Valentina Marcelino, in DN
A Comissão de Alerta Precoce para a Cova da Moura, criada em 2015, nunca apresentou resultados. PSP não comenta
O caso de 5 de fevereiro de 2015 foi mais um entre muitos de violência policial de que se queixam, recorrentemente, os moradores da Cova da Moura. Este teve a particularidade de, além de uma dimensão invulgar - quer pelo número de agentes envolvidos quer pela brutalidade motivada pela xenofobia e racismo assumidos - ter como vítimas também jovens integrados, trabalhadores e estudantes, ativistas em associações cívicas do bairro.
Em sua defesa vieram nomes públicos sonantes, como o do sociólogo Boaventura Sousa Santos e de várias organizações de direitos humanos, como o SOS Racismo, manifestando-se em protesto em frente da Assembleia da República. Da parte do governo PSD-CDS, na altura no poder, chamaram-se as associações e residentes do bairro, sentando-os à mesma mesa com as autoridades policiais.
O Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) e a Comissão para a Igualdade contra a Discriminação Racial pediram à IGAI a abertura de processos contra os polícias. Foi criada, ainda pelo Ministério da Administração Interna (MAI), uma Comissão de Alerta Precoce para a Cova da Moura, juntando polícias, autarquias e associações de imigrantes, que levaram testemunhos de uma "sistemática" brutalidade policial e racismo sobre os residentes, que se tinham agravado nos últimos anos.
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No passado dia 5 de fevereiro, quando se completaram dois anos dos incidentes, o gabinete da atual ministra não respondeu ao pedido do DN para saber sobre o trabalho da Comissão, remetendo para a Junta de Freguesia Águas Livres/Buraca - coordenadora da dita Comissão - os esclarecimentos. Apesar das insistentes solicitações do DN, por mail e telefone, a junta nunca respondeu.
O ACM, por seu lado, garantia que foram tomadas várias medidas, entre elas "a aproximação entre os moradores africanos e as forças de segurança, através de abordagens primárias. No bairro, que chegou, em tempos, a ser um exemplo do dito "policiamento de proximidade" da PSP, com a cooperação intensa da Associação Moinho da Juventude, nenhum esforço foi notado.
Lúcia Gomes, a advogada dos seis jovens agredidos, escrevia nessa data, no blogue Manifesto 74: "As associações falharam, deixaram de estar, de falar sobre o assunto. Todas as personalidades que se indignaram, à data, desapareceram. O Alto-Comissariado para as Migrações nunca sequer lá pôs os pés para falar com ninguém ou intervir e se disser que o fez, mente. Todos viraram as costas, fingindo que não há racismo, não há violência, não há tortura."
Da parte da Direção Nacional da PSP tudo continuou como se nada tivesse acontecido. Os polícias agressores continuaram na esquadra e não houve notícia de mudança nos critérios de recrutamento e formação dos agentes destacados para aquelas áreas sociais sensíveis. Contactado pelo DN, o gabinete do diretor nacional, Luís Farinha, disse que não respondia. A IGAI, por seu lado, que acabou por arquivar o inquérito, prometeu, conforme o DN chegou a noticiar, um manual de boas práticas e formação especial para os agentes que fazem policiamento neste género de bairros, a começar pela Cova da Moura. Como em tudo o resto, nada que fosse notado pelos habitantes deste bairro, às portas de Lisboa, com uma maioria de habitantes de origem cabo-verdiana.
O medo persistiu e persiste em 2017, "num mundo em que um jovem deixa de sair à rua porque não quer encontrar a polícia nem que no bairro o acusem de pôr o bairro em perigo porque enfrentou a polícia. (...) Num mundo onde dizem a um semelhante que deve ser exterminado, que não é pessoa", testemunhou Lúcia Gomes.