por Ana Marques, in Diário de Notícias
Milhares de pessoas estão felizes com os bancos: os de tempo. Nas 26 agências no País, a troca de favores é também uma desculpa para ter companhia
Em Coimbra, há um professor universitário que dá uma aula de Robótica em troca de companhia para uma "passeata". Em Alcanena, Alda passa a ferro, depois de lhe organizarem o álbum de fotografias. Em Sines, Fortunata utiliza os seus dotes de costura para remendar uma camisa e, um dia destes, vai "cobrar" uma boleia para poder ir ao hospital.
Os três estão inscritos noutros tantos bancos de tempo, entre os 26 espalhados pelo País. Ali trocam-se serviços, que são pagos em tempo. Quem presta um serviço, tem direito a receber um cheque no valor das horas que gastou na tarefa. As horas podem depois ser cobradas por outra tarefa a qualquer membro do banco.
Em Portugal existem cerca de 1700 pessoas inscritas nestes bancos, desde pré-adolescentes a idosos, mulheres (70 por cento) e homens. O sucesso desta iniciativa é medido pelo "impacto significativo que tem tido na vida de algumas pessoas", defende Eliane Madeira, uma das coordenadoras do banco central do projecto.
"Havia muitas pessoas em isolamento total a quem os bancos de tempo vieram abrir uma janela, valorizando-as, a si e aos seus talentos que permaneceriam invisíveis e, de repente, passam a ser contabilizados em cheques", explica a coordenadora.
Criados com o objectivo de restabelecer o espírito de boa vizinhança, os bancos de tempo surgiram em Portugal no ano de 2002 - pelas mãos da Graal, que importou o conceito de Itália - e orientam-se pela lógi-ca de uma instituição bancária, mas não envolvem dinheiro.
Ali, os cheques passados entre os membros pela prestação de um serviço têm o valor medido em unidades de tempo (uma hora, por exemplo) que são depositados ou debitados numa 'conta' pessoal.
O ideal é que a conta de cada membro esteja sempre a zero. O voluntariado quer-se recíproco, ou seja, quem arranja hoje uma prateleira em casa de alguém, deve solicitar um favor 'amanhã' a outro dos membros do banco, gastando os créditos anteriores.
Cada banco encarrega-se de seleccionar entre uma lista de pessoas e serviços propostos, aquela que melhor pode responder às necessidades. O difícil, diz Eliana Madeira, "é as pessoas pedirem, porque é mais fácil ser-se altruísta, do que assumir que se tem alguma vulnerabilidade".
O que tem tudo isto de revolucionário? O facto de estas ajudas "contrariarem a forma individualista como vivemos, esta educação para a competição e não para a cooperação", defende a psicóloga. "Aqui temos uma valorização igualitária do tempo e dos talentos, sem hierarquias, e tudo isto tem muito de subversivo", remata.