobre o desenvolvimento sustentável.

Um novo relatório, produzido pela ‘Task Force’ Interinstitucional para Financiamento ao Desenvolvimento, constituída por mais de 60 agências das Nações Unidas e organizações internacionais, indica que cerca de 114 milhões de empregos foram perdidos e 120 milhões de pessoas caíram na pobreza extrema.


A situação nos países mais pobres do mundo é profundamente preocupante e pode atrasar a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) por mais 10 anos no futuro”, lê-se num comunicado da ONU.

A ONU alerta que a pandemia está a criar um “mundo severamente mais desigual, à medida que os ganhos de desenvolvimento para milhões de pessoas em países pobres são revertidos” e com respostas “altamente desiguais” em todo o mundo.

Num total de mais de 16 biliões de dólares (13,5 biliões de euros) aplicados em fundos de estímulo e recuperação serviram para evitar os piores efeitos, “mas menos de 20% dessa quantia foi gasta em países em desenvolvimento“, lê-se no relatório esta quinta-feira publicado.

Para evitar “uma catástrofe” a ONU recomenda “rejeitar o nacionalismo da vacina” e pede mais contribuições para financiar com 20 mil milhões de dólares (quase 17 mil milhões de euros) o acelerador de acesso a ferramentas contra a Covid-19, conhecido como “ACT Accelerator”.

A ONU pede também o cumprimento do compromisso internacional de 0,7% de Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA, na sigla em inglês) e novos financiamentos concessionais para os países em desenvolvimento, assim como recomenda “evitar o sobre-endividamento, fornecendo liquidez e apoio ao alívio da dívida“.

O investimento sustentável e inteligente, por exemplo em infraestrutura, reduziria os riscos e tornaria o mundo mais resistente a choques futuros”, acrescenta o relatório.

A ONU exemplifica que o gasto de 101 mil milhões de euros nos próximos dois anos e cerca de 34 mil milhões anualmente depois de 2023 “reduziria significativamente a probabilidade de outra pandemia, em contraste com biliões já perdidos em danos económicos durante a pandemia de Covid-19″.

O relatório recomenda a modernização dos mercados de trabalho e políticas fiscais, com um quadro global para responsabilizar as empresas e companhias pelo seu impacto social e ambiental assim como a incorporação de riscos climáticos na regulamentação financeira.

A ‘Task Force’ Interinstitucional para Financiamento ao Desenvolvimento acrescenta ainda, como sugestões, a tributação da economia e comércio digital no quadro de uma solução acordada mundialmente e um melhor uso da tecnologia para combater fluxos financeiros ilícitos.

O que esta pandemia provou sem sombra de dúvida é que ignoramos a interdependência global por nossa conta e risco. Os desastres não respeitam as fronteiras nacionais”, disse a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, citada no comunicado da ONU.

A responsável acrescentou que “para mudar a trajetória” tem de se “mudar as regras do jogo“, porque continuar a trabalhar com as regras pré-crise “levará às mesmas consequências que foram reveladas no ano passado”.

A pandemia de Covid-19 provocou, pelo menos, 2.745.337 mortos no mundo, resultantes de mais de 124,8 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.


Presidência da UE. Europa deve reforçar compromissos de combate à pobreza e ajuda aos países pobres

in o Observador

Organizações defendem que a UE deve fazer a sua parte para garantir uma recuperação justa a nível global perante um cenário adverso de "estagnação e até diminuição de ajuda pública ao desenvolvimento"

A Europa deve reforçar os seus compromissos de combate à pobreza e cumprir as metas da ajuda pública aos países pobres para promover uma recuperação “global e justa” no pós-pandemia, defendem as organizações da sociedade civil.

Estas são as principais conclusões de uma reflexão promovida pela Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) no âmbito do Projeto Presidência, “Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo”, financiado pela União Europeia.

A reflexão reúne contributos de 70 organizações da sociedade civil de vários países e servirá de base a um debate “online” sobre as novas tendências e perspetivas da cooperação para o desenvolvimento, que decorre hoje a partir de Lisboa.

“Num momento em que a dificuldade de muitos países em acederem a financiamento se agrava em virtude da pandemia, a UE deve fazer a sua parte para garantir uma recuperação justa a nível global ao cumprir o compromisso em canalizar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) combinado dos Estados-Membros para ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e entre 0,15% e 0,20% para os países menos avançados”, refere o documento.

Rita Leote, diretora da plataforma de ONGD, notou, em declarações à agência Lusa, que a tendência dos últimos anos revela “uma estagnação e até a diminuição da ajuda pública ao desenvolvimento”, alertando que a pandemia poderá acentuar esta tendência.

Os países têm os seus orçamentos dedicados em grande parte à resposta às questões internas da pandemia e pode haver essa possibilidade [de redução da ajuda], mas se a resposta não for global todos vamos sofrer”, defendeu.

Para esta responsável, a ajuda pública ao desenvolvimento assume particular relevância para os países de baixo rendimento, que não têm tanta capacidade de atração de investimento privado.

“Principalmente neste tempo em que é preciso uma recuperação justa e sustentável da pandemia, é preciso salvaguardar que há países que não têm acesso a financiamento se não for por via da ajuda pública ao desenvolvimento”, disse.

Ressalvou, por outro lado, a necessidade de complementar esta ajuda com “outras fontes de financiamento”, considerando que a APD “não é suficiente para responder” a todas as necessidades.

“A UE deve reconhecer a importância das diferentes modalidades de financiamento para o desenvolvimento e adotar uma abordagem coerente, integrada e complementar entre cada uma delas, evitando que a aposta na mobilização do setor privado contribua para o desinvestimento em APD”, aponta, por seu lado, a reflexão.

O mesmo documento defende políticas europeias “centrada nas pessoas” e “orientadas para dar resposta à crise e às necessidades das populações, de forma a reforçar o compromisso em combater a pobreza e as desigualdades” globais.

Não divergir daquilo que têm sido as prioridades em termos de cooperação para o desenvolvimento: a luta contra a pobreza e o combate às desigualdades e que isso seja tido em conta no desenho das políticas de cooperação para desenvolvimento”, defendeu Rita Leote.

As ONGD defendem ainda a importância e “apostar no desenvolvimento humano e investir em setores chave, como a educação e saúde, de forma a evitar um aprofundamento das desigualdades”.

Numa abordagem à nova estratégia UE-África, Rita Leote sublinhou a necessidade de uma parceria que coloque os dois blocos em pé de igualdade.

“As soluções têm que ser construídas conjuntamente pelos atores e não apenas por uns, que estabelecem a agenda e definem as condições em que esta será implementada”, disse, defendendo a importância de “reforçar o contributo dos países parceiros”, nomeadamente da sociedade civil, para a construção da referida estratégia.

O seminário “Cooperação para o Desenvolvimento: Tendências e Perspetivas” realiza-se no âmbito do Projeto Presidência “Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo”, da Plataforma Portuguesa das ONGD, e tem como objetivo reunir um conjunto de especialistas para debaterem o futuro das políticas de cooperação para o desenvolvimento e o papel que a UE neste processo.


"Pandemia expôs duramente velhas formas de pobreza"

Por Notícias ao Minuto

A pandemia de covid-19 causou "uma exposição dura" de velhas formas de pobreza, que são crónicas na sociedade portuguesa, defendeu em entrevista à Lusa o sociólogo Manuel Carvalho da Silva, para quem o problema é estrutural e tende a acentuar-se.

"Até agora, pode dizer-se que não existe uma emergência de novas formas de pobreza", afirmou em entrevista à Lusa, manifestando receio de que as respostas à atual crise possam não ajudar a resolver problemas antigos e a precaver o futuro.

"Temos a cair na pobreza quem? Os precários absolutos, foram os primeiros. Em segundo lugar, muitos trabalhadores independentes ou empresários de si próprios ou pequenos empresários. Há muitos pequenos empresários e pessoas nestas condições revoltantes da matriz económica e de desenvolvimento que o país tem", referiu.

Crítico de uma matriz "muito centrada nos serviços", nomeadamente no turismo -- um dos setores mais atingidos -, o sociólogo sublinhou que a desativação destas atividades provocou "uma situação de desproteção absoluta" das pessoas: "Surgiram na sociedade com uma situação de pobreza profunda em muitos casos, que em parte está escondida".

Uma parte destes trabalhadores, referiu, "não entra" nas estatísticas.

"Há milhares de pessoas que aparecem todos os dias à porta de instituições que servem refeições e que dão apoio que não estão contabilizadas nos números do desemprego (...) o drama é justamente esse, é que isto está associado a fatores estruturais que não estão a ser alterados", garantiu Carvalho da Silva, investigador no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

Para o ex-dirigente sindical, a grande pobreza depende, em primeiro lugar, de salários baixos e desproteção social de uma parte significativa da população, a par de uma "precarização do trabalhado" que, na sua opinião, é "demolidora".

"Tudo isto associado a uma matriz de desenvolvimento que não dá futuro", frisou.

Carvalho da Silva, que dirigiu a CGTP-IN durante 25 anos (1987 - 2012), primeiro como coordenador e depois como secretário-geral, defendeu a necessidade de se olhar para as questões da pobreza com "grande atenção", sob pena de se comprometer o futuro e o modelo de desenvolvimento necessário ao país.

A sociedade portuguesa, considerou, é "demasiado permissiva" perante a pobreza.

"No senso comum, ainda é muito comum mesmo a ideia de que uma pessoa só é pobre, pobre, quando já não tem meios sequer para se alimentar", lamentou.

"A atitude da sociedade perante a pobreza não pode ser esta", acrescentou o académico, reclamando uma evolução no comportamento dos portugueses, por forma a alcançar um combate mais eficaz neste setor.

"A sociedade portuguesa condescende facilmente com situações de sobrevivência das pessoas, em função meramente da caridade alheia e quando um indivíduo está dependente da caridade alheia a sua dignidade foi amputada", sublinhou Carvalho da Silva em entrevista à Lusa, realizada no seu escritório em Lisboa, onde está a desenvolver um Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (COLABOR).

Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação em Portugal continental e suspensão de atividade em diversas áreas.

A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura, entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade laboral e provocou aumento do desemprego.

Rede Social de Vagos cria Bolsa de Voluntários para IPSS

in Jornal da Bairrada

A ideia é ajudar instituições com necessidades na área dos recursos humanos, no âmbito da pandemia de Covid-19.

No âmbito da pandemia de Covid-19, e no seguimento das orientações emanadas pela Segurança Social, a Rede Social de Vagos está a propor aos diferentes parceiros sociais criação de uma Bolsa de Recursos Humanos de Cariz Humanitário, para intervenção de emergência em caso de necessidade, nomeadamente, para substituição de funcionários/as das IPSS que trabalham diretamente com idosos e crianças, e que venham a ficar infetados.

Esta Bolsa de Recursos Humanos de Cariz Humanitário será dinamizada pelo Banco Local de Voluntariado de Vagos, parte integrante da Câmara Municipal de Vagos.

Quem pretender integrar a Bolsa de Recursos Humanos de Cariz Humanitário poderá inscrever-se através do e-mail acao.social@cm-vagos.pt (Núcleo de Ação Social da Câmara Municipal de Vagos), indicando o nome e número de telefone para posterior contacto por parte do Banco de Voluntariado de Vagos, a quem caberá fazer o devido encaminhamento para as IPSS.

Os Voluntários não poderão pertencer a nenhum dos grupos de risco referenciados pela DGS. Aos voluntários que vão participar em ações no âmbito desta Bolsa, será distribuído o devido material de Equipamento de Proteção Individual anti-Covid-19.

Esta bolsa tem como principal propósito ser um elo facilitador entre a disponibilidade demonstrada pelos cidadãos para oferecerem trabalho socialmente útil em regime de voluntariado e as necessidades de recursos humanos das instituições sociais.

Banco de Portugal vê desemprego a subir apenas até 7,7%, quando em dezembro apontava para 8,8%

Sónia Lourenço, in Expresso

O banco central reviu em baixa as suas projeções para a evolução da taxa de desemprego em Portugal, que deve subir até aos 7,7% este ano, começando a descer, de forma lenta, a partir de 2022. Ainda assim, em 2023, ainda estará acima do valor registado em 2019

"O impacto da crise permanece bastante contido nos indicadores de desemprego". A frase é de Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP), que esta sexta-feira apresentou as novas projeções da instituição para a economia portuguesa.

Projeções onde o BdP reviu em alta o perfil do Produto Interno Bruto e do emprego entre 2021 e 2023, e, simultaneamente, reviu em baixa o perfil do desemprego.

No que toca à taxa de desemprego, o banco central espera que suba dos 6,8% registados em 2020, para 7,7% em 2021. Isto quando em dezembro esperava que a taxa de desemprego subisse até aos 8,8% este ano. Depois, o BdP espera uma descida da taxa de desemprego, mas de forma lenta: 7,6% em 2022 (em dezembro apontava para 8,1%) e 7,2% em 2023 (em dezembro esperava 7,4%).

Contudo, isto significa que no final do horizonte de projeção, a taxa de desemprego em Portugal ainda vai ficar acima do nível pré-crise, isto é, do valor registado em 2019, quando estava nos 6,5%. O BdP frisa, contudo, que a subida do desemprego nesta crise vai ficar "muito aquém da observada na crise de 2011-13".

"A retoma da atividade traduz-se numa melhoria no mercado de trabalho, com um crescimento médio do emprego de 0,8% e uma redução da taxa de desemprego a partir de 2022", lê-se no Boletim Económico de março do BdP.

O banco central destaca que "as medidas de política adotadas contribuíram para atenuar a diminuição do emprego em 2020, que foi muito mais mitigada do que a redução das horas trabalhadas (-1,7% e -9,2%, respetivamente).


E adianta que "com a recuperação da atividade antecipa-se que as empresas recorram, numa primeira fase, aos trabalhadores que têm disponíveis para dar resposta ao aumento da procura". Por isso, a projeção é que as horas trabalhadas cresçam acima do emprego especialmente em 2021 e 2022.

"A evolução moderada do emprego também reflete os desafios demográficos e a retoma gradual nos segmentos mais afetados pela crise, nomeadamente nos setores mais expostos aos contactos pessoais, mais intensivos em trabalho e com menor possibilidade de recorrer ao teletrabalho, bem como nos indivíduos mais jovens, com níveis de qualificação mais baixos e com vínculos temporários", escreve o BdP.

O banco central deixa uma última nota: "Apesar do sucesso das medidas de política em mitigar os impactos negativos da crise pandémica no mercado de trabalho, antecipa-se que existam alguns efeitos mais prolongados, decorrentes de eventuais alterações nas preferências dos agentes (por exemplo, compras eletrónicas, viagens de negócios e teletrabalho) e da necessidade de realocação de fatores produtivos entre setores".

Mário Centeno também deixou essa mensagem: "É provável que haja alguma reafetação de recursos numa fase mais adiantada da recuperação".

Desemprego no Algarve "preocupa" mas fica abaixo de valores de 2020 diz delegada regional

in Postal

A delegada regional do Algarve do IEFP considerou que o impacto registado no primeiro confinamento, a partir de março de 2020, foi “maior” do que o registado em janeiro e fevereiro deste ano

A delegada regional do Algarve do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) classificou hoje como “preocupante” o aumento do desemprego na região, mas frisou que os números de fevereiro estão abaixo dos registados no primeiro confinamento, em 2020.

Ao fazer um balanço dos efeitos de um ano de pandemia de covid-19 no emprego do Algarve, Madalena Feu disse à agência Lusa que os 74,4% de aumento homólogo do desemprego registados em fevereiro deste ano estão ainda distantes dos valores de maio, junho e julho do ano passado, quando houve crescimentos homólogos de 202,4%, 231,8% e 216,6%, respetivamente.

A delegada regional do IEFP considerou, por isso, que o impacto registado no primeiro confinamento, a partir de março de 2020, foi “maior” do que o registado em janeiro e fevereiro deste ano, mês no qual houve um total de 33.459 inscritos à procura de emprego nos serviços de emprego regionais.

“Sendo o Algarve uma região que tem vivido praticamente quase em exclusivo do turismo e de todas as atividades a elas associadas, teve como principal consequência um desemprego mais elevado do que no resto do país”, reconheceu Madalena Feu.

No entanto, “se forem verificados só os números de fevereiro”, e “apesar de estarem bastante elevados”, ainda “não seriam tão altos como foram o ano passado”, contrapôs.

A delegada do IEFP no Algarve sustentou esta posição comparando o aumento homólogo de 74,4% registado no último mês, em pleno segundo confinamento, com os meses que se seguiram ao início do primeiro confinamento, a partir de março de 2020, quando foram atingidos “crescimentos, face ao homólogo, na ordem de 202,4% em maio, de 231,8% em junho e 216,6% em julho”.

“Se 2020 foi um primeiro embate à pandemia, hoje podemos dizer que estamos mais preparados”, justificou, considerando que o reorganização dos serviços para se adaptarem e responderem em tempo de pandemia, assim como importância das medidas públicas de apoio ao emprego e à economia, “contribuíram para que se controlassem os números de forma mais eficaz”.

Já nos dois primeiros meses deste ano, “ao longo do mês de janeiro procuraram emprego 3.707 pessoas” e “em fevereiro 2.587”, enquanto em “fevereiro do ano passado, que não estávamos em pandemia, a procura ao longo do mês foi de 2.255”, disse, observando que “não é uma diferença muito grande”.

A mesma fonte admitiu que, mesmo assim, “preocupam” o crescimento homólogo e os 33.459 inscritos nos centros de emprego em fevereiro, perante a “incerteza” que subsiste quanto ao impacto futuro da pandemia na economia e a evolução do processo de vacinação contra a covid-19.

De acordo com o IEFP, no final de fevereiro, estavam registados nos serviços de emprego do continente e regiões autónomas 431.843 desempregados. Dos aumentos homólogos, o mais pronunciado deu-se na região do Algarve (com mais 74,4%), seguido de Lisboa e Vale do Tejo (com mais 52,9%) e da região da Madeira, com mais 30,4%.

Madalena Feu disse também que, em fevereiro de 2021, as mulheres continuaram a ter um “peso maior do que os homens” nos desempregados, com “55,2%, face a 44,8% dos homens”, mas sublinhou que esta é uma tendência habitual no Algarve.

O “peso de pessoas à procura de novo emprego é muito maior do que à procura do primeiro emprego” e os números mostram que, em fevereiro, “96,4% das pessoas desempregadas inscritas procuravam novo emprego”, enquanto “à procura do primeiro emprego houve 3,6%”, números também “próximos” dos verificados em 2020 ou 2019.

“O peso da faixa etária entre 35 e 54 anos é aquele que representa o maior número de desempregados, com 43,8%, mas se se juntar a faixa dos 25 aos 34 anos, que tem um peso de 25,9%, à faixa etária dos 35 aos 54 anos, representa 69,7% do desemprego da nossa região, mas estes valores estão também muito próximos dos anos anteriores”, referiu.

Madalena Feu disse ainda que os inscritos com o “3.º ciclo [de escolaridade] e o secundário” representam “60,6% do desemprego no Algarve”.

Embora sem quantificar, aquela responsável disse haver um “aumento do número de estrangeiros inscritos”, adiantando que a maioria são “brasileiros, seguidos de indianos e nepaleses”.

O problema da habitação é também um problema de saúde?

Luísa Pinto (texto), Rui Barros (dados e desenvolvimento), Loraine Vilches (desenvolvimento) e Gabriel Sousa (webdesign e ilustração), com Sílvia Jorge e Aitor Varea Oro, in Público on-line

Soluções para a habitação? Chamem os acrobatas e os jogadores de xadrez

É pela coesão social e pelo combate à pobreza que todas as políticas têm de começar — a política de habitação também. É preciso que as políticas sociais de habitação substituam as políticas de habitação social. Sem inventar a pólvora, mas evocando a flexibilidade dos acrobatas e o pensamento estratégico dos jogadores de xadrez. E já há exemplos, inclusive em Portugal, de como é possível fazê-lo.

Há um ano que a palavra “pandemia” entrou no léxico diário do cidadão comum. A saúde pública ganhou uma maior relevância, ficar em casa foi (e ainda é) a melhor forma de nos protegermos. A preocupação com as pessoas que em casa não têm condições para viver ou para se proteger aumentou – ainda que, às vezes, por razões mais egoístas do que altruístas. Os problemas trazidos pelas carências habitacionais agravaram visivelmente os receios com a saúde pública. Mas a pandemia, é, afinal, uma sindemia, ainda que a opinião pública não tenha despertado para ela como despertou, à força, para a covid-19.

O vírus espalhou-se e cruzou-se com outras doenças e problemas de saúde, como as doenças crónicas não transmissíveis (diabetes, obesidade, hipertensão e outras), mas também com as desigualdades económicas e sociais. “[São] factores que interagem entre si aos níveis biológico, psicológico e social, aumentando a interacção negativa que leva ao agravamento das várias situações em presença, constituindo-se o que se designa por ‘sindemia’”, explica Isabel Loureiro, professora catedrática de Saúde Pública, que integra a equipa do Programa Bairros Saudáveis, uma iniciativa governamental que surgiu em resposta à pandemia, ou melhor, à sindemia de covid-19.

Foi graças a esse programa que conseguimos cruzar informações entre os dados mais recentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e os dados das unidades funcionais das administrações regionais de Saúde do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo. Em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública e o Centro de Estudos em Arquitectura e Urbanismo da Universidade do Porto foi possível tratar estatisticamente os dados e encontrar correlações alarmantes entre condições de habitabilidade e rendimento e condições de saúde e de doença. Os mapas juntam informações que estão presentes na vida das pessoas, mas não necessariamente nos discos rígidos dos organismos públicos que tratam delas.

Os níveis de análise são múltiplos. Não devemos falar de causa-efeito, do género “quanto mais pobre mais doente”, mas também não assumimos os resultados como coincidências. A correlação mais preocupante foi encontrada entre taxas de analfabetismo, risco de pobreza e baixa escolaridade: quanto mais frágil for o tecido socioeconómico, mais casos há de doenças como a diabetes, a insuficiência cardíaca, a doença obstrutiva coronária ou riscos de acidente vascular cerebral (AVC). E o contrário também é certo. As zonas com maiores rendimentos (e rendas) são onde se verifica menor incidência destas patologias.

Ao PÚBLICO a directora da Escola Nacional de Saúde Pública, Carla Nunes, avisava em Outubro que a pandemia estava “a bater mais nas pessoas mais frágeis”. E é pela coesão social e pelo combate à pobreza que todas as políticas têm de começar — a política de habitação também.

O Bairros Saudáveis é um pequeno programa com uma dotação orçamental de dez milhões de euros, que terá o mérito de demonstrar que as políticas públicas podem estimular a participação comunitária e confiar na capacidade de as populações interpretarem as suas necessidades e encontrarem soluções para as colmatar, tendo algum apoio financeiro para o efeito. Recebeu 774 candidaturas, e os territórios de baixa densidade, onde vive 20% da população portuguesa, foram responsáveis por 30% das candidaturas.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) propõe um investimento de 250 milhões de euros para a “Eliminação das Bolsas de Pobreza em Áreas Metropolitanas” e financiar operações integradas em comunidades desfavorecidas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O PRR está a ignorar que as fragilidades do tecido social vão muito para além destas áreas metropolitanas. Se se consultar o mapa com a localização das candidaturas ao Programa Bairros Saudáveis, é possível verificar que os territórios particularmente vulneráveis se situam em todo o Portugal continental.

“O programa não conseguirá resolver as desigualdades sociais e a pobreza, porque isso depende de macropolíticas e de políticas transformativas ao nível social. No entanto, constitui um estímulo para que as populações mais vulneráveis, frente às suas realidades, sejam capazes de encontrar, em conjunto, formas de as melhorar, alavancando recursos e fortalecendo os laços de solidariedade e a coesão social”, diz Isabel Loureiro. É, pois, um exemplo, limitado e experimental, mas que já revelou capacidade de mobilizar a energia das pessoas e comunidades a quem se dirige. Através de iniciativas como esta, as políticas públicas deixam de encarar os destinatários como “públicos-alvo”, mas sim como sujeitos e parceiros das respostas a construir. Isto implica uma enorme mudança de paradigma na relação entre os cidadãos e a administração central, regional e local.
Olhar para tudo, mas de perto

Se, para Isabel Loureiro, saúde não é apenas falta de doença, a alimentação condigna não é apenas falta de fome. E, como acontece com as dificuldades de acesso à habitação, as carências não se limitam, necessariamente, às situações de pobreza e precariedade extrema – mas têm aí um impacto especialmente severo. Sara Rocha, membro da Realimentar – Rede Portuguesa pela Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, destaca que “a pobreza alimentar é uma dimensão específica da pobreza”. “É a dificuldade de adquirir e consumir alimentos em quantidade suficiente e de qualidade adequada. Factores como o aumento do custo de vida e as despesas com habitação, electricidade, a par com salários baixos e precariedade laboral, têm um impacto muito significativo na capacidade de aceder a uma alimentação adequada”, enumera.

Sara Rocha sublinha a dimensão sistémica do problema, frisando que as condições de vida de todos, especialmente dos grupos vulneráveis, são resultado de uma construção social mais alargada. Questionada sobre os problemas mais prementes, refere três. Primeiro, a falta de dados que impossibilita um debate informado e substantivo em torno das carências, percebendo quem fica de fora. Segundo, a dificuldade de agir dentro de um quadro estável capaz de sobreviver aos ciclos políticos e de guiar a acção a nível local — “É fundamental haver uma lei de bases da Alimentação”, alerta. Terceiro, a dificuldade de construir um espaço em que quem está no terreno, que conhece bem as limitações das famílias, possa expô-las e participar na melhoria da situação.

Estas preocupações não andam muito longe das de Helena Amaro, advogada, actualmente a fazer um doutoramento na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto nas áreas de Forma Urbana, Padrões de Mobilidade e Mobilidade Social. A investigadora, que também alerta para a necessidade de uma mudança de paradigma, não poupa críticas ao “maior investimento público em habitação” inscrito no PRR de que falámos no terceiro trabalho da série — 1251 milhões de euros em subvenções para financiar a solução para 26 mil famílias em carência habitacional e 186 milhões de euros para criar a Bolsa Nacional de Alojamento urgente e temporário. “É partir de uma premissa errada — recuperar o ponto onde estávamos —, em vez de assumir uma ruptura e mudar o que estava mal”, afirma.

Helena Amaro tem desenvolvido muitos estudos em torno da relação entre mobilidade e rendimento. “Primeiro faz-se um conjunto de casas onde o terreno é mais barato, depois é preciso arranjar um meio de transporte para que as pessoas possam ir trabalhar. Os layers de decisão estão todos ao contrário”, contesta. A investigadora argumenta que, uma vez que a habitação e as políticas de mobilidade são duas das principais dimensões em disrupção na paisagem, deviam estar articuladas com uma política pública de paisagem, a partir da qual se definiam todos os planos, convocando, como também reclama Sara Rocha, quem habitualmente não participa nestes debates. Neste caso, geógrafos, sociólogos e paisagistas.

Segundo Helena Amaro, a não resolução destes problemas atinge todos e não apenas quem com eles sofre directamente: “A factura do que não investimos em habitação ou mobilidade acabará por aparecer em outras rubricas orçamentais, nomeadamente nas da saúde pública.” Esta afirmação é partilhada uma vez mais por Sara Rocha, que destaca que, já antes da crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19, o Serviço Nacional de Saúde gastava grande parte do seu orçamento a tratar doenças como a obesidade, hipertensão, vários tipos de cancro e doenças crónicas, cardiopatias e diabetes, associadas a um padrão alimentar que resulta de um sistema globalizado, insustentável e prejudicial. Esta situação é inevitável?

Alguns exemplos ilustram bem tanto a paisagem descrita, como a possibilidade real de se iniciar uma mudança de paradigma. É o caso das chamadas “ilhas” do Porto, estruturas habitacionais localizadas no interior dos quarteirões e compostas por casas diminutas, de aproximadamente 20m2 e precárias condições de habitabilidade. Estas casas, originárias da Revolução Industrial, subsistem ainda em grande número — 957 “ilhas” dão actualmente alojamento a cerca de 10.370 pessoas. Falamos de uma população envelhecida, com poucos rendimentos e baixas qualificações literárias, para quem as “ilhas”, embora precárias, permitem viver no centro da cidade. Mas qual o preço a pagar pela localização?

Um estudo realizado em 2019 a partir de uma parceria entre a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e o Plano Local de Saúde do Agrupamento de Centros de Saúde do Porto Oriental dá-nos três dados relevantes. Entre os inquiridos, 27% estavam expostos a amianto, 89% não tinham isolamento térmico e 46% não tinham sanita com autoclismo. Em comparação com os dados da Região Norte, estes moradores apresentavam um risco oito vezes superior de desenvolver um AVC e 1,9 vezes de sofrer de problemas respiratórios. A relação entre as condições de vida e a saúde era atribuível à habitação em até 88% dos casos de AVC e 48% dos problemas respiratórios identificados. A totalidade destas situações seria evitada, se a reabilitação e qualificação das casas fosse garantida.

Para perceber as implicações desta intervenção na habitação, recorremos a um segundo estudo encomendado em 2017 pela Câmara Municipal do Porto. Teoricamente, a estratégia para qualificar as casas é simples: aumentar as suas áreas, garantir iluminação e ventilação natural em todos os compartimentos, reduzir as barreiras arquitectónicas e diminuir o número de fracções.

Mas se os ganhos na redução das desigualdades e do risco de doença e de pobreza são claros, a dificuldade de concretização é notória. Do lado dos proprietários, é preciso assegurar o acesso ao financiamento para custear obras tão profundas. Do lado dos inquilinos, é preciso ter em mente que 37% deles tinham uma taxa de esforço com a habitação inferior a 30%. O previsível aumento das rendas decorrente da intervenção faria com que o número de agregados com uma taxa de esforço superior a 40% mais do que duplicasse, chegando pelo menos aos 63% do universo total. Como acautelar este cenário?
A harmonia das partes dissonantes

Os anos de 1877 e 1871 marcam dois acontecimentos relevantes para a nossa história. O primeiro refere-se ao momento em que a Câmara Municipal do Porto encomendou ao militar Augusto Telles Ferreira a sua célebre carta topográfica, que, publicada em 1892, registava a existência de uma grande quantidade de “ilhas” na cidade, dando conta da dimensão do fenómeno. O segundo diz respeito à primeira medida de habitação social que se conhece, que entrou em vigor há precisamente 150 anos, no dia 28 de Março de 1871. Na sequência de uma grave crise económica e social, muitos inquilinos do XI Arrondissement, um bairro integrante da Comuna de Paris, deixaram de ter condições de pagar a renda e arriscavam-se a ser despejados. Influenciado pelo pensamento de Pierre-Joseph Proudhon, e defendendo a decisão como uma questão de justiça social, o presidente da comuna impediu que as rendas de habitação continuassem a ser cobradas, aceitando pagar um terço das rendas aos proprietários mais carenciados.

Estes dois acontecimentos servem-nos para questionar até que ponto a resolução do problema habitacional passa por inventar coisas novas ou recorrer ao passado para um novo entendimento. A própria história das “ilhas”, que nos serve aqui de referência, é cíclica, marcada ora por tentativas de erradicação, ora de valorização. Nenhuma das duas alternativas se conseguiu impor no terreno, perpetuando, 150 anos depois da génese deste fenómeno, condições de vida precárias para cerca de 5% da população portuense. Contudo, alguma coisa parece estar a mudar.

Nas palavras de Pedro Baganha, vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto e também presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) portuense: “É mais racional intervir reabilitando estes tecidos do que mandar estas pessoas para a periferia da cidade. A estratégia agora tem de ser reabilitar estes núcleos. A Rua de S. Vítor [onde coexistem várias ‘ilhas’ contíguas] não se compreende se não tiver esta densidade, vivência e relações de vizinhança. O que tem de ser erradicado é a miséria. Não as ‘ilhas’”, insiste.

A mudança de paradigma, da total erradicação a uma visão integrada, remonta a 2014, tendo sido desenvolvidas várias experiências que as consagram como parte da solução e não como parte do problema. Por um lado, inicia a reabilitação das “ilhas” de propriedade municipal, de que é exemplo a feita na ilha da Belavista. Por outro, há um reconhecimento da importância destes núcleos na Estratégia Local de Habitação do Porto, viabilizando o acesso a financiamento para novas intervenções no âmbito do programa Primeiro Direito. Finalmente, em conjunto com o Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, desenvolvem-se estratégias que permitam passar das políticas às práticas e viabilizar a operacionalização (e a sustentabilidade) desta mudança de paradigma.

O maior entrave a ultrapassar, recorda Baganha, é que das actuais 957 “ilhas” apenas três são municipais. Todas as outras são privadas, têm situações diversas e pedem soluções distintas. “Há ‘ilhas’ que têm mesmo de ser erradicadas, outras podem ser alvo de adaptação, e a maior parte delas passará por uma questão de salubrização daquelas condições de vida”, afirma o vereador. E em muitos casos os proprietários têm condições de pobreza tão difíceis quanto os seus inquilinos. Mas, se a esmagadora maioria das “ilhas” são privadas, a câmara não pode intervir neste património e alguns proprietários são tão carenciados como os inquilinos, como assegurar simultaneamente o financiamento das intervenções e a permanência dos moradores?

Quando a SRU foi municipalizada, foram alterados os estatutos da empresa municipal para que ela incorporasse habitação acessível e o problema específico das “ilhas”. Na frente aberta em torno da intervenção nas “ilhas”, em conjunto com a Faculdade de Arquitectura, o município chegou a um conceito de intervenção que, defende o vereador, é, pela primeira vez, viável a todos os níveis. “Há uma componente expressiva de financiamento a fundo perdido; e a componente de empréstimo acabará por ser paga com as rendas a cobrar.” A estratégia, portanto, deverá agir tanto do lado da oferta, como do lado da procura.

Para garantir o acesso a financiamento, que viabiliza a melhoria das condições de habitabilidade e a qualificação do território, a câmara assumirá o papel de intermediário entre os proprietários que queiram reabilitar as suas “ilhas”, através do programa Primeiro Direito e o IHRU. O caminho parte do trabalho desenvolvido no terreno por algumas juntas de freguesia e entidades do terceiro sector, como o programa Habitar Porto, “dando assistência técnica (arquitectónica e burocrática), apontando caminho aos proprietários”. “Teremos uma equipa técnica que diz logo qual é a expectativa de uma obra que pode ser aprovada pela câmara municipal. E identificando os destinatários finais dessas casas — que é uma das imposições do programa Primeiro Direito”, explica.

É aqui que entra a segunda vertente de apoio desta experiência-piloto. A câmara arrenda esses fogos e depois subarrenda-os, indo buscar os inquilinos sinalizados como estando em carência habitacional. “Não há objectivo de lucrar com a operação. Por isso, e no caso de existirem famílias que não consigam pagar as rendas, a câmara entra com uma componente de subsídio à renda”, adianta Baganha, limitando o número de beneficiários aos 140 anuais. A inovação não passa, neste caso, por inventar soluções de raiz, mas antes por gizar uma solução entre dois programas que a câmara já tem: o Porto com Sentido (de habitação acessível) e o Porto Solidário (de subsídio às rendas).

A principal vantagem desta abordagem é que garante a permanência dos moradores após a intervenção e traz mais-valias a todos. Pela primeira vez, o proprietário empobrecido de uma “ilha” tem possibilidade de a reabilitar, sem qualquer custo. Os inquilinos passam a viver numa casa com condições de salubridade e a suportar uma renda condizente com os seus rendimentos. Por fim, o município diminui parte dos três mil casos de carência habitacional identificados na sua Estratégia Local de Habitação.



Mas Baganha não esconde algumas preocupações, nem segura as críticas “ao Estado central que está sempre a alterar programas e leis” — referindo-se às mais recentes alterações ao Primeiro Direito, conhecidas recentemente. “Parem de mexer nos programas!”, pede o vereador, dizendo que uma habitação não demora menos de três a quatro anos a ser terminada. “Deixem ao menos esgotar um ciclo de produção, senão nunca chegamos a conseguir testar nada”, critica. Com as novas regras introduzidas ao Primeiro Direito, o proprietário da casa reabilitada ou construída ao abrigo deste programa deve manter as rendas controladas durante 20 anos, e não 15 como inicialmente previsto. Talvez muito para um proprietário. Talvez insuficiente para a cidade, que daqui a 20 anos poderá estar novamente com um problema de habitação em mãos. Sinal, afinal, de que uma política de habitação é feita de várias abordagens em simultâneo, implica o envolvimento e participação de todos os intervenientes e está longe de ser fechada. Como ir mais além?

De uma política de habitação social a uma política social de habitação

A Nova Geração de Políticas de Habitação, lançada em 2017, propõe aumentar o parque habitacional com apoio público de 2 para 5%, mesmo assim longe de outros países europeus, como a Áustria, onde 25% do parque habitacional é público. Em entrevista ao jornal espanhol El Diario.es, o geógrafo Justin Kadi e a economista Sarah Kumnig, desvendam alguns dos pormenores da política de habitação aí conduzida. “O debate não é se precisamos de controlar os arrendamentos ou habitação social. Há consenso de que os dois são necessários”, referem estes investigadores. “Quem possui o solo, um recurso limitado, controla a cidade”, destacam, daí ser importante regular o preço do solo público e privado.

Yves Cabannes, Professor Emérito da University College of London, e com mais de 40 anos de experiência na área da habitação e da participação, corrobora esta ideia. “O segredo é dissociar o valor fundiário da habitação. É a localização que mais influencia o valor final de um imóvel e lhe dá um carácter especulativo. Se o retirarmos da equação, o problema resolve-se”, explica. Mas como alterar então as variáveis da fórmula que impede, ou facilita, o acesso a uma habitação condigna a longo prazo?



O investigador sai do domínio da teoria e do abstrato, dando conta de experiências no terreno desenvolvidas há já algumas décadas, e que demonstram a viabilidade e sustentabilidade do modelo que defende. Refere-se aos Community Land Trust (CLT), espalhados em vários países da Europa e do mundo, incluindo o mais liberal e capitalista de todos, os Estados Unidos da América, argumenta Yves Cabannes.

Trata-se de um sistema que aprofunda o movimento cooperativo que conhecemos em Portugal, para lhe dar um carácter mais fundacional. Assenta num poder tripartido, dividido entre quem adquire ou aluga uma casa nesse CLT, quem não o habitando se quer associar à causa, e quem representa o interesse/poder público. Este tripé sustenta a propriedade do solo colectiva, garantida através de doações ou de políticas públicas dirigidas para a regulação do mercado.

Portugal tem um vasto parque habitacional devoluto e desocupado — dados do INE apontam para cerca de 730.000 casas vazias no país —, parte dele pertence ao Estado e à Santa Casa da Misericórdia, por exemplo. A este banco de imóveis somam-se ainda os baldios, parte deles localizados em áreas urbanas, destaca o investigador. Serão estas oportunidades para arrancar com um projecto-piloto desta natureza no país?

As estruturas associadas aos CLT funcionam como administradores e garantes de habitação de longo prazo, garantindo que ela vai permanecer genuinamente acessível — “isto é, com base no rendimento das pessoas, e não com base no valor que a propriedade tem no mercado”, ressalta o investigador.

Esta ideia de “acessível” distancia-se daquela em que se baseia o Programa de Arrendamento Acessível, cujo cálculo parte do valor mediano do mercado em determinado lugar, não dos rendimentos dos beneficiários. Como vimos no terceiro trabalho desta série, mesmo 20% abaixo dos valores de mercado, o preço da habitação permanece inacessível para muitos.


“Quem entrar num CLT sabe que não poderá arrendá-lo ou vendê-lo a valores especulativos”, explica Yves Cabannes. Por um lado, não se especula. Por outro, quem tem rendimentos abaixo da média não vive em constante ameaça de despejo ou aumento de renda para lá das suas possibilidades. “Os moradores dessas casas não sofreram nada com a crise do subprime”, assegura. Esta é uma das fórmulas que garante segurança de acesso à habitação e subverte a vulnerabilidade e precariedade que caracterizam o actual mercado e sistema habitacional dominante.


Simultaneamente, retirando o valor fundiário da equação e comprometendo diferentes intervenientes na solução — o poder público, os privados e a sociedade civil — também se abre espaço a visões mais abrangentes.

Como preconiza a Nova Geração de Políticas de Habitação e a Lei de Bases da Habitação, permite-se passar da habitação ao habitat, ou seja, “de uma política de habitação social para uma política social de habitação”, concretiza Yves Cabannes. A pandemia reitera esta necessidade. A habitação precisa ser encarada, não apenas como um tecto e quatro paredes, mas também como espaço de trabalho, de educação, de lazer e de garante da saúde pública.

Não se trata de um jogo de palavras. As políticas de habitação social têm-se limitado a construir fogos e a amontoar pessoas em gavetas, independentemente do sítio onde trabalham, ou onde podem ir buscar rendimento e alimento. As políticas sociais de habitação colocam as pessoas, e as suas necessidades, no centro da equação, ampliando assim o entendimento de habitação e de habitabilidade. “A habitação hoje, e no futuro, tem de considerar as novas necessidades, como as exigências climáticas, como a reciclagem de águas ou a poupança de energia, mas também as do teletrabalho, por exemplo. A casa tem de assumir a sua função produtiva e não meramente reprodutiva”, defende.
De um somatório de programas à concretização de políticas

Não descobrimos a pólvora — Sérgio Godinho anda a cantá-la desde 1974, quando lançou o álbum Liberdade. “Só há liberdade a sério / Quando houver / A paz, o pão, habitação / saúde, educação.” Mantendo-nos neste ano charneira, vale a pena recordar a proposta de regulação do mercado de arrendamento, feita no âmbito do PREC pelo então secretário de Estado Nuno Portas, não tanto pelas propostas, mas pelo contexto em que surge.

Falava-se, na altura, de “[um] processo de alta especulativa na oferta de habitações, patente sobretudo nas cidades e áreas metropolitanas, onde as crescentes necessidades de alojamento da população conduziram o sector imobiliário [...] à prática de preços que se sabe não acompanharem os custos reais de produção”. Reconhecia que repor o congelamento das rendas em todo o país não ia, por si só, solucionar o problema da habitação, designadamente a “imediata obtenção de habitações acessíveis aos níveis de rendimentos da maioria da população trabalhadora”. Mas era uma medida necessária, de carácter transitório, enquanto se resolviam os problemas estruturais que assolavam o país. Neste sentido, enumerava um conjunto de aspectos a considerar em legislação e programas públicos futuros: “A aquisição pública e urbanização de solo suficiente e a baixo custo; o financiamento e incentivos a empresas privadas e a cooperativas de moradores; a regulamentação do regime de renda limitada, e o forte incremento dos programas de construção directa de novos conjuntos habitacionais pelas entidades oficiais.”


Volvidos 47 anos desde a publicação deste decreto-lei, e cada vez mais próximos da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, o direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa continua por garantir. Como constata Helena Roseta, é preciso intervir em pelo menos quatro frentes: na diversidade e articulaçãocoerente das ferramentas que integram uma política de habitação; no reconhecimento de um país plural e diverso; na continuidade das linhas mestras dos programas traçados para lá dos ciclos políticos; e no reconhecimento e inclusão de novos e diferentes actores.

Ao nível das ferramentas, é possível recorrer a medidas de promoção e gestão da habitação pública, tributárias e de política fiscal, de apoio financeiro e subsidiação, legislativas e de regulação, como exposto na Lei de Bases da Habitação. Passíveis de serem usadas por governos de diferentes espectros políticos, implicam, contudo, coerência — por exemplo, nem os incentivos fiscais se podem limitar à simples qualificação do edificado, nem o subsídio à renda pode servir para inflacionar os valores do mercado ou deturpar as suas fragilidades.

É necessário que as políticas públicas contribuam para uma sociedade mais coesa, o que exige reconhecer a diversidade de situações e realidades existente. Embora a actual crise na habitação assuma particular expressão nas áreas urbanas, nomeadamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o resto do país é mais do que “paisagem”. É preciso estar atento à diversidade das dinâmicas demográficas e territoriais e às desigualdades habitacionais que as próprias políticas públicas podem desencadear, quando não garantida uma distribuição equitativa dos recursos e investimentos públicos.

O alcance destas metas implica políticas de continuidade, que não podem acabar quando a verba dos programas ou os ciclos políticos de quatro anos que as suportam chegam ao fim. Qualquer investimento público na habitação leva tempo a dar frutos. Neste sentido, ressalta-se a importância de um compromisso nacional, validado pelo Parlamento e objecto de uma avaliação regular, de acordo com o Programa Nacional de Habitação, exigido na Lei de Bases de Habitação, mas que tarda em ser apresentado.


Por fim, as políticas públicas podem criar um espaço operacional particularmente comprometido com as necessidades e recursos reais, articulando a esfera local e central. Por um lado, assegurar uma maior sinergia entre as políticas de habitação e as políticas sociais, evitando tomadas de decisão avulsas e desarticuladas. Por outro lado, dar as boas-vindas a actores geralmente excluídos do debate e da solução por razões de natureza legal e/ou burocrática.

Como se viu ao longo deste trabalho, a habitação constitui uma base material imprescindível para a redução das desigualdades sociais e dos riscos que acarretam. A sua produção não pode ser lida de forma isolada, dissociada do conjunto de factores que determinam o espírito de cada tempo e a realidade de cada lugar. Não é o mesmo produzir e garantir habitação durante a ditadura salazarista ou na Europa globalizada de hoje — mas as duas assumem um mesmo princípio: as decisões decorrem de um balanço entre o protesto e a proposta, segundo diferentes pesos, medidas e riscos. Uns momentos serão seguramente mais propícios, outros adversos, mas dificilmente ideais.

Às vezes, poderemos recorrer aos instrumentos que já existem, noutras ocasiões inventar estratégias e estruturas de raiz, noutras ainda aplicar ambos em simultâneo. Às vezes, poderemos recorrer à mentalidade do acrobata, noutras situações dar-nos ao luxo de assumir a paciência e argúcia de um jogador de xadrez. Estes dois personagens foram-nos trazidos por Helena Amaro, citando João Ferrão. O geógrafo afirmou tratar-se de uma ideia de outrem tida num contexto diferente — “aquelas coisas que lemos algures e que nos parece bem visto”. Autorias e enquadramentos à parte, interessa garantir que não se perde o fio à meada. É que isto, para continuar na discografia de Godinho, anda mesmo tudo ligado.

SOS

"Era imprescindível chegar a quem sofre por causa da falta/subversão das políticas públicas de habitação ou, pior ainda, a quem acaba por corroborá-las por puro sentido de indiferença"

Sílvia Jorge e Aitor Varea OroArquitetos

A ideia “Do Protesto à Proposta” nasceu em março de 2020, há um ano, em pleno estado de emergência. A aproximadamente 320km de distância, um em Lisboa, outro no Porto, o projecto foi ganhando forma via Skype, à medida que percebíamos que a interrupção da atividade económica e a máxima “fique em casa” deixariam, num país onde a precariedade habitacional está fortemente ligada à precariedade laboral e salarial, uma larga camada da população por sua conta e risco. Profundamente sós. E, como lemos algures, “todos na mesma tormenta, mas nem todos no mesmo barco”.

Ambos arquitetos de formação, um mais ligado à investigação, outro mais à prática, sentimos a obrigação de contribuir de alguma forma para que os problemas da habitação entrassem na ordem do dia e aí permanecessem até se encontrarem respostas. Era urgente falar sobre pessoas e situações habitacionais concretas que só aparecem no discurso público sob a ótica da estigmatização. Era importante dar o megafone a pessoas de elevado rigor e comprometimento técnico, cujas opiniões e experiência se esbatem nos burocratizados espaços da função pública e da academia. Era imprescindível chegar a quem sofre por causa da falta/subversão das políticas públicas ou, pior ainda, a quem acaba por corroborá-las por puro sentido de indiferença, por não saber da sua importância ou por não aceder a informação que permita formar uma opinião fundamentada.

Não tínhamos dúvida das limitações dos formatos dos relatórios e artigos científicos com que lidamos diariamente, geralmente dirigidos aos pares, não ao comum dos mortais, descartando por isso essa opção. Chegámos rapidamente à conclusão que atingir estes objetivos a partir de um meio de comunicação, por via de uma narrativa direta, simples e atraente, era não só possível como saudável. Desconfiamos (desconfiem) de quem emprega sempre uma linguagem demasiado opaca e tecnocrata. Refém dos quadrantes ideológicos e dos catecismos disciplinares, esta linguagem acaba por ocultar a existência de um problema transversal à sociedade, mas também as suas causas. Leva-nos a crer que é possível resolver a crise atual recorrendo à mesma fórmula que a criou. Em suma, afasta a participação de uma maioria, impede que as coisas mudem.

Intuímos que a clareza expositiva obtida graças à dedicação e profissionalismo dos jornalistas Luísa Pinto e Rui Barros permitiu chegar ao quotidiano das pessoas e contribuir para que a ciência cumpra a sua função social. Se no almoço de domingo a sogra explicou ao genro que os problemas de habitação em Portugal acompanham o que se passa pelo mundo fora; se um albicastrense sentiu que o seu município estava no mesmo radar das áreas metropolitanas; se proprietários e inquilinos perceberam melhor porque é que os programas criados não chegam a eles; se pelo menos dois ministros se reviram no impacto que o afastamento das suas pastas tem nas contas públicas, então o alerta que lançámos pode ter servido para assumir que temos um problema e que só podemos resolvê-lo se o abordarmos assertivamente. E juntas/juntos.

A Volta de Apoio ao Emprego 2021 já arrancou!

Carlos Graf, in a Verdade

No passado dia 17, realizou-se, em linha, a primeira sessão da Volta de Apoio ao Emprego 2021. Esta iniciativa, contou com cerca de meia centena de participantes, na sua maioria finalistas de cursos profissionais do Agrupamento de Escolas de Lousada, que conheceram várias ferramentas e soluções para melhorar a empregabilidade e promover a mobilidade.

Joaquim Freitas do ERASMUS+ Juventude em Ação, apresentou o programa Corpo Europeu de Solidariedade, onde jovens entre os 18 e os 30 anos podem encontrar diversas oportunidades de voluntariado, estágios e emprego, contribuindo para a sua entrada no mundo de trabalho e mobilidade europeia (mais informações em www.europasolidaria.pt). Sandra Simão da Rede EURES, apresentou as valências da rede europeia que representa, e demonstrou as potencialidades do Portal EURES, uma importante ferramenta que possibilita acesso a cerca de três milhões de empregos na União Europeia, Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça (https://ec.europa.eu/eures/).

Esta iniciativa foi organizada pelo Europe Direct do Tâmega, Sousa e Alto Tâmega, em parceria com o Agrupamento de Escolas de Lousada. A “Volta de Apoio ao Emprego” é promovida pela Representação da Comissão Europeia em Portugal, enquadra-se na prioridade “uma economia ao serviço das pessoas” e consiste na organização de sessões de informação, em várias localidades do continente e das ilhas, para divulgar oportunidades concretas de emprego e de apoio à empregabilidade.

Importância das experiências de cidadania ativa na promoção da saúde física e mental Em destaque na edição do Fórum de Saúde «Setúbal a Pensar em Si».

in Rostos on-line

A importância das experiências de cidadania ativa na promoção da saúde física e mental foi destacada ontem no sexto debate em formato digital preparatório da primeira edição do Fórum de Saúde “Setúbal a Pensar em Si”.

No último webinar deste ciclo, organizado pela Câmara Municipal de Setúbal, o vereador com o pelouro da Saúde, Ricardo Oliveira, lançou o desafio aos cinco oradores convidados para falarem sobre várias temáticas relacionadas com “Participação – Experiências de Cidadania Ativa enquanto promotora da Saúde Física e Mental”.

Com moderação do vereador da Cultura, Desporto, Direitos Sociais e Juventude, Pedro Pina, os oradores partilharam experiências sobre a forma como a participação das pessoas em projetos de promoção de uma cidadania ativa pode contribuir para a adoção de estilos de vida saudáveis e para o bem-estar físico e mental.

“O movimento associativo promotor de estilos de vida saudável” foi o tema abordado por Adelaide Botelho, professora de Educação Física na Escola Secundária D. João II e membro da direção do Clube Naval Setubalense, que sublinhou o papel estratégico do associativismo no âmbito do sistema desportivo, cultural e juvenil.

“As associações e os clubes dinamizam um conjunto de atividades que contribuem para a ocupação de tempos livres, o desenvolvimento desportivo, a difusão cultural e a integração social. Deste modo, promovem, na sociedade, espírito de entreajuda, cooperação, igualdade democrática, cidadania ativa, desenvolvimento local e preservação da identidade.”

Dada a proximidade com os cidadãos, as coletividades “assumem-se como polos de desenvolvimento local, promotores da saúde e bem-estar através da realização de atividades que conduzem à adoção de estilos de vida saudáveis”.

A docente destacou, igualmente, o “papel fundamental da escola no desenvolvimento de comportamentos promotores de um estilo de vida saudável”, através das disciplinas lecionadas e do desporto escolar.

Já Raquel Levy, chefe da Divisão da Habitação Pública Municipal da autarquia, assinalou os ganhos em saúde para os moradores abrangidos pelo programa municipal Nosso Bairro, Nossa Cidade – a decorrer na zona do território da Bela Vista – com o desenvolvimento do projeto Saúde no Bairro.

“O Saúde no Bairro nasceu de uma necessidade identificada pelos moradores, que demonstraram interesse numa relação mais estreita com os serviços de saúde, designadamente com a saúde comunitária. Nesse sentido, o projeto capacita a organização de moradores na sua relação com os serviços de saúde.”

Além das habituais respostas dos serviços de saúde, o projeto promove a dinamização de ações na comunidade com o apoio dos moradores, sendo que “a ação mais impactante e na qual os moradores se empenharam mais foi a Medição da Tensão Arterial”.

O ACES Arrábida – Agrupamento de Centros de Saúde da Arrábida, um dos parceiros no projeto, o qual envolve também a Cruz Vermelha Portuguesa, o Instituto Politécnico de Setúbal e a Junta de Freguesia de São Sebastião, proporcionou formação aos moradores e disponibilizou os aparelhos de medição.

“Os moradores fizeram a medição da tensão arterial entre si, de forma organizada e com horários próprios. Em cada Espaço Nosso Bairro, Nossa Cidade foram criadas salas próprias para a medição, com folhas de registo que são levantadas semanalmente por uma enfermeira”, adiantou Raquel Levy.

Apesar de esta ser a iniciativa mais regular, o projeto Saúde no Bairro inclui outras, como aconselhamentos de enfermagem, formação de socorrismo para os moradores, ações de promoção da saúde como a comemoração do Dia Mundial da Alimentação e do Dia Mundial da Saúde com a promoção de receitas saudáveis e a dinamização de atividades desportivas.

Raquel Levy destacou, igualmente, que “foi feito o levantamento de todas as pessoas acamadas, com doenças crónicas e deficiência”, nos cinco bairros abrangidos pelo programa Nosso Bairro, Nossa Cidade, entregue depois aos serviços de saúde.

Na área do desporto, o município dinamiza um projeto destinado à população em situação de reforma a residir no concelho. O “Desportivamente em (Re)forma” aposta, desde 2001, na promoção da saúde dos idosos com o desenvolvimento de atividades de exercício físico regulares que abrangem mais de 1200 pessoas com mais de 65 anos residentes nas cinco freguesias de Setúbal.

O programa promove a prática da atividade física “como veículo de bem-estar, saúde e qualidade de vida”, de forma a “possibilitar um estilo de vida ativo, prevenir doenças e promover o bem-estar físico, psíquico e mental”, indicou o pelo chefe da Divisão de Desporto da autarquia, José Pereira.

Outros objetivos do projeto, “tão ou mais importantes do que a atividade física regular”, consistem em proporcionar momentos de convívio e de lazer à população sénior e em minimizar situações de isolamento.

Quando teve início, em 2001, o projeto dinamizava duas aulas de ginástica para cinco dezenas de alunos. Em 2020, o “Desportivamente em (Re)forma” tinha 1266 alunos envolvidos em 56 aulas de ginástica, hidroginástica, danças sociais, boccia, chi kung e equilíbrio.

“O projeto cresceu de forma sustentada e já pensamos no futuro. Queremos criar polos de descentralização, atividades de treino de força em parceria com clubes e aumentar o número de utentes envolvidos”, revelou José Pereira.

Em março de 2020, o confinamento ditado pela pandemia de Covid-19 motivou o cancelamento das aulas presenciais, pelo que “o projeto teve de se readaptar e criar novas formas de continuar a incentivar a prática de exercício físico regular”.

A Divisão de Desporto criou um grupo privado no Facebook que disponibilizou conteúdos digitais, duas vezes por semana, com aulas de exercício físico. Estes materiais voltaram a ser disponibilizados a partir de janeiro deste ano, com o regresso do confinamento.

A relação entre a saúde e o desenvolvimento social foi a temática analisada por Ana Vizinho, da Rede Europeia Anti-Pobreza, que apresentou o trabalho desenvolvido pelo NPISA – Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo de Setúbal.

Esta estrutura, criada em 2010 no seio do CLASS – Conselho Local de Ação Social de Setúbal, órgão presidido pela Câmara Municipal de Setúbal, desenvolve atividades que visam aumentar o conhecimento do fenómeno dos sem-abrigo em Setúbal e melhorar o apoio a pessoas nessa situação no concelho.

Segundo os dados apresentados por Ana Vizinho, o número de pessoas em situação de sem-abrigo no concelho tem vindo a aumentar, passando de 122 em 2016 para cerca de 170 em 2020.

O NPISA proporciona um conjunto de respostas, que Ana Vizinho reconhece “não serem as ideais”, as quais incluem acolhimento em centros temporários e em apartamentos partilhados e intervenção com equipas de rua durante as vagas de frio. Houve, igualmente, apoio excecional devido à Covid-19, com o acolhimento de pessoas na Cúria Diocesana.

Este cenário origina uma “complexidade de situações de saúde nas pessoas sem-abrigo”, uma vez que “estão sujeitas a várias privações e abandonam o autocuidado, com consequências óbvias para o bem-estar”.

Além disso, “quanto mais tempo se está na rua, maior é o afastamento em relação às instituições e o medo dos serviços de saúde”, pelo que uma das funções do NPISA é “proporcionar respostas para garantir direitos essenciais, como o direito à saúde e à habitação”.

Por fim, José Salazar, presidente da APPACDM Setúbal, abordou o caso concreto da saúde e do desenvolvimento social na área das deficiências mentais e destacou o papel da instituição na “construção de uma sociedade inclusiva, de todos, com todos e para todos”.

O responsável sublinhou que os cidadãos portadores de doença mental são “mais suscetíveis de desenvolver perturbações psicóticas e mais vulneráveis ao stress e às perturbações sociais”, bem como “tendencialmente mais afetados por doenças como diabetes, colesterol alto, ansiedade e depressão”.

Nesse sentido, José Salazar referiu que a APPACDM “tem um papel essencial como promotor de saúde” com o desenvolvimento de ações que “contribuem para que estes cidadãos assumam o papel que lhes cabe na sociedade”.

A APPACDM tem um conjunto de valências que permitem uma intervenção junto dos cidadãos com deficiência mental ao longo de toda a sua vida, como são os casos da Escola de Educação Especial e dos serviços de apoio a mais de quatro centenas de alunos de todos os agrupamentos escolares do concelho de Setúbal.

Os programas de Formação e de Reabilitação Profissional, o apoio à empregabilidade, as respostas ocupacionais nos vários centros de atividades ocupacionais da APAACDM, o Centro de Apoio à Vida Ativa e Independente, bem como o desenvolvimento de atividades recreativas, culturais e desportivas são outras ações, “assentes num importante trabalho de parceria com escolas, empresas e instituições”.

No final do encontro, houve lugar a perguntas via chat dos participantes inscritos.

O vereador Pedro Pina finalizou este último webinar antes da realização do Fórum de Saúde, agendado para 8 de abril, com o reforço de que “não há uma cidade saudável sem uma cidadania ativa”, pelo que deixou um agradecimento pelos contributos e reflexões proporcionados por vários oradores convidados ao longo dos seis debates preparatórios.

Antes deste webinar, o ciclo de debates preparatórios do Fórum de Saúde “Setúbal a Pensar em Si” contou com quatro sessões em fevereiro, sobre “Estado de Saúde e Promoção de Estilos de Vida Saudáveis”, “Comunicação em Saúde”, “Desigualdades no Acesso à Saúde” e “Território e Planeamento Urbano: O potencial Salutogénico do Património Natural e Construído”, e uma em marco, intitulada “Recursos da Comunidade enquanto Determinantes da Saúde”.

O Fórum de Saúde, que procura também celebrar, em Setúbal, o Dia Mundial da Saúde, assinalado anualmente a 7 de abril, pretende criar um espaço de reflexão e partilha de conhecimento nesta área da sociedade.

A primeira edição, a realizar no dia 8 de abril, conta com duas sessões específicas destinadas a debater o Perfil de Saúde e o Plano de Desenvolvimento de Saúde do Município de Setúbal, ambos em elaboração.

A comissão organizadora do evento é composta, além da Câmara Municipal, pelo ACES Arrábida – Agrupamento dos Centros de Saúde da Arrábida, pela Associação da Indústria da Península de Setúbal, pela Associação Nacional de Farmácias, pelo Centro Hospitalar de Setúbal, pela Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas e pelo Hospital da Luz Setúbal.

O Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas, o Instituto Politécnico de Setúbal e as juntas de freguesia do concelho, bem como personalidades ligadas à comunidade educativa, ao movimento associativo popular, às instituições particulares de solidariedade social e à Comissão Municipal de Proteção Civil também fazem parte da comissão organizadora.

Fonte - CMS