Márcia Silva Pereira, in Público on-line
Não será possível combater o crescente populismo num prazo mais alargado nem criar estabilidade social sem combater a desigualdade e a pobreza.
Em 2013, no ricochete de uma crise mundial, o lançamento do livro Capital no século XXI de Thomas Piketty relançou a discussão em torno da desigualdade de rendimentos entre indivíduos, concluindo que apenas o crescimento resultante de avanços tecnológicos ou intervenção governamental poderiam combater esta assimetria na repartição de riqueza. Passados cinco anos, o tema mantém-se igualmente importante, tendo vindo até a ganhar uma maior relevância no discurso institucional mainstream e no seguimento da persistente estagnação do período pós-crise. Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma das organizações constituintes da força tripartida Troika, ou o Fórum Económico Mundial têm recolocado este tema como central através de algumas publicações. Adicionalmente, na sequência do Programa de Ajustamento, a Fundação Francisco Manuel do Santos publicou um estudo extensivo sobre este fenómeno em Portugal. Mas como é que tem de facto evoluído a desigualdade, porque é que observamos esta mudança discursiva e o que é que pode ser feito para combater esta disparidade, caso seja desejado de um ponto de vista normativo?
Primeiramente, a nível mundial, no pós-1980, observa-se o intitulado por Anthony Atkinson como Viragem da Desigualdade, onde, após algumas das maiores taxas de crescimento, aliadas a níveis de desigualdade historicamente baixos, se observa de novo uma crescente concentração de riqueza. De acordo com um relatório da Oxfam, em 2016, apenas oito indivíduos detinham tanta riqueza quanto os 50% mais pobres. Adicionalmente, de acordo com o estudo acima referido coordenado pelo Professor Carlos Farinha Rodrigues, em Portugal, entre 2009 e 2012, 69% da população sofreu uma queda de rendimento, com "um quarto da população a ter um decréscimo do rendimento real superior a 30%".
Relativamente à mutação discursiva, em outubro de 2017, o FMI publicou um dos seus relatórios trimestrais, o Fiscal Monitor, com a edição Atacar a Desigualdade, onde é afirmado que, para reduzir a desigualdade, se deve aumentar a progressividade fiscal e garantir o acesso à educação e à saúde. Porém, é também aqui reconhecido que é precisamente este acentuar da concentração de riqueza que se tem repercutido no descontentamento com a globalização. O Fórum Económico Mundial é mais explícito na sua abordagem das consequências políticas da desigualdade, afirmando que a fragilidade das sociedades e descrença nas instituições é crescente e dizendo no relatório Riscos Globais de 2017 que é necessário reformar fundamentalmente o capitalismo de mercado se queremos combater a subida do discurso populista e antiglobalização.
Finalmente, no que diz respeito às políticas públicas usadas para combater a desigualdade, a política fiscal é decisiva. Piketty, por exemplo, na conclusão do seu célebre livro, propõe um imposto global sobre o capital como forma de combater a desigualdade. Na generalidade dos casos, esta assimetria é combatida através de uma maior progressividade dos sistemas fiscais, isto é, que a taxa de imposto média sobre rendimentos mais altos seja progressivamente maior. Porém, muitos países reduziram esta taxa, alegando que cria um incentivo ao investimento dos mais ricos que irá posteriormente refletir-se na restante população, sendo esta a ideia por detrás da atual reforma fiscal americana. Contudo, outras políticas podem também impactar significativamente a distribuição de rendimentos. Numa tese de mestrado recentemente defendida na Nova SBE, Alexandre Mergulhão conclui que a desregulação do mercado de trabalho, a diminuição do peso do Estado e o aumento do peso do sistema financeiro contribuem para um aumento da desigualdade, o que pode ser indicativo de algumas reformas que poderão reduzir este intervalo.
Não será possível combater o crescente populismo num prazo mais alargado nem criar estabilidade social sem combater a desigualdade e a pobreza. Apesar da mudança do discurso institucional, a resolução de forma sustentada deste problema requer uma ação conjunta, já que muitas políticas nacionais estão altamente dependentes das mesmas instituições que proferem estes discursos, tendo até algumas destas políticas consequências socialmente destrutivas. Adicionalmente, no seguimento da discussão em torno do Projeto Europeu e de um maior grau de integração, este dependerá também de ser capaz de demonstrar a sua capacidade cooperativa na redistribuição dos ganhos da globalização, como afirmado no Livro Branco sobre o Futuro da Europa e melhor explorado por Patrícia Filipe.
Concluindo, dado que este tema tem estado em plano secundário, duas questões se levantam: quer-se combater a desigualdade como um meio para atingir algum grau de estabilidade social, sendo apenas relevante aquando do politicamente indesejado, ou como um fim? E de qualquer das formas, para quando? Na minha opinião, a análise deste fenómeno requer um olhar mais profundo sobre o paradigma em que assenta a nossa sociedade, mas essa discussão terá de ficar para outra altura.