Alexandra Campos, in Jornal Público
Estala guerra de números entre o TC e o Ministério da Saúde. Tutela diz que relatório, onde se pedem "medidas activas", tem "erros factuais"
Em apenas dois anos, mais 250 mil pessoas ficaram sem médico de família, a crer nos dados adiantados num relatório do Tribunal de Contas (TC). Em Junho de 2008, o total de pessoas nesta situação ascenderia já a 1,4 milhões, mais 27 por cento do que em Junho de 2006. Um número substancialmente superior ao que tem sido apontado pelo Ministério da Saúde (MS), que tem repetidamente enfatizado a quantidade de cidadãos que passaram a usufruir de médico assistente nos centros de saúde, graças à criação, nos últimos anos, de unidades de saúde familiar (USF).
Com base nos dados fornecidos pelas cinco administrações regionais de saúde, o TC conclui, porém, que a situação se agravou e recomenda ao MS que tome rapidamente "medidas activas" para solucionar o problema da falta de médicos de família.
O ministério não tardou a reagir. O actual Governo já avançou com "medidas correctoras", nomeadamente ao aumentar as vagas para o internato de medicina geral e familiar e ao celebrar protocolos que vão permitir a vinda de médicos de outros países, retorquiu o gabinete do secretário de Estado da Saúde. E defendeu mesmo que os dados do TC contêm vários "erros factuais".
"Os números do TC baseiam-se num cálculo do número de utentes que é manifestamente impossível. Segundo o relatório, existiriam 11,3 milhões de utentes, o que ultrapassa em mais de 800 mil o número de habitantes" no país, explicita o comunicado. Acrescenta que os dados do TC não têm em conta as limpezas às bases de dados dos centros de saúde que têm vindo a ser feitas e reafirma que as 195 USF já em funcionamento permitiram dar médico de família a 240 mil pessoas.
Um paradoxo qualquer
"Há aqui um paradoxo qualquer que ninguém consegue perceber. Continuamos sem um registo nacional de utentes" que permita perceber quantas pessoas não têm médico atribuído nos centros de saúde, lamenta o coordenador da Unidade de Missão para os Cuidados de Saúde Primários, Luís Pisco. Agora, "o número de 1,5 milhões é completamente descabido", assegura também. Sem uma completa limpeza dos ficheiros, defende, continua a não haver números fiáveis.
Ainda segundo o TC, um dos factores que terão contribuído para agravar o problema foi a diminuição do número de médicos de família, que decresceu "11,3 por cento" neste período, passando de mais de sete mil para cerca de 6300. O Alentejo e o Algarve foram as regiões mais afectadas. "À semelhança do que está a acontecer em todo o funcionalismo público, há médicos que estão a reformar-se mais cedo do que era habitual", admite Luís Pisco. Mas especialistas contactados pelo PÚBLICO defendem que este número não pode ser tão elevado.
Na região do país que avançou em primeiro lugar com a limpeza dos ficheiros dos centros de saúde, o Algarve, houve, de facto, uma saída de médicos por aposentação e morte e um crescimento do número de utentes inscritos nos centros de saúde, porque a população tem aumentado muito, acentua o presidente do organismo, Rui Lourenço. No Algarve há meio milhão de inscritos e, destes, entre 80 mil a 100 mil não têm médico de família atribuído. Rui Lourenço acredita que a situação, a nível nacional, ficará esclarecida à medida que as pessoas passarem a ter cartão de cidadão (que integra o cartão de utente do SNS).