Ana Rute Silva, in Jornal Público
O sector privado deverá acompanhar as actualizações de ordenado da função pública. Mas 18 por cento das empresas admitem fazer despedimentos ainda este ano
Depois de um ano de contenção, as empresas deverão aumentar os salários, em média, 2,3 por cento em 2010. Esta é, pelo menos, a expectativa de 284 empresas que responderam ao estudo salarial da consultora Mercer, a que o PÚBLICO teve acesso.
Este ano as actualizações dos ordenados foram tímidas, não chegando sequer aos dois por cento, e mais de um terço da amostra optou mesmo por congelar os salários aos gestores em funções de direcção-geral ou de administração. Cerca de 19 por cento travaram aumentos aos trabalhadores que exercem tarefas administrativas. São, aliás, estes funcionários quem terá maiores actualizações no próximo ano (ver gráfico).
O congelamento de salários pode servir para evitar despedimentos mas não é uma prática sustentável, avisa Diogo Alarcão, responsável da Mercer em Portugal. As empresas têm "consciência de que esse tipo de medidas temporárias poderá ter, a médio prazo, efeitos no grau de motivação e na retenção dos colaboradores", continua. Travar aumentos serve para conter custos em tempos de recessão, mas não é uma medida a repetir dois anos seguidos.
Para 2010, as empresas estimam aumentar os executivos em funções de maior responsabilidade em 2,12 por cento, e os administrativos em 2,44 por cento. Já os operários tendem a subir o poder de compra em 2,28 por cento. Esta visão mais optimista significa que há "expectativas de inflação em 2010 e alguma retoma da actividade que justifica uma subida de salários para não perderem os trabalhadores", comenta o economista João César das Neves, ressalvando que o estudo reflecte apenas as opiniões das empresas inquiridas.
Facto é que em 2009 as baixas taxas de inflação e o crescimento negativo da economia travaram o crescimento "normal" dos salários, actualizados geralmente entre Janeiro e Março. Contas feitas, as 284 empresas analisadas (que incluem por exemplo a Autoeuropa, a EDP, a Auchan ou os CTT) praticaram em média aumentos de 1,7 por cento. Comparando com a prática na função pública - que define as políticas salariais do tecido empresarial -, esta foi a primeira vez nos últimos quatro anos que os funcionários do Estado conseguiram ganhar vantagem face ao mercado privado.
Apesar de 75 por cento das empresas tencionarem manter o número de trabalhadores, 18 por cento admite que vai reduzir o quadro de pessoal até final do ano. Em 2010, o número de organizações que quer despedir funcionários desce para nove por cento, intenção que reflecte os sinais de alguma recuperação e confiança dos agentes económicos.
Na hora de decidir aumentos, as empresas dão prioridade aos resultados individuais de cada trabalhador e aos resultados financeiros do negócio. Nove em cada dez inquiridos atribuem incentivos de curto prazo (bónus e prémios) e apenas um terço inclui no pacote salarial incentivos de longo prazo, como planos de opções de compra de acções.
Portugal é dos países europeus onde o sector privado dá mais importância ao peso dos benefícios na remuneração total. O seguro de saúde, plano de pensões ou o automóvel são componentes valorizadas, ao contrário do que sucede em Espanha, França ou Itália, onde o vencimento base é o que mais pesa no bolo total pago aos trabalhadores no final de cada mês.
"É uma forma que as empresas portuguesas têm de aproximarem a compensação total dos seus colaboradores aos congéneres europeus", explica Diogo Alarcão.