5.7.17

Crianças não têm autonomia para decidir sobre o fim da vida

in Diário de Notícias

"A criança não tem capacidade de decidir. Não pode haver eutanásia na minha opinião" Fernando Cardoso Rodrigues Pediatra "A criança não deixa de ser uma pessoa com direitos, há muito a fazer por ela" Entretanto Antonieta Reis, Socióloga e Coordenadora do Norte da Associação ACREDITAR "Uma grande parte das crianças que morrem em Portugal passam mesmo a vida no hospital" Auditório da Biblioteca Municipal de Vila Real encheu-se ontem para ouvir falar sobre cuidados a crianças Crianças não têm autonomia para decidir sobre o fim da vida Eutanásia.

Pediatras e psicólogos defenderam ontem, na conferência Decidir sobre o Final da Vida, a necessidade de se apostar numa rede de cuidados paliativos pediátricos para que crianças doentes possam estar em casa com a família DAVID MANDIM A eutanásia em idade infantil levanta problemas diferentes dos que existem quando se fala de adultos, salientaram ontem os pediatras e os psicólogos que participaram na conferência Decidir sobre o Final daVida, no âmbito do ciclo sobre a eutanásia que está a decorrer por iniciativa da Comissão Nacional de Ética para as Ciências daVida. A autonomia para a decisão é o problema mais evidente, porque não se deve esquecer que a criança tem direitos. No auditório da Biblioteca Municipal de Vila Real, apontou-se também a necessidade de criar cuidados paliativos-80% das crianças que morrem em Portugal, morrem num hospital onde passaram grande parte da sua vida.

Fernando Cardoso Rodrigues, pediatra reformado que integrou a comissão de ética da Sociedade Portuguesa de Pediatria, começou por questionar a nomenclatura - até que idade se é criança? A Convenção sobre os Direitos da Criança diz que é dos O aos 18 anos. "Mas a Organização Mundial da Saúde (OMS' classifica como adolescentes dos 10 aos 20, e até define juventude dos 15 aos 25. Se baralhamos os conceitos , está quase tudo baralhado", disse o médico de 71 anos, convencido de que é importante que todos falem coma mesma nomenclatura. É importante porque o que se discute é a capacidade de decisão. "É a criança autónoma para decidir sobre o fim de vida?", lançou a questão, para mais tarde responder e já com a idade dos 14 anos como barreira para a adolescência. "A criança não tem capacidade de decidir. Não pode haver eutanásia na minha opinião", frisou Fernando Cardoso Rodrigues, sem esconder que, no caso dos adultos, aceita que a pessoa tenha a última palavra sobre o fim cia vicia.

Alexandra Dinis, pediatra que integra um grupo de trabalho da Sociedade Portuguesa de Pediatria, que se especializou nos cuidados intensivos, lembrou que a OMS tem como "principal filosofia a aceitação da morte, mas recusando a antecipação da morte". Neste contexto, referiu que em pediatria "há uma grande dificuldade de aceitação da morte, reveste-se sempre de tragédia e tristeza". Com uma baixa taxa de mortalidade, Portugal vê morrer 600 a 700 crianças por ano, 80% delas com óbito hospitalar.

"Uma grande parte delas passam mesmo a vicia no hospital. Num ciclo de debates: 18 de julho Aveiro 12 de setembro Covilhã 10 de outubro Évora 27 de outubro Setúbal 7 de novembro Coimbra 14 de novembro Funchal e Ponta Delgada 5 de dezembro Lisboa tudo efetuado, foram encontradas oito crianças que nasceram, viveram e morreram num hospital." Conhecedora da legislação e de estudos belgas e holandeses, a pediatra pensa que em Portugal "a morte das crianças se caracteriza por uma excessiva hospitalização".

A pediatra defende um maior apoio às famílias para que possa ter as crianças em casa, admitindo que há grande dificuldade em reconhecer a autonomia dos menores. Assim, concluiu com linhas orientadoras, que "mais importante do que reconhecer a dignidade da morte, devemos promover a dignidade ao longo de toda a vida".

O psicólogo, doutorado em Bioética, Eduardo Carqueja, salientou a necessidade de envolver toda a sociedade nesta discussão. Os conceitos são também decisivos para se formar a opinião. Deu o exemplo de ver alguém dizer "que era tão bom que a eutanásia fosse possível para o meu pai, para ele não sofrer mais". É um equívoco, diz: "Está a dizer que o sofrimento do pai está a ser intolerável para si." Isto poderia ser um exemplo também em relação a um filho e, por isso, considera que uma ética de relação é essencial, recordando que as pessoas em sofrimento estão vulneráveis. "Decidirem sofrimento é decidirem liberdade?", foi a questão que deixou.

A coordenadora no Norte da associação Acreditar, que reúne pais e amigos de crianças com cancro, retomou ideias já lançadas por Alexandra Dinis sobre a importância de promover cuidados paliativos pediátricos. "Devem existir desde() início, em todo o país, e deve ter como base uma boa comunicação com as famílias. Não será fácil, porque se associa logo os cuidados à morte", disse a psicóloga ~micta Reis, convicta de que "a esperança deve existir apesar de um cenário mais complicado". A criança "não deixa de ser uma pessoa com direitos, há muito a fazer por ela."