In Diário de Notícias
Primeiro estabeleceu um recolher obrigatório para os menores de 13 anos, depois proibiu os estendais de roupa no centro histórico, onde vivem muitas famílias pobres do norte de África, e tornou ilegal cuspir nas ruas. A medida seguinte foi armar todos os polícias municipais com pistolas semiautomáticas e espalhar cartazes de armas pela cidade com a frase: "Os agentes têm uma nova amiga". E no mês passado, tornou-se viral nas redes sociais um vídeo em que dizia a um sírio: "Na minha cidade você não é bem-vindo."
O rosto por detrás destas polémicas é Robert Ménard, presidente da câmara de Béziers, no sul de França, desde maio de 2014. Apesar de não ser da Frente Nacional, o ex-jornalista de 62 anos foi eleito com o apoio do partido de Marine Le Pen, sendo acusado pelos opositores de transformar a cidade de 71 mil habitantes num "laboratório da extrema-direita". E mais: "Le Pen está a tentar tornar a Frente Nacional menos tóxica, mas Robert Ménard, pelo contrário, está confortável no extremo-direito da extrema-direita", indicou à BBC o líder dos socialistas da cidade, Jean Michel du Plaa.
"Hoje, toda a gente em França sabe onde é Béziers", indicou o presidente da câmara ao The Guardian, alegando que a curiosidade em relação às suas políticas tem atraído muitos turistas. Era precisamente o seu objetivo ao proibir os estendais no centro da cidade, alegando que isso tinha um impacto sobre a atratividade económica e turística da cidade. Já o recolher obrigatório para os menores de 13 anos, entre as 23.00 e as 06.00 de sexta-feira, sábado e domingo e durante as férias escolares, foi uma medida destinada a "responsabilizar os adultos para que não deixem as crianças sozinhas durante a noite", disse ao Le Figaro.
Pobreza
Outrora rica por causa das vinhas e do setor vitivinícola, a cidade é hoje uma das mais pobres do país, com um terço da população a viver abaixo do nível de pobreza. E Ménard quer mudar isso, ignorando as críticas dos media de que é autoritário e provocador e dizendo que não gosta da expressão extrema-direita, preferindo falar do aumento do sentimento nacionalista e patriótico em França.
Ménard foi eleito com o apoio da Frente Nacional, mas o seu percurso político foi feito à esquerda. Militante nos anos 1970 da Liga Comunista Revolucionária, passou depois pelo Partido Socialista, que abandonou pouco depois da eleição de François Mitterrand para a presidência francesa, em 1981.
Jornalista, foi um dos fundadores em 1985 dos Repórteres sem Fronteiras, tendo presidido durante quase 25 anos à organização não governamental que se transformou numa das mais importantes na defesa da liberdade de expressão em todo o mundo. Mas ultimamente tem sido mais crítico com os jornalistas, acusando alguns de serem "inimigos do povo" e de terem "ligações incestuosas com o mundo político e económico".
Mas são as estratégias mediáticas que o autarca usa para chamar a atenção para a sua cidade, aprovando medidas de choque que têm repercussão em toda a França, obrigando até o primeiro-ministro Manuel Valls a reagir. Foi o caso da mudança de nome da rua 19 de março de 1962 (data dos Acordos de Évian que puseram fim à guerra da Argélia), rebatizada rua Comandante Hélie de Saint-Marc, um militar que participou no golpe dos generais de 1961, que queria derrubar o presidente Charles De Gaulle.
"A nostalgia, e nomeadamente a nostalgia da Argélia francesa, não traz nada de bom. Hoje, precisamos de olhar para o futuro com otimismo e a Frente Nacional não gosta da França", afirmou Valls em resposta à alteração dos nomes das ruas. Ménard tinha 9 anos quando a Argélia se tornou num Estado independente e a família deixou o país e regressou a França, acabando por se instalar no bairro pobre de La Devèze, em Béziers. Precisamente o mesmo bairro do qual tentou expulsar famílias de sírios que aí se instalaram ilegalmente.
"Você não é bem-vindo nesta cidade. Entrou nesta casa partindo a porta, rouba a água e a eletricidade, não pode chegar e ocupar o apartamento", diz o autarca a um dos refugiados, num vídeo que se tornou viral e lhe valeu tantas críticas como elogios. Os despejos acabaram, contudo, por não acontecer, já que a câmara não tinha jurisdição sobre os prédios de habitação social onde os migrantes se tinham instalado.
Apesar de alguns protestos nas reuniões camarárias, os habitantes de Béziers parecem satisfeitos. "Havia lutas e pessoas a drogar-se nos bancos de jardim. E durante anos ninguém fez nada. Desde que Ménard chegou, tudo isso desapareceu e os turistas chegaram", indicou um local à BBC. "Acho-o maravilhoso. Está a limpar a cidade", disse uma idosa ao The Guardian.