António Marujo, in Jornal Público
Número de portugueses que vão apoiar missões católicas em países pobres disparou este ano. São sobretudo jovens e ficam por pouco tempo
A Marisa Sapina recorda-se de quando esteve na Guiné-Bissau há seis anos e uma criança lhe pediu uma colher - não tinha nenhuma. "Quem entre nós não tem dezenas de colheres? Mas dar uma colher naquela situação era estragar o trabalho que estava ali a fazer. Disse ao miúdo que iria tentar arranjar. Falei com as irmãs da missão e só uns dias depois de eu vir embora elas deram a colher."
Foi a primeira experiência de Marisa, professora de línguas, como leiga missionária, apoiando no terreno o trabalho das missões católicas em países mais pobres - o número dos portugueses que o fazem disparou este ano e as férias são uma altura privilegiada para colaborarem em missões nos países em desenvolvimento.
"Quando vêem os estrangeiros, vêm pedir. Mas isso não é educar para o desenvolvimento." Por isso, não dar uma colher, uma t-shirt ou outra coisa, naquele momento, pode ajudar a mudar a vida daquelas populações mais pobres. "Para tentarem lutar pelas coisas."
Marisa conta situações em que os adultos da aldeia podem ajudar a construir um pequeno equipamento para beneficiar a comunidade. Em troca, recebem alguma coisa para si próprios.
"O trabalho principal é a presença, mostrar que estamos ao mesmo nível que as outras pessoas", acrescenta Marisa Sapina. "Quando estive esse mês na Guiné, penso que ajudei as pessoas podendo ouvi-las, brincar com as crianças, dar aulas de português e ajudar na enfermaria."
Agora, de novo para apoiar uma missão dos Missionários da Consolata, Marisa partirá no dia 10 com oito pessoas para Vilankulo (Inhambane), em Moçambique. Acompanhará um grupo de cinco alunos e uma professora do Colégio de Santa Doroteia (Lisboa), que venceu um concurso instituído por aquela congregação religiosa sobre os Objectivos do Milénio proclamados pelas Nações Unidas.
Experiências para a vida
"Creio que será a experiência da minha vida", diz Maria Teresa Vitória, 43 anos, professora de Física e Química no colégio e que irá também a Moçambique. Foi na disciplina de Área de Projecto que o grupo vencedor fez um filme sobre a igualdade entre os sexos - o colégio teve cinco grupos, todos finalistas do concurso e, desses, dois ganharam prémios.
"Pensámos que aquele tema poderia resumir tudo: se as mães estiverem informadas podemos reduzir a mortalidade infantil, reduzir a fome...", diz David Gurita, 18 anos, aluno do 12.º ano e um dos que irá para Moçambique. "Iremos trabalhar com crianças e mostrar-lhes um desenho animado que fizemos e onde se mostra que o pai é igual à mãe e que pode cooperar."
Mesmo não sendo crente - o único entre os colegas -, David diz que já estão "habituados a ouvir falar do amor ao próximo e a fazer campanhas de solidariedade". "Os alunos cresceram neste ambiente e quiseram fazer algo que os desafiasse", diz a professora Teresa Vitória. "Pessoalmente, eu nunca pensaria em ir fazer uma experiência como esta. Nunca vivi assim, sem luz, sem água, num sítio de grande pobreza. Penso que virei mudada."
"Iremos ajudar em tudo o que seja preciso: escola, explicações", diz Marisa, que integra os Leigos Missionários da Consolata, estrutura criada pela congregação religiosa para este tipo de experiência. "Tem a ver com o ideal de Jesus, de estar próximo de quem precisa, seja aqui ou fora do país, é um ideal para a vida toda."
Luísa Matos, 28 anos, educadora de infância, e Patrícia Pereira, 23, publicitária, partiram já ontem para um mês na ilha de Santiago (Cabo Verde), integradas num grupo de 14 elementos da associação Sol Sem Fronteiras. Este grupo, ligado aos Missionários do Espírito Santo, tem previsto um conjunto de acções, durante um mês, na paróquia de Nossa Senhora da Luz.
Educação, saúde, cultura
"Vamos falar de direitos humanos, educação para a saúde, direitos da criança, poupança de água, doenças sexualmente transmissíveis, de como se apanha a sida e como se pode prevenir", diz Patrícia. Aulas de informática para adultos estão também previstas, com oito computadores que ficarão depois para uso nos serviços da paróquia e instituições sociais. Patrícia gastará, como vários do grupo, as suas férias nesta actividade. "É a forma de dar, de ser solidária. Quero ir e servir, ver o que posso fazer para ser útil às pessoas."
Luísa ficou com "o bichinho" com o que foi ouvindo a outros companheiros. Pessoalmente, irá sobretudo dinamizar a ocupação de tempos livres de crianças e animar oficinas de pedagogia e liderança e de expressão corporal e dramática. A experiência de ser solidária poderia ser feita com outra organização qualquer, admite Luísa. Mas "tendo fé vivemos as coisas de outra forma, mais a nível da espiritualidade".
Quem já fez experiências como estas, percebe a vontade de ir - e de voltar. Lina Rosa, médica aposentada de Valadares (Gaia), ficou "muito chocada" quando chegou em Abril a Manalana (arredores do Maputo), em Moçambique, onde ficou por quase três meses.
"A pobreza, os jovens sem projectos de vida" foi o que mais a transtornou. Mas tem uma certeza: "Para o ano volto". Na aldeia, Lina Rosa e a restante equipa que trabalha com os missionários montou uma espécie de centro de saúde. "Não fomos com pretensão de ensinar, só ajudar. E ainda aprendemos: uma rapariga de 29 anos, que perdeu a visão em 2005, virou-se para nós a dizer: 'Graças a Deus, ele deu-me força para, apesar de cega, ainda conseguir tomar conta dos meus filhos.'"
Nuno Morais, 25 anos, de Ermesinde, que deixa Portugal amanhã, é o único dos 11 entrevistados pelo PÚBLICO que não irá trabalhar num país lusófono - destino maioritário para os voluntários. Estará três semanas numa aldeia a uns 60 quilómetros de Dodoma, a capital da Tanzânia, para ajudar a construir três infantários.
O grupo, de 14 pessoas, faz parte também dos Leigos Missionários da Consolata. Depois de três anos de formação - etapa obrigatória em qualquer um destes grupos -, Nuno decidiu partir agora por estar desempregado (é licenciado em Biologia Marinha). "Mas se não fosse agora, iria mais tarde." "Ser cristão impele-me a fazer algo mais, exige uma maior entrega ao que fazemos e uma maior disponibilidade", afirma.