Marta Gonçalves, in Expresso
Uma mulher apresentou queixa por violência doméstica ao Ministério Público. Não foram ativados mecanismos de proteção e 37 dias depois foi morta pelo marido. Existem "cada vez menos" casos destes mas ainda acontecem porque o sistema "ainda falha", tal como revelou um relatório da Equipa de Análise e Retrospetiva de Homicídios em Contexto de Violência Doméstica
"Um caso que não deveria ter acontecido". Mas aconteceu. "Inadmissível". No entanto, em novembro de 2015, uma mulher foi morta à paulada pelo marido 37 dias depois de ter apresentado queixa por violência doméstica. Para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) este foi um processo em que existiram erros e que situações destas ainda se repetem com frequência, embora "sejam cada vez mais as exceções". A organização defende que é urgente criar procedimentos para que quem acolhe as vítimas saiba o que fazer, para onde as encaminhar, quais os recursos necessários e o tipo de proteção mais adequada.
"Em Portugal tudo se espera da lei, incluindo que dê respostas concretas às necessidades e dificuldades da sua implementação no dia-a-dia. Isso a lei não prevê, não pode prever nem se pode desejar que preveja. Existe todo um esforço que deve ser feito pelas entidades, que têm a obrigação de fazer cumprir a lei, de desenvolver os procedimentos e boas práticas para garantir que esta é cumprida", refere ao Expresso João Lázaro, presidente da APAV. "A necessidade de procedimentos continua a ser uma pecha do sistema."
Os mecanismos de proteção que podem ser ativados para proteger as vítimas podem passar pela vigilância à distância ou pelo uso de pulseiras eletrónicas. Por vezes, o agressor fica proibido de se aproximar da vítima ou estas são retiradas do local de perigo. "Pode ser mudar de bairro, de cidade e, por vezes, em situações extremas até mesmo de país face ao risco de homicídio".
Esta quinta-feira o "Público" e o "Jornal de Notícias" revelaram as conclusões do relatório da Equipa de Análise e Retrospetiva de Homicídios em Contexto de Violência Doméstica, em que o Ministério Público (MP) é acusado de ter falhado ao não ter acionado qualquer mecanismo de defesa depois de a vítima ter recorrido ao MP de Vialonga. Para a APAV, estudos destes são "positivos", pois ajudam a compreender onde "estão os erros". "Até é sinal de maturidade do próprio sistema, que olha para si, avalia e pode corrigir e melhorar a eficácia do seu funcionamento, evitando desfechos fatais. Fazer esta retrospetiva é de louvar e assinalar."
Agora, defende João Lázaro, é importante garantir que as recomendações do relatório são "levadas a sério" e implementadas. "Sabemos que há muito a melhorar mas que as situações são cada vez mais e têm de ser cada vez mais excecionais."
A APAV lembra ainda que esta quarta-feira saiu um novo quadro legal que regulamenta o contacto com a vítima, que introduz "um quadro de referência e standards mínimos para o atendimento" e acolhimento das vítimas pelas instituições da sociedade civil. Então, Portugal está a ficar mais eficiente na proteção das vítimas? "Das vítimas de violência doméstica, sim. Das restantes, tenho dúvidas. É importante que haja direitos mínimos para todos as vítimas de crimes. Se for alvo de terrorismo deve ter direito a informação, tal como uma vítima de roubo deveria ter. Agora, a vítima de terrorismo tem necessidades especiais, mas isso é além dos mínimos. As vítimas de crimes sexuais têm outras necessidades, as crianças e jovens também... Mas há direitos mínimos que deveriam ser para todos as vítimas de crime."