Os Direitos Humanos não são negociáveis

Paulo Jorge Pereira, in Económico

Muros contra refugiados na Europa, actos de discriminação e desrespeito pelas minorias: o século XXI não consegue ser original.

O choro das crianças dilacera o coração dos pais. Os mantimentos escasseiam, a fome aperta, o tempo não dá tréguas. Agora que o rigor do Inverno dita regras, o frio, a chuva e a lama somam-se aos adversários que os refugiados têm de enfrentar na sua procura por dignas condições de vida, negadas nos países de origem. A hipotermia ganha terreno e não poupa os mais pequenos por entre a falta de roupas quentes que os protejam da intempérie. Na fronteira da Sérvia com a Croácia, mal se apercebem de uma possibilidade de passagem, milhares correm para fugir do Inferno das baixas temperaturas e das inverosímeis condições de sobrevivência. “A última pessoa a cruzar a linha de fronteira foi um rapaz que não tinha uma perna e ajudámo-lo a passar com a colaboração de uma cadeira de rodas”, admitiu Melita Sunjic, integrante da equipa da agência das Nações Unidas para os refugiados que procura minorar os efeitos dramáticos da demanda.

Um Mundo de lugares perigosos

As imagens, transmitidas através das televisões para o conforto de lares de todo o Mundo a milhares de quilómetros de distância, chocam opiniões públicas. Organizações não governamentais afadigam-se para que a desgraça não ganhe novas dimensões de tragédia humanitária a cada momento que passa. Por contraponto, a lentidão dos governos é exasperante e assume as mais variadas justificações ou formas – dos muros que uns constroem e outros não combatem até às questões históricas, políticas e infra-estruturais, quase tudo serve de argumento.

Os números desfilam todos os dias perante a indiferença. Até ao final do ano, as organizações internacionais que lidam mais de perto com os refugiados apontam para um total de 700 mil chegadas à Europa, vindos de Médio Oriente, África e Ásia. Há poucos dias foi divulgado, pelo jornal “Financial Times”, que Bruxelas iria propor, em Março, um “plano estrutural para reinstalar na Europa quase 200 mil refugiados de países como Turquia, Jordânia e Líbano, medida vista como contrapartida para convencer as autoridades turcas ao empenhamento numa solução para o problema”. Entretanto, demonstrações de xenofobia vão marcando o dia-a-dia de muitas bem pensantes nações europeias tão ocupadas e cegas com o seu bem-estar que nada mais importa.

Nada de inesperado. O Mundo tem transigido, a diplomacia transformou-se, a pouco e pouco, no mínimo denominador comum dos relacionamentos internacionais num quadro de hipocrisia generalizada e os Direitos Humanos, que são inegociáveis, tornaram-se moeda de troca para petróleo e outras mercadorias.

Deixei para o fim Luaty Beirão e a inacreditável situação dos activistas presos e sob greve de fome em Angola: enquanto outros interesses que não sejam a defesa incondicional da Declaração Universal dos Direitos Humanos forem prevalecendo, episódios deste género ameaçam repetir-se.

Responder-lhes com silêncio ou indisfarçável incómodo, como tem sucedido com certos governos, só os transforma em cúmplices omissos. Por outro lado, alguém esperaria uma atitude diferente em Luanda de quem está no poder há 36 anos?

Ser forte com os fracos, construir muros, discriminar, violentar e desrespeitar minorias – quanto mais evoluem as sociedades em campos como a tecnologia e a indústria, mais a Humanidade teima em seguir percursos contraditórios no domínio da cidadania e das áreas sociais. É verdade que não somos perfeitos, mas também é evidente que a imperfeição que nos caracteriza não pode servir para justificar tudo.

*Notícia publicada em 23 de Outubro de 2015 no suplemento E+ Fim de Semana